webinário debateu efetividade das leis de igualdade de gênero — PFDC

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Direitos do Cidadão

7 de Agosto de 2025 às 18h8

Agosto Lilás: webinário debateu efetividade das leis de igualdade de gênero

Evento promovido pela PFDC reuniu representantes do sistema de justiça, do governo federal e de movimentos sociais

ilustração com fundo roxo em degradê, com silhuetas de pessoas com as mãos levantadas e o nome do seminário à frente


Arte: Comunicação/MPF

“O compromisso mais importante desse trabalho, dessa atividade do nosso grupo, é fazer com que essas vozes ressoem contra todo e qualquer resquício do patriarcado ainda presente na sociedade. Vozes que reafirmem a igualdade de gênero, que promovam os direitos humanos e que apontem caminhos para reverter os gravíssimos índices de violência doméstica e feminicídio ainda existentes no país.”

Com essas palavras, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, abriu, nesta quarta-feira (6), o webinário “Vozes que Ecoam na Efetividade das Leis que Visam a Igualdade de Gênero”. O evento integra as ações do Agosto Lilás, campanha de conscientização sobre a violência contra as mulheres. Promovido pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), por meio do seu Grupo de Trabalho Igualdade de Gênero, o encontro reuniu representantes do sistema de justiça, do governo federal e de movimentos sociais.

Os participantes debateram os desafios da implementação de legislações fundamentais no combate à violência de gênero, como a Lei Maria da Penha – que completa 19 anos em 2025 – e a Lei do Minuto Seguinte. Também foram abordadas as dificuldades na fiscalização da aplicação dessas normas e o acolhimento adequado às vítimas, além da crescente preocupação com a violência política de gênero. A mediação do webinário foi conduzida pelas procuradoras regionais da República Priscila Schreiner e Analucia Hartmann, ambas integrantes do GT Igualdade de Gênero da PFDC.

A subprocuradora-geral da República aposentada Ela Wiecko compartilhou sua trajetória de duas décadas na construção, aplicação e avaliação da Lei Maria da Penha e fez uma reflexão crítica sobre seus avanços e limitações. “A Lei Maria da Penha vem, sim, cumprindo seus objetivos, como instrumento de coibição e prevenção da violência doméstica e familiar e de proteção às mulheres. Mas isso não significa que as violências de gênero não continuem ou mesmo aumentem. Estamos diante de um contexto em constante transformação, com novos desafios, como a violência digital e a negligência institucional do próprio Estado”, afirmou Wiecko.

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Ela destacou ainda os entraves estruturais que persistem na efetivação da norma, como a ausência de uma política pública contínua e a insuficiência de equipamentos de atendimento especializado, sobretudo nas regiões mais vulneráveis do país. Para Wiecko, a Lei Maria da Penha ainda é muitas vezes interpretada a partir de uma lógica punitivista, quando seu objetivo original era sobretudo protetivo, não centrado na criação de novos tipos penais. “A proposta era muito mais ampla: uma política pública intersetorial e de proteção às mulheres”, pontuou.

Wiecko também falou sobre a ausência de uma abordagem mais ampla da violência de gênero em outras esferas sociais, como o ambiente de trabalho, o espaço comunitário e as relações com o Estado. Nesse sentido, ressaltou a necessidade de educação em direitos humanos, de formação contínua de operadores do sistema de justiça e da criação de varas com competência híbrida (cível e penal) para julgar casos de violência doméstica de forma integral.

Números oficiais – Durante o evento, foram citados dados recentes divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os números revelam que o número de estupros segue crescendo no país, atingindo majoritariamente meninas negras, muitas delas em idade escolar e vítimas dentro da própria casa.

Em 2024, foram registradas mais de 87 mil vítimas de estupro no Brasil — o maior número já documentado. Desse total, 76% eram crianças e adolescentes com menos de 14 anos, caracterizando estupro de vulnerável. Segundo o Anuário da Violência, 87% das vítimas eram do sexo feminino e 55,6% eram negras. Além disso, 65,7% das ocorrências aconteceram dentro de casa, sendo os principais autores familiares (45%) ou parceiros/ex-parceiros (20%).

O procurador regional da República Pedro Antonio de Oliveira Machado, integrante do Grupo de Trabalho Igualdade de Gênero, destacou a gravidade dos dados “É um cenário trágico. A residência, que deveria ser um espaço de proteção, é o principal palco da violência. Quando falamos de crianças, isso se torna ainda mais grave, pois quem deveria protegê-las é justamente o agressor. A criança não tem ninguém por ela”, avaliou.

Pedro Machado também alertou para a dimensão digital da violência sexual contra crianças. Em 2024, o Brasil foi um dos países que mais denunciaram abuso infantil online, com 50 mil páginas denunciadas e 33,5 mil removidas.

O procurador também enfatizou a importância da Lei nº 12.845/2013, a chamada Lei do Minuto Seguinte, que garante atendimento emergencial e humanizado às vítimas de violência sexual, sem necessidade de boletim de ocorrência. Ele reafirmou que a exigência de B.O. para atendimento médico é ilegal. “A decisão de registrar ou não a ocorrência deve ser da própria vítima. A rede de saúde não pode negar atendimento. O cumprimento da lei é uma obrigação constitucional”, finalizou Pedro Machado.

Ambiente de trabalho – A juíza auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Wanessa Mendes de Araújo, trouxe uma perspectiva essencial ao debate: a violência doméstica não fica confinada à vida privada — ela invade o ambiente de trabalho. Citou dados do Instituto Maria da Penha: 76% das vítimas relatam que a violência doméstica impacta diretamente sua vida profissional, prejudicando a concentração, gerando absenteísmo e, por vezes, resultando em demissão — um efeito que reflete as desigualdades raciais e de gênero no trabalho.

Ela também alertou sobre a subnotificação da violência contra mulheres no Judiciário, especialmente contra magistradas e servidoras, e defendeu que o ambiente institucional se torne um espaço de apoio e não mais de opressão.

Mulheres indígenas – A diretora-executiva da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), Jozileia Kaingang, falou sobre a necessidade de políticas públicas que considerem as especificidades culturais, sociais e territoriais das mulheres indígenas.

“Reconhecemos a Lei Maria da Penha como um instrumento importante, mas temos especificidades que ainda não são contempladas. Muitas mulheres vivem em territórios distantes ou em contextos urbanos de grande vulnerabilidade, enfrentando barreiras não linguísticas, mas estruturais, como o racismo institucional”, ressaltou.

Jozileia destacou o esforço da Anmiga por políticas mais humanizadas e acessíveis. Mencionou o Projeto de Lei 4.038/2023, que prevê protocolos específicos de atendimento às vítimas indígenas. “As mulheres já chegam fragilizadas aos serviços públicos e, muitas vezes, são revitimizadas. Precisamos de protocolos que respeitem nossa cultura e garantam acolhimento digno”, destacou a diretora.

Atendimento às vítimas – A representante do Ministério da Saúde, Renata de Souza Reis, trouxe um enfoque voltado para o cuidado das mulheres, destacando os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde na identificação e no manejo da violência. Ela ressaltou o papel fundamental do Sistema Único de Saúde (SUS) e da atenção primária na identificação precoce e acolhimento das mulheres, lembrando que a “notificação é compulsória e sigilosa, e retira o evento da violência do âmbito privado para o da saúde pública”.

Também destacou avanços importantes, como a implementação da Sala Lilás — um processo de trabalho com foco no acolhimento humanizado — e o lançamento do Guia Prático para o Cuidado das Mulheres em Situação de Violência, que orienta os profissionais sobre como perguntar, identificar e encaminhar essas mulheres. Segundo ela, “intervenções na atenção primária têm mostrado aumento significativo, de até 75%, nas notificações quando há qualificação das equipes para esse cuidado”.

Outra representante do Ministério da Saúde, Letícia Cardoso, enfatizou a importância dos sistemas de informação da pasta, que têm possibilitado a coleta de dados fundamentais para entender a magnitude e a dinâmica dessa violência, mesmo diante da subnotificação histórica.

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Fonte MPF