[Modelo] Contestação ao Pedido de Medicamento – AGU
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
Procuradoria-Regional da União da 4ª Região
Equipe Virtual de Alto Desempenho em Saúde –– E-QUAD/SAÚDE
EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) FEDERAL
Processo n. 5035108-46.2016.404.7000
Autor: Rosa Maria Savatti Lima
A
UNIÃO
, por seu Advogado, mandato ex lege, vem, respeitosamente, perante V. Exa., nos autos virtuais (E-PROC) em tela, ao tempo em que informa não ser possível conciliar o interesse público sub judice, apresentar
C O N T E S T A Ç Ã O
ao pedido formulado pela parte adversa.
1. DOS FATOS
Em breve síntese, trata-se de demanda objetivando o fornecimento do (s) medicamento (s) VECTIBIX (PANITUMUMABE) para tratamento de neoplasia maligna do reto (CID C20.0).
Como se demonstrará a seguir, não assiste razão à parte contrária.
2 – DO DIREITO
– PRINCÍPIO DA INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA VERSUS PRINCÍPIO DA ISONOMIA
A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 em artigo 196dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
No mesmo sentido, dispôs o art. 2º da Lei 8.080/90, pelo qual a “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação“.
Por seu turno, o art. 7º, IV, da Lei 8.080/90 que erige a igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, a um dos dogmas dos SUS, ao passo que a parte adversa está recebendo a benesse de um tratamento não padronizado, de forma diferente da prevista no sistema, em detrimento dos demais pacientes em igualdade de condições, bem como das demais prioridades do SUS.
A argumentação em torno do princípio isonômico é fulcral e merece ser prestigiada. Como é de conhecimento geral, há falta de recursos na rede pública para atender a todos de forma imediata, de modo que as determinações judiciais para cumprimento de liminares acabam criando uma “LISTA PARALELA” de espera, cujo pronto atendimento vem em detrimento da lista oficial daqueles segurados que não entraram na via judicial.
Registre-se, ainda, que não se pode aceitar que o Poder Judiciário, apesar do claro intuito de resolver um problema individual, simplesmente desconsidere a também grave situação da saúde pública do país como um todo e a necessidade que se tem de estabelecimento de pautas gerais (uma visão holística) – e não particulares – no que respeita à concretização desse direito social. Deve-se admitir, até por imperativo de ordem constitucional, que somente as ações planejadas e fundadas em critérios técnicos, envolvendo conhecimentos multi e interdisciplinares (medicina, ciências sociais, estatística, direito, farmácia), poderão, em tempo razoável, levar à efetivação do direito fundamental à saúde, ampliando progressivamente o atendimento ao maior número de enfermos e alargando também o campo das ações preventivas.
As situações difíceis, ou os chamados hard cases, colocam em tensão, com mais frequência, os princípios da integralidade, da
universalidade e da igualdade na prestação da saúde. Nesses casos de tensão, é necessário buscar o menor sacrifício possível de cada um dos princípios, surgindo como solução a utilização do primado da proporcionalidade, remetendo a uma noção de coerência, de priorização de proteção a direitos tutelados diante de impasses a serem resolvido no caso concreto (ad hoc e não em abstrato), de forma que o STF deixou clara na STA 175, a necessidade de instrução nas demandas de saúde, para que não se tratem essas demandas como “demandas de massa” com peças e decisões padronizadas, sendo imprescindível a prova da ineficácia da política pública existente no caso concreto para deferimento de qualquer tratamento diferenciado.
– Violação do art. 19 M, O e Q da Lei nº 8.080/90 – O SUS possui protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para a doença de que padece a parte autora
A incorporação de novas tecnologias em saúde no SUS depende de criteriosa avaliação da CONITEC, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, criada com a Lei nº 12.401/2011, que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse órgão colegiado de caráter permanente, integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde, tem por objetivo assessorar o Ministério nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de tecnologias em saúde, bem como na constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.
A CONITEC é vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde, o qual é responsável pela incorporação de tecnologias no SUS e assistida pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DGITS).
Nesse sentido, referida Lei nº 12.401/2011 introduziu importantes dispositivos na Lei 8.080/90, especialmente os artigos 19 M, O e Q, os quais preconizam a aplicação das diretrizes terapêuticas do SUS em detrimento de outros tratamentos:
Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6º consiste em:
I – dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em
conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;
II – oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Único de Saúde – SUS, realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado.”
Art. 19-N. Para os efeitos do disposto no art. 19-M, são adotadas as seguintes definições:
I – produtos de interesse para a saúde: órteses, próteses, bolsas coletoras e equipamentos médicos;
II – protocolo clínico e diretriz terapêutica: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS.”
“Art. 19-O. Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas deverão estabelecer os medicamentos ou produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que tratam, bem como aqueles indicados em casos de perda de eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas pelo medicamento, produto ou procedimento de primeira escolha.
Parágrafo único. Em qualquer caso, os medicamentos ou produtos de que trata o caput deste artigo serão aqueles avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que trata o protocolo.”
(…)
“Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.
§ 1º A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde
e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina.
§ 2º O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente:
I – as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso;
II – a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.”
Em realidade, como assentou o Min. Gilmar Mendes no voto proferido na STA nº 175, o “Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da Medicina com base em evidências”, com a conclusão de que a política pública deverá privilegiar o tratamento do SUS “sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente”.
Em suma, o que se quer ressaltar é que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são resultado de consenso técnico- científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade e precisão de indicação.
Portanto, em havendo Protocolo que abrange a patologia que constitui a causa de pedir, verifica-se ofensa às normas referidas o deferimento de medicamento ou tratamento que não foi submetido a criteriosa análise multidisciplinar, ou – pior ainda – que já o foi e não teve comprovada sua eficácia e segurança para a vida e saúde do paciente.
Nesse aspecto, vejam-se os seguintes enunciados, aprovados na 1ª Jornada de Saúde do CNJ:
Enunciado nº 4 – Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são elementos organizadores da prestação farmacêutica, e não limitadores. Assim, no caso concreto, quando todas as alternativas terapêuticas previstas no respectivo PCDT já tiverem sido esgotadas ou forem inviáveis ao quadro clínico do paciente usuário do SUS, pelo princípio do art. 198, III, da CF, pode ser determinado judicialmente o fornecimento, pelo Sistema Único de Saúde, do fármaco não protocolizado.
Enunciado nº 11 – Nos casos em que o pedido em ação judicial seja de medicamento, produto ou procedimento já previsto nas listas oficiais do SUS ou em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PDCT), recomenda-se que seja determinada pelo Poder Judiciário a inclusão do demandante em serviço ou programa já existentes no Sistema Único de Saúde (SUS), para fins de acompanhamento e controle clínico.
Mais do que isso, é imperioso observar que o art. 19-M da Lei nº 8.080/90 define que atendimento integral é aquele preconizado “em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas” pelo SUS, sendo que o deferimento de quaisquer outros tratamentos ou medicamentos que estejam em contrariedade com essa política constitui ofensa literal a tal dispositivo. Além disso, no momento em que a própria Constituição, no art. 198, II, define que o atendimento será integral, ela o faz no contexto do Sistema Único de Saúde, cuja regulamentação decorre de lei (art. 197 da CRFB).
Nesse prisma, vê-se que o desenho institucional da Constituiçãopreviu que o Poder Legislativo definisse democraticamente o que seja atendimento integral, o que se positivou no referido art. 19-M. Através do processo legislativo, detalhou-se, ainda, como se daria o processo de incorporação de tecnologias (art. 19-Q da Lei nº 8.080/90), medida a se implementar pelo Poder Executivo. Assim, o deferimento deoutros tratamentos e medicamentos que não foram incluídos nos protocolos, expressa ou tacitamente – e que, portanto, estão fora do tratamento integral definido em lei – constitui igualmente ofensa à independência dos Poderes, insculpida no art. 2º da Constituição.
SOBRE A ASSISTÊNCIA ONCOLÓGICA NO SUS
Na área de Oncologia, o SUS é estruturado para atender de uma forma integral e integrada os pacientes que necessitam de tratamento de neoplasia maligna. Atualmente, a Rede de Atenção Oncológica está formada por estabelecimentos de saúde habilitados como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) ou como Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON). Os hospitais habilitados como UNACON ou CACON devem oferecer assistência especializada ao paciente com câncer, atuando no diagnóstico e tratamento. Essa assistência abrange sete modalidades integradas:
diagnóstico, cirurgia oncológica, radioterapia, quimioterapia (oncologia clínica, hematologia e oncologia pediátrica), medidas de suporte, reabilitação e cuidados paliativos. O tratamento escolhido dependerá de fatores específicos de cada caso, tais como: localização, tipo celular, grau de diferenciação e extensão do tumor, os tratamentos já realizados, finalidade terapêutica e as condições clínicas do doente.
Quando para uso oncológico, o fornecimento de medicamentos não se dá por meio de programas de medicamentos do SUS, como o da farmácia básica e o do componente especializado da assistência farmacêutica. Para esse uso, eles são informados como procedimentos quimioterápicos no sub-sistema APAC (autorização de procedimentos de alta complexidade), do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA-SUS); devem ser fornecidos pelo estabelecimento de saúde credenciado no SUS e habilitado em Oncologia; e são ressarcidos conforme o código da APAC, pela respectiva Secretaria de Saúde gestora, que repassa o recurso para o estabelecimento.
É importante ainda lembrar que, excetuando-se a talidomida para o tratamento do mieloma múltiplo; do mesilato de imatinibe para a quimioterapia do tumor do estroma gastrointestinal (GIST), da leucemia mieloide crônica e da leucemia aguda cromossoma Philadelphia positivo e do trastuzumabe para a quimioterapia do carcinoma de mama inicial e locorregionalmente avançado, o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde não padronizam nem fornecem medicamentos antineoplásicos diretamente aos hospitais ou aos usuários do SUS. Os procedimentos quimioterápicos da tabela do SUS não fazem referência a qualquer medicamento e são aplicáveis às situações clínicas específicas para as quais terapias antineoplásicas medicamentosas são indicadas. Ou seja, os hospitais credenciados no SUS e habilitados em Oncologia são os responsáveis pelo fornecimento de medicamentos oncológicos que eles, livremente, padronizam, adquirem e fornecem, cabendo-lhes codificar e registrar conforme o respectivo procedimento. Assim, a partir do momento em que um hospital é habilitado para prestar assistência oncológica pelo SUS, a responsabilidade pelo fornecimento do medicamento antineoplásico é desse hospital, seja ele público ou privado, com ou sem fins lucrativos.Ou seja, os estabelecimentos de saúde credenciados no SUS e habilitados em Oncologia são os responsáveis pelo fornecimento de medicamentos oncológicos que, livremente, padronizam, adquirem e prescrevem, não cabendo, de acordo com as normas de financiamento do SUS, a União e as Secretarias de Saúde arcarem com o custo administrativo de medicamentos oncológicos.
Ressalta-se ainda que sob nenhuma circunstância ou justificativa nenhum medicamento, seja de uso oral ou parenteral, pode ser fornecido diretamente in totum a doentes ou parentes. A guarda e aplicação de quimioterápicos são procedimentos de risco, para os doentes e profissionais, razão por que exige pessoal qualificado e experiente, sob supervisão médica, ambiente adequadamente construído e mobiliado para tal (a Farmácia Hospitalar e a Central de Quimioterapia) e procedimentos especificamente estabelecidos por normas operacionais e de segurança. A RDC Nº 220, de 21 de setembro de 2004, da ANVISA, é uma dessas regulamentações.
– DO (S) INSUMO / MEDICAMENTO (S) POSTULADO (S)
O Sistema Único de Saúde disponibiliza para o tratamento da doença da parte autora alternativas terapêuticas tão eficazes quanto a postulada neste processo.
O panitumumabe (Vectibix) é um medicamento antineoplásico introduzido recentemente na quimioterapia paliativa de certos subtipos de câncer de cólon e reto, que não apresentam mutação no gene kras, após falha a outros regimes terapêuticos. É indicado para o tratamento de pacientes adultos com câncer colorretal metastático RAS tipo selvagem (CCRm):
· Em primeira linha em combinação com FOLFOX (vide RESULTADOS DE EFICÁCIA – Eficácia clínica em combinação com quimioterapia);
· Em segunda linha em combinação com FOLFIRI para pacientes que receberam quimioterapia de primeira linha à base de fluoropirimidina (excluindo irinotecano);
· Como monoterapia após falha com regimes de quimioterapia contendo fluoropirimidina, oxaliplatina e irinotecano.
No que tange ao registro, informamos que de acordo com dados disponíveis na página eletrônica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, o medicamento Vectibix® objeto se encontra com registro vigente até 09/2018, apresenta preço registrado na CMED, bem como, possui apresentação na concentração do princípio ativo solicitado.
TRATAMENTO RECOMENDADO PELA CONITEC
Uso da terapia sistêmica para aumentar a ressecabilidade e melhorar o desfecho da ressecção.
Muitos médicos utilizam a quimioterapia pré-operatória para pacientes com metástases hepáticas ressecáveis ou irressecáveis. Enquanto a terapia sistêmica para pacientes com doença ressecável é denominada “neoadjuvante”, o termo “terapia de conversão” tem sido utilizado para se referir ao tratamento daqueles pacientes cujas metástases hepáticas são inicialmente consideradas irressecáveis. A quimioterapia moderna eficaz não somente diminui o volume de doença hepática, como também reduz o risco de recorrência a distância 27. Outro benefício do tratamento sistêmico pré-operatório é a identificação de pacientes cuja doença progride durante a quimioterapia e que, consequentemente, não terão benefício com a cirurgia. Por último, a resposta à quimioterapia pré-operatória pode guiar o tratamento sistêmico pós-operatório. O MD Anderson Câncer Center (Universidade do Texas, Estados Unidos) desenvolveu um algoritmo para o tratamento das metástases hepáticas do câncer colorretal que mostra o papel da quimioterapia nesse cenário clínico.
A tecnologia postulada é de ponta, extremamente cara e perfeitamente substituível pelos medicamentos fornecidos em condições de igualdade para toda a população, não se justificando, senão pelo conforto da parte autora, o estabelecimento de um privilégio semelhante ao obtido.
O deferimento de um tratamento diferenciado para a parte autora, de custo anual elevado, deferindo o que não é possível, nesse momento, deferir para todos os usuários do SUS em semelhantes condições, atenta contra o art. 7º IVda Lei 8.080/90 estabelecendo um privilégio, que viola não só o princípio da isonomia, como, em maior escala (efeito multiplicador) inviabiliza a universalidade e integralidade do SUS, diante do inarredável argumento da reserva do possível.
Não há um direito absoluto a toda e qualquer tecnologia disponível “no mercado”, porque em um sistema de saúde pública, fulcrado na “medicina com base nas evidências”, é poder-dever do Estado utilizar apenas e tão-somente as tecnologias comprovadamente seguras, eficientes e com uma relação custo-efetividade que recomende a sua incorporação ao SUS, de forma a estar disponível em condições de igualdade para toda a população.
A guarida constante e irrestrita a esse tipo de pretensão, por tratamentos não previstos nos protocolos do SUS, em condições de
igualdade para toda a população, consiste em um efeito potencial nefasto para a organização do sistema.
De outro lado, observa-se nos autos que a parte autora não fez prova de ter utilizado/esgotado as alternativas terapêuticas existentes no SUS para o tratamento de sua doença, ou se usadas não produziram o feito esperado. Não basta mero formulário preenchido pelo médico assistente da parte autora como prova, visto ser documento produzido unilateralmente e por profissional que está comprometido com o seu paciente, em detrimento do todo (Sistema Público de Saúde).
Percebe-se que, no que tange à situação específica dos autos, o medicamento postulado somente poderia ser exigido do requerido mediante a comprovação do fracasso terapêutico de outras drogas, fornecidas pelo SUS, ônus do qual o requerente não se desincumbiu.
Existindo, portanto, no âmbito do SUS, tratamento para a (s) doença (s) da parte autora, não pode o Sistema ser compelido a fornecer toda e qualquer outra escolha terapêutica, sob pena de inviabilização do Sistema.
Inclusive, a jurisprudência já sedimentou entendimento no sentido de que o paciente não tem direito a tratamento específico se o SUS oferece alternativa (RMS 28962 / MG). Nesse sentido, é o Enunciado nº 14, aprovado pela PLENÁRIA DA I JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, em 15.05.2014:
14 – Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.
SUBSIDIARIAMENTE ainda – POSSIBILIDADE DE O CUMPRIMENTO DE EVENTUAL DECISÃO SER DIRECIONADO AO ENTE QUE POSSUI MELHORES CONDIÇÕES DE CUMPRIMENTO – VISÃO SISTÊMICO-CONSTITUCIONAL DO SUS
a) Problemas da adoção de solidariedade geral e irrestrita no cumprimento de decisões judiciais – ofensa ao art. 7º, XIII, da Lei nº 8.080/90
Ainda que se admita que há solidariedade – e legitimidade – de todos os entes federativos no que toca ao fornecimento de prestações de saúde, é possível que se detalhe concretamente como se operará o cumprimento de eventual decisão judicial – antecipatória ou final – de modo a melhor atender à necessidade da parte e ao interesse público.
Isso porque o estabelecimento geral e irrestrito da solidariedade entre os entes públicos requeridos tem causado diversos problemas que desorganizam o sistema público de saúde, dentre eles:
· a possibilidade de uma inversão de hierarquia das prestações, havendo municípios condenados a caríssimos tratamentos oncológicos, e a União, por sua vez, a entregar fraldas geriátricas, por exemplo;
· a superposição de atuação de esferas federativas, o que aumenta ainda mais os custos e prejudica a eficiência no cumprimento das próprias decisões judiciais .
· a possibilidade, em tese, de cumprimento duplicado ou triplicado da mesma decisão judicial ;
· a eventual inércia do ente que possui a atribuição atinente (básica, especial ou estratégica, por exemplo), no aguardo de que outro ente cumpra a decisão primeiro .
De fato, além de contrariar a sistemática federativa do SUS prevista na Constituição, cujas normas seguem logo abaixo reproduzidas, o direcionamento concomitante de uma ordem de cumprimento de decisão judicial a vários entes federativos desorganiza o sistema, e propicia em tese a duplicidade de prestações, contrariando a norma do art. 7º, XIII, da Lei nº 8.080/90:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
(…)
XIII – organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.
Assim, ainda que se fixe e determine a solidariedade dos entes federativos na prestação geral da saúde, isso não impede que – para bem orientar e tornar célere e mais seguro o cumprimento de decisão concreta – o Juízo supere a mera aplicação da solidariedade civilista, aplicando as regras e princípios que orientam a prestação da saúde pública, especialmente o da subsidiariedade na repartição de competências constitucionais .
b) Por um modelo de cumprimento que seja adequado à pertinência temática do Ente Federativo em relação à prestação demandada
Analisando o arcabouço normativo que embasa o Sistema Único de Saúde, tem-se que a competência constitucional comum na prestação da saúde necessariamente se dá:
· em regime de cooperação (art. 23, parágrafo único),
· em rede regionalizada e hierarquizada (art. 198, caput),
· de forma descentralizada (art. 198, I),
· de forma integral, abrangendo da atenção básica aos procedimentos mais complexos (art. 198, II), e
· com a participação da comunidade, entendida aqui não apenas a participação de entidades municipais, mas igualmente estaduais e federais (art. 198, III).
Além desses, não se pode olvidar a igual incidência de outros princípios constitucionais de igual relevância, dentre eles a igualdade (art. 5º, caput), a eficiência (art. 37, caput) e a proporcionalidade.
No plano infraconstitucional, a Lei nº 8.880/90 igualmente estabelece as atribuições preponderantes de cada ente, especialmente nos artigos 2º, 7º, 15, 16, 17 e 18. Mais precisamente, a recente norma do art. 19-P da referida Lei, introduzida pela Lei nº 12.401/2011, refere que, na inexistência de protocolo clínico, sejam observadas as atribuições administrativas de cada ente.
Diante dessas normas o que se propugna é que, não obstante a solidariedade e legitimidade dos entes federativos, seja a obrigação específica de fornecimento de medicamentos (aquisição, armazenamento, dispensação, acompanhamento do paciente, restituição em caso de sobras) dirigida ao ente que tem maior aptidão para o seu cumprimento, com eventual ressarcimento posterior pelos demais, na via administrativa.
Para que se possa, então, verificar qual o ente que tem a atribuição concreta de fornecer determinada prestação, importa primeiramente saber se ela está prevista em algum protocolo clínico do SUS, ou lista de medicamentos dispensados. Em outras palavras, se a prestação tiver política pública já instituída, seja por meio de lei ou norma infralegal, caberá ao ente responsável pela sua execução o cumprimento de eventual decisão judicial.
De outra parte – e aqui talvez se situe a maior parte dos casos
–, se a prestação demandada não tiver política pública correspondente, caberá ao Judiciário estabelecer qual o ente a que tocará cumprir a obrigação específica, ainda que mediante eventual custeio de outro (s) ente (s).
Em relação aos critérios de fixação do ente responsável, ainda que não haja política pública instituída, é possível ter-se como balizamento as seguintes premissas:
Municípios (e DF)
– políticas públicas de âmbito local
– prestações de atendimento básico de saúde
– atendimento clínico (excluída alta complexidade)
– assistência farmacêutica básica1
Estados (e DF)
– políticas públicas de âmbito regional
– prestações de média e alta complexidade
– procedimentos cirúrgicos em geral
– assistência farmacêutica especializada2
União
– políticas públicas de âmbito nacional
– prestações de saúde pública expressamente selecionadas, em razão de sua complexidade
– assistência farmacêutica estratégica3
Tal sistemática vem ao encontro do disposto no art. 7º, XIII, da lei nº 8.080/90, o qual impõe como princípio a organização dos serviços do SUS de modo a que não se tenha duplicidade de prestações para a mesma finalidade:
1 Veja-se, por exemplo, o detalhamento dessa competência pela Portaria nº 1.555, de 30 de julho de 2013, do Gabinete do Ministro da Saúde, a qual dispõe sobre as normas de financiamento e de execução do Componente Básico da Assistência Farmacêutica.
2 Importa salientar que a atribuição administrativa pela dispensação do fármaco, neste caso, é do Estado, mas poderá haver, em várias hipóteses, a responsabilidade da União pela aquisição do medicamento ou seu financiamento, nos termos da Portaria nº 1.555, de 30 de julho de 2013, do Gabinete do Ministro da Saúde.
3 Neste aspecto, podem-se incluir a aquisição de vacinas e tratamento, tuberculose, hanseníase, malária, meningite, DST/Aids, Combate ao Tabagismo
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
(…)
XIII – organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.
Nesse sentido, confira-se o recente enunciado aprovado na I Jornada de Saúde do CNJ:
Enunciado nº 8 – Nas condenações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas, quando possível, as regras administrativas de repartição de competência entre os gestores.
Ocorre que, por um mero parâmetro geral, não é tarefa simples definir, por exemplo, se um determinado medicamento seria, caso fosse instituída política pública, de responsabilidade da União, do Estado ou do Município.
Veja-se que, via de regra, a seleção de determinado tratamento, bem como a sua forma de custeio e dispensação, passa por uma análise de critérios técnicos, econômicos e sociais, o que faz com que mesmo algumas prestações de atenção básica, que em tese ficariam a cargo do município, sejam levadas a cabo pela União .
Diante desse quadro, o mais indicado é, além do critério da aplicação dos princípios gerais do SUS, a utilização da analogia como meio de aferir quais as prestações públicas já instituídas, e sua similitude com aquelas que são postuladas em Juízo.
Nesse sentido, pode-se verificar, por exemplo, se há tratamento disponível no SUS para determinada patologia, e qual o ente que o presta. Caso seja determinado tratamento não padronizado para a mesma doença, poderá ser eventual cumprimento da decisão direcionado ao mesmo ente que já a trata, o qual, via de regra, disporá do aparelhamento administrativo necessário para melhor atender o paciente.
Assim, na ausência de previsão normativa expressa para determinada prestação, poderá o juiz intimar previamente os entes públicos demandados, para que, além de prestar informações gerais sobre o pedido da parte, referir a existência de políticas públicas para a patologia que
constitui a causa de pedir, elucidando, igualmente qual o ente que detém a atribuição administrativa. A propósito, é nesse caminho que aponta recente enunciado aprovado na I Jornada de Saúde do CNJ:
Enunciado nº 13 – Nas ações de saúde, que pleiteiam do poder público o fornecimento de medicamentos, produtos ou tratamentos, recomenda-se, sempre que possível, a prévia oitiva do gestor do Sistema Único de Saúde (SUS), com vistas a, inclusive, identificar solicitação prévia do requerente à Administração, competência do ente federado e alternativas terapêuticas.
De fato, o direcionamento do cumprimento de decisão judicial ao ente federativo que possui maior pertinência temática com a prestação de saúde demandada atende não só à racionalidade do sistema, mas especialmente ao melhor interesse do paciente. Isso porque, por exemplo, se a prestação for de saúde básica, a farmácia municipal ou posto de saúde
– já existentes e em funcionamento – poderão prestar atendimento mais próximo e adequado. Da mesma forma, caso se trate de medicamento de atenção especializada, por exemplo, a farmácia estadual terá profissionais e equipamentos suficientemente capazes de armazenar, distribuir e dispensar o fármaco pleiteado. Por fim, caso se trate de prestação de cunho estratégico, por certo que a União terá maiores condições administrativas de ultimar as medidas necessárias ao cumprimento da ordem judicial.
c) A questão da repartição do ônus financeiro da prestação que é objeto de condenação judicial – divisão “pro rata” e ressarcimento administrativo
A sistemática acima preconizada destina-se a orientar e direcionar o cumprimento de decisões judiciais envolvendo prestações de saúde ao ente que melhor tiver condições de atendê-las, o que não significa que eventualmente o ônus financeiro de tais prestações não possa ser repartido entre os demais.
Em realidade, a primeira medida que se impõe é priorizar o atendimento da ordem judicial, visto que não raras vezes se configuram situações de urgência com risco de morte, não havendo tempo hábil para ultimarem-se medidas administrativas de cunho econômico.
Entretanto, nada impede que, na mesma decisão que determina o fornecimento de eventual prestação de saúde, seja determinado que o custeio de tal prestação seja realizado posteriormente.
Caso haja política pública instituída no SUS, e se verifique tão somente um inadimplemento de eventual obrigação que é legal e normativamente atribuída a um ente, este poderá ressarcir-se dos demais nos mesmos moldes de custeio pactuados no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Por outro lado, quando não há política pública, deverão os custos serem repartidos pro rata, visto não haver uma pactuação prévia no âmbito do SUS. Nesse caso, o ente ao qual foi direcionado o cumprimento da decisão poderá exigir dos demais a sua cota, de modo a que sejam equanimemente repartidos os ônus financeiros do deferimento de medicamentos e procedimentos fora dos padrões do SUS.
Além disso, como medida de celeridade e economia processual, é altamente recomendável que eventual ressarcimento entre os entes demandados ocorra na via administrativa, cabendo ao ente credor apresentar a comprovação da aquisição do insumo e da sua dispensação aos demais entes, que deverão repassar os recursos que lhe couberem. A via judicial, nesse caso, fica sendo meramente subsidiária, na hipótese de inadimplemento.
Apenas a título de ilustração, o próprio TRF da 4ª Região tem consolidado esse modelo, como se vê nos seguintes arestos:
ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS.
É devido o ressarcimento das respectivas quotas pelos demais devedores solidários, após o adimplemento determinado em sede de antecipação dos efeitos da tutela em relação apenas a um.
Caso em que, postulada a prestação de tratamento de saúde em face dos três entes políticos, em tutela de urgência apenas a um foi atribuído o ônus financeiro, determinando-se em sentença o ressarcimento respectivo pelos demais.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 5056280-74.2012.404.7100/RS, Rel. MARGA INGE BARTH TESSLER, j. em 26/03/2014)
ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS OU TRATAMENTO MÉDICO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO DEMONSTRADA. REEMBOLSO. SENTENÇA. MANUTENÇÃO.
1. União, Estados e Municípios detêm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas ações onde postulado o fornecimento público de medicamentos ou tratamento médico.
(…)
5. A questão do reembolso dos custos para aquisição do fármaco é medida a ser solvida administrativamente, sem necessidade de intervenção judicial, como bem delimitado em sentença.
(APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5002985- 76.2013.404.7007/PR, FERNANDO QUADROS DA SILVA, j.
em 30/07/2014)
ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESSARCIMENTO ENTRE RÉUS. SOLIDARIEDADE. MEDIDA DE CUNHO ADMINISTRATIVO.
1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos.
2. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fornecidos por entes políticos, deve a parte autora comprovar a sua atual necessidade e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico no caso concreto.
3. Em ação de fornecimento de medicamentos, a repartição/ressarcimento dos valores da aquisição do medicamento entre União e o Estado, réus solidários, deverá ser procedida administrativamente, haja vista ser medida de cunho administrativo que não deve ser resolvido na esfera judicial, mas na executiva.
(APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5036880- 83.2012.404.7000/PR, Rel. LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, j. em 25/03/2014)
Por fim, há que se destacar a norma do art. 19-U da Lei nº 8.080/90, introduzida pela Lei nº 12.401/2011:
Art. 19-U. A responsabilidade financeira pelo fornecimento de medicamentos, produtos de interesse para a saúde ou procedimentos de que trata este Capítulo será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
Dessa forma, poderá se determinar o ressarcimento pela via administrativa pelos critérios já estabelecidos no SUS (se houver política
pública instituída) ou pro rata (se a prestação não for padronizada), sem prejuízo de eventual pactuação entre os entes federativos para a repartição financeira atinente ao cumprimento da ordem judicial.
– DAS CONTRACAUTELAS
Caso o pedido da Parte Autora seja deferido por este MM. Juízo, cautelas deverão ser adotadas, para que não se corra o risco do insumo continue sendo fornecido sem necessidade, seja em função da recuperação do paciente, de mudança na prescrição médica ou mesmo de seu falecimento.
Entre tais providências, estão:
· – a determinação para que a Parte Autora informe ao Juízo ou apresente receita médica atualizada ao ente público que ficar responsável pela entrega direta da medicação à parte autora, periodicamente (mensalmente, a cada 3 meses, ou como bem entender este Juízo), sob pena de suspensão do fornecimento após o descumprimento dessa obrigação;
· – a determinação para que a parte autora comunique imediatamente (dentro do prazo de 48 horas ou outro que Vossa Excelência entender) ao Juízo acerca da ocorrência de suspensão/interrupção do tratamento ou de morte do (a) paciente;
· – a determinação para que a parte autora devolva, no prazo de 48 horas, os medicamentos excedentes ou não utilizados, a contar da interrupção/suspensão do tratamento ou da morte;
· – a determinação para que a parte autora devolva, no prazo de 48 horas, o medicamento/complemento alimentar não utilizado por inadequação.
– ADOÇÃO DA DENOMINAÇÃO COMUM BRASILEIRA. POTENCIAL OFENSA AO ART. 3º DA LEI Nº 9.787/99
A Lei nº 9.787/99, ao estabelecer o medicamento genérico e dispor sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos, proibiu as aquisições de medicamentos e prescrições médicas, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, pelo nome comercial:
Art. 3º As aquisições de medicamentos, sob qualquer modalidade de compra, e as prescrições médicas e odontológicas de medicamentos, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, adotarão obrigatoriamente a Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI).
Diante dessa norma, é imperioso que qualquer decisão judicial que refira medicamentos a serem dispensados através do SUS façam referência exclusiva à denominação comum brasileira, evitando-se o uso de eventual marca.
Além disso só é admissível o fornecimento de medicamento pelo SUS nos casos em que a receita médica foi elaborada por profissional credenciado ao SUS, impondo-se que ela traga informações essenciais e imprescindíveis ao cumprimento da obrigação. Trata-se de condição necessária para a satisfação do comando judicial, conforme preconizado pelo Enunciado aprovado na 1ª Jornada de Saúde do CNJ:
ENUNCIADO N.º 15 As prescrições médicas devem consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância, posologia, modo de administração e período de tempo do tratamento e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante, a justificativa técnica.
A Recomendação n.º 31 do CNJ já trazia indicação nesse mesmo sentido:
RESOLVE:
I. Recomendar aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais que:
(…)
b.1) procurem instruir as ações, tanto quanto possível, com relatórios médicos, com descrição da doença, inclusive CID, contendo prescrição de medicamentos, com denominação genérica ou princípio ativo, produtos, órteses, próteses e insumos em geral, com posologia exata;
Assim, somente pode ser deferido o pedido da parte demandante se a receita médica contiver, no mínimo:
– o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI);
– o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância;
– posologia;
– modo de administração;
– período de tempo do tratamento;
Trata-se de requisitos essenciais para o cumprimento da obrigação, a fim de que esta se dê nos limites específicos do efetivamente necessário ao beneficiário.
Uma ordem judicial calcada em relatório médico que não contenha tais requisitos pode acarretar risco à saúde do paciente/autor, dificuldades e morosidade no cumprimento da decisão, bem como riscos e prejuízos financeiros desnecessários à Administração, a partir da compra do medicamento errado, ou em quantidade demasiada, ou por um período que extrapola o previsto para o tratamento. Igualmente, tais situações contribuem, significativamente, para a ineficiência das iniciativas voltadas à celeridade dos procedimentos de compra e aquisição de medicamentos, bem como ao necessário controle dos estoques e da distribuição.
Pode-se dizer mais, inclusive, que a ausência de clareza da prescrição médica e, consequentemente, da decisão judicial é a porta de entrada para o estímulo à judicialização de massa e aos desvios e fraudes de toda ordem, muitas delas já constadas em operações policiais recentemente deflagradas.
– SUBSIDIARIAMENTE – em caso de procedência da demanda – Forma correta de arbitramento de honorários advocatícios
– causa de proveito econômico inestimável
O Código de Processo Civil de 1973 determinava as regras de arbitramento de honorários no seu art. 20, estabelecendo no § 4º que “nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções,
embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz”.
Analisando a redação do novo CPC, a primeira alteração que salta aos olhos é que foi elidida a possibilidade de arbitramento por apreciação equitativa do juiz tão somente pelo fato de ser demandada a Fazenda Pública, tendo-se fixado percentuais específicos para seu cálculo (art. 85, § 3º). Além disso, a nova lei não mais refere como base de cálculo apenas “condenação”, mas também o “proveito econômico”, conceito mais aberto e compreensivo, que abrange muitas situações em que não há, necessariamente, uma condenação pecuniária estrita.
No entanto, apesar dessa alteração, foi mantida no parágrafo 8º do artigo a previsão da possibilidade de fixação do valor dos honorários por apreciação equitativa para as causas de valor inestimável, acrescentando-se as hipóteses de proveito econômico irrisório ou valor da causa muito baixo:
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
Em que pesem as referidas inovações legislativas, o panorama normativo para as demandas de saúde permanece inalterado, como se demonstrará.
O primeiro ponto que se destaca é que, nos processos envolvendo o direito à saúde, não há uma condenação pecuniária específica, mas uma determinação de fornecimento de medicamentos, tratamentos ou outros insumos, prestações que não possuem um proveito econômico stricto sensu.
Veja-se que o conceito de ‘proveito econômico’ está intrinsecamente relacionado àquilo que se acresce ao patrimônio jurídico de determinado sujeito. Quando se pleiteia uma indenização, por exemplo, ou uma determinada prestação obrigacional, ou um vencimento de natureza salarial, ou mesmo um direito qualquer que possa ser economicamente avaliado, esse “direito” a ser judicialmente concretizado é suscetível de apropriação pela parte, integrando seu patrimônio jurídico, e podendo, por conta disso, ser mesmo suscetível de transmissão por sucessão.
Digamos que a parte venha a falecer no curso do processo, antes do trânsito em julgado de demanda em que tenha pleiteado
indenização por dano moral. Por certo que uma futura execução poderá ser movida pelos seus sucessores, uma vez que na demanda restou incorporado o direito vindicado ao patrimônio econômico da parte. Nas demandas de saúde, por outro lado, ainda que se julgue devida determinada prestação de saúde (a concessão de um medicamento, por exemplo), caso a parte venha a falecer no curso do processo o seu espólio jamais poderá pleiteá-la, pois ela nunca não integrou o patrimônio econômico da parte falecida.
Isso porque, no que diz respeito a prestações de saúde, seu conteúdo está relacionado à proteção, promoção e sua recuperação, dentro do contexto de acesso universal e igualitário, aqui compreendido em sentido geral, conforme previsão do artigo 196 da CRFB em relação saúde pública. Os pedidos, como visto, envolvem não apenas a mera concessão de medicamentos ou a realização de tratamentos, mas ao fim e ao cabo a obtenção de prestação que possa atender à remissão da doença ou agravo à saúde que é descrita na causa de pedir.
Em última análise, o que se pleiteia em face do Estado não são determinadas obrigações pecuniárias stricto sensu, mas prestações suficientes à manutenção da saúde, na exata medida da necessidade que a hipótese fática levada a Juízo demanda, sendo típicas obrigações de fazer, sem conteúdo econômico. Por conta disso, os valores despendidos nos tratamentos ou nos medicamentos em si pleiteados não se incorporam ao patrimônio do seu requerente. São vinculados a determinado fim e indisponíveis. Prova disso é que a parte, ao mesmo tempo em que tem o direito a buscar prestações de saúde em face do Estado, tem a obrigação de restituir aquilo que não foi estritamente utilizado para o seu tratamento4.
Dito de outra forma, as prestações relacionadas ao direito à saúde não têm caráter remuneratório (devidas em razão de algum serviço ou uso de bem), compensatório ou indenizatório (reparação ou indenização
4 Veja-se, por oportuno, o seguinte trecho de ementa do E. STJ: “O objeto do presente feito é o fornecimento de medicamento, tendo em conta a situação pessoal e específica da impetrante. Trata-se, portanto, de ação de cunho personalíssimo, a ser exercida pelo seu próprio titular, e intransmissível. De modo que devem ser devolvidos eventuais medicamentos não utilizados pela parte autora” (REsp 1436198/RN – 2ª T. – Relator Min. Herman Benjamin – DJe 19/03/2014). No mesmo sentido, assim já decidiu o E. TRF4: “Permanece a obrigação do autor em devolver os medicamentos que eventualmente restaram do tratamento, eis que foram custeados pelo erário. Caso verificada a existência de medicação excedente no Hospital, ou em posse do autor, esta deve ser devolvida a União, salvo comprovada inexistência de excedentes” (TRF4, AC 5007431-50.2012.404.7204, Quarta Turma, Rel. Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 21/05/2015).
por prejuízos). A saúde, nesse particular, é um direito humano fundamental e sua prestação uma obrigação de fazer de direito público, assim, de inestimável valor econômico. O Estado é obrigado ao seu atendimento na medida estrita da necessidade, não se incorporando ao patrimônio da parte aquilo que pleiteia em juízo.
Portanto, descabe a fixação da verba honorária em eventuais percentuais sobre o valor da causa ou da prestação vindicada, não sendo aplicável o art. 85, § 3º, do NCPC, devendo ser arbitrado o valor equitativamente (art. 85, § 8º).
Tal entendimento, além disso, privilegia a isonomia, uma vez que, se o sistema de saúde pública não pode fazer distinções entre pacientes (não há doentes mais ou menos importantes), não se podem distinguir processos em relação à fixação da sucumbência, uma vez que em todos eles, invariavelmente, discute-se o mesmo bem jurídico: a saúde e a vida. Por certo, a distinção que se pode fazer é em relação ao trabalho jurídico do advogado em si, considerando os ditames do art. 85, § 2º, o que pode propiciar sucumbências fixadas em valores diversos em cada processo, de acordo com os critérios postos na norma.
Em outras palavras, em se tratando de pleitos de saúde pública, não é cabível considerar que o advogado que patrocina demanda em que o paciente pleiteie tratamentos mais caros seja melhor remunerado do que outro que pleiteie aqueles menos onerosos, já que, em tese, a “natureza e importância da causa” (art. 85, § 2º, III) são necessariamente as mesmas. Mais do que isso, evita-se que sejam pleiteados tratamentos mais caros em face do Erário, em detrimento de outros análogos de igual eficácia e menor valor, como meio de majorar valores de sucumbência.
Em síntese, não obstante as alterações que o NCPC promoveu sobre o regime de fixação de sucumbência em face da Fazenda Pública, não houve alteração substancial no que diz respeito às demandas de saúde. Assim, sendo inestimável o proveito econômico da parte, ante as características precípuas do direito à saúde, devem-se arbitrar os honorários advocatícios por apreciação equitativa, na forma do art. 85, § 8º, do NCPC.
3 – DOS PEDIDOS
ISSO POSTO, a União requer:
a) A improcedência da demanda, pelos motivos expostos;
b) Subsidiariamente, em caso de parcial procedência:
sejam fixadas medidas de contracautela para o cumprimento da decisão, tais como:
– aquisição, armazenamento e dispensação a serem realizadas por instituição pública ou privada de saúde, vinculada ao SUS;
– dispensação periódica e fracionada, condicionada à apresentação de laudo médico atualizado, a cada período não superior a três meses; e
– estabelecimento de obrigação de devolução de medicamentos ao órgão em que foram retirados, em caso de cessação da necessidade, com cominação de penalidade.
No caso de pluralidade de entes federativos no polo passivo da demanda, seja o cumprimento da decisão (aquisição, armazenamento, dispensação, acompanhamento do paciente, restituição em caso de sobras) dirigido ao ente que possui maior pertinência temática, no caso o Estado, facultado eventual ressarcimento exclusivamente pela via administrativa, segundo os critérios de repartição financeira do SUS, pro rata, nos termos expostos.
Nesses termos, Pede deferimento.
Curitiba, data do evento.
José Augusto Panka Advogado da União
Fonte: https://endireito-cienciasjuridicas.jusbrasil.com.br