Cooperação Internacional
27 de Agosto de 2025 às 18h33
Violência familiar impede volta imediata de crianças ao país de residência habitual, decide STF
Ao seguir posição do MPF, Corte validou que retorno rápido ao país de origem pode ser excepcionalizado em caso de agressões à mãe
Foto: Leobark Rodrigues/MPF
A Convenção da Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças – que estabelece o retorno rápido de crianças e adolescentes retirados de forma irregular de seu país de residência habitual – é compatível com a Constituição brasileira. A repatriação imediata do menor prevista na norma pode ser indeferida, no entanto, em situações de risco ou de violência, mesmo que as agressões não sejam direcionadas diretamente à criança, mas à mãe ou a outro membro do núcleo familiar restrito. Foi o que decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (27), no julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionavam a convenção.
A posição segue entendimento defendido pelo Ministério Público Federal (MPF). Pela decisão, para que o retorno seja negado, deve haver indícios objetivos e concretos da situação de violência. O Supremo reconhece, porém, as dificuldades de se comprovar o quadro, sobretudo quando as agressões ocorrem no exterior. Por isso, as autoridades brasileiras devem adotar a perspectiva de gênero na análise dos casos, com maior peso à palavra das vítimas, reconhecimento das desigualdades estruturais que pesam sobre as mulheres e dos obstáculos por elas enfrentados quando decidem denunciar abusos. A análise adequada dos processos, com contraditório e ampla defesa, pode evitar o regresso de crianças e jovens para situações de risco. Juízes brasileiros devem considerar ainda o nível de segurança e de proteção garantido a mulheres e crianças no país para onde o menor poderá voltar.
Aprovada em 1980, a Convenção da Haia estabelece os procedimentos de cooperação internacional voltados para repatriar crianças e jovens menores de 16 anos levados para outro país pelo pai ou pela mãe sem autorização ou de forma ilegal, com o objetivo de impedir a convivência familiar, o direito de visita ou exercício da guarda. A convenção passou a valer no Brasil com a publicação do Decreto n.º 3413, de 2000. A convenção determina que, se a transferência tiver ocorrido há menos de um ano, a autoridade deve determinar o retorno imediato do menor ao país de residência habitual (art.12). Ajuizadas por partidos políticos, as ações alegavam que a medida poderia devolver crianças e jovens brasileiros a situações de violência familiar no exterior.
O MPF defendeu a validade da convenção, ao enfatizar que a norma facilita o acesso à Justiça e acelera a resolução de casos muitas vezes complicados, que envolvem mais a jurisdição de um país. Lembrou também que o próprio texto estabelece as exceções para a regra de retorno imediato do menor (art. 13). A volta pode ser negada se houver risco grave de a criança ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer outro modo, retornar para uma situação intolerável. Além disso, a repatriação só ocorre depois de procedimento administrativo ou judicial em que há espaço para ampla defesa e contraditório. A previsão assegura o devido processo legal, os direitos humanos e o melhor interesse de crianças e jovens.
No intuito de proteger mães e crianças que saem do país de residência habitual com o objetivo de escapar de abusos, o MPF sugeriu a ampliação da interpretação do art. 13 para incluir nas exceções de retorno imediato os casos em que as agressões são dirigidas à mãe ou a outro integrante do núcleo familiar restrito. Na visão do MPF, a prova de violência familiar inviabiliza a volta imediata ou a adoção de medidas de urgência, ainda que a criança não seja o alvo direto das agressões.
A decisão do Supremo acatou esse posicionamento e reconheceu que a agressão dirigida à mãe é, por si só, um abuso contra a criança. A eventual repatriação deve observar sempre o melhor interesse do menor, ao passo que os processos judiciais ou administrativos adotados no Brasil não podem significar revitimização.
O STF determinou a tramitação preferencial das ações que tratam do tema no Judiciário brasileiro, com a adoção de uma série de medidas para facilitar e agilizar a análise dos casos. O Poder Executivo deverá estabelecer providências para fortalecer a autoridade central responsável pelos procedimentos administrativos. Também terá de elaborar, em prazo de seis meses, protocolo específico para atender mulheres e crianças vítimas de violência doméstica no exterior, a ser adotado por todas as embaixadas do Brasil no Exterior.
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Fonte MPF