uma reflexão sobre as ameaças globais aos direitos LGBTQIA+ — Procuradoria da República no Rio de Janeiro

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Geral

12 de Agosto de 2025 às 12h55

“O direito de ser diferente”: uma reflexão sobre as ameaças globais aos direitos LGBTQIA+

Em palestra no Memorial da PR/RJ, jurista Kendall Thomas e procurador Sergio Suiama defendem a importância de celebrar a diversidade como resposta à onda global de retrocessos

Dois homens estão sentados em cadeiras de escritório, conversando com microfones em mãos, em um ambiente interno de paredes claras e carpete azul. O homem à esquerda veste terno cinza, camisa branca e está com as pernas cruzadas, segurando um bloco de anotações. O homem à direita, identificado como o professor Kendall Thomas, usa terno azul e camisa branca, e segura folhas de papel. Entre eles há duas mesas redondas baixas com garrafas e copos de água, além de um copo descartável com café. Ao fundo, há um quadro branco e uma persiana cinza.


Professor Kendall Thomas: avanços e retrocessos nos direitos LGBTQIA+. Crédito: Ascom/PR-RJ

“Eu sou porque nós somos.” Foi com esse ensinamento africano — o princípio de Ubuntu — que o professor Kendall Thomas, da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia (EUA), deu o tom poético e profundamente político à palestra realizada nesta quarta-feira (6), no auditório do Memorial da Procuradoria da República no Rio de Janeiro. O evento, promovido pelo MPF no âmbito da exposição “Cores, corpos e direitos: a arte da resistência LGBTQIA+”, transformou-se em um espaço de reflexão sobre as ameaças globais aos direitos das minorias e sobre o papel da cultura, do direito e da solidariedade na construção de um mundo mais justo.

Ao lado do procurador da República Sergio Gardenghi Suiama — anfitrião e um dos curadores da mostra —, Thomas destacou a urgência pelo que chamou de “the right to be different” (O direito de ser diferente), expressão que sintetizou o fio condutor de sua fala: a defesa contundente do direito à diferença, em um contexto mundial marcado por retrocessos civilizatórios.
“Há uma tentativa de redefinir o que significa ser cidadão e excluir grupos inteiros da esfera pública. É uma contrarrevolução cultural e legal”, alertou o jurista. Segundo ele, esse movimento conservador busca, por meio da lei e da religião, esvaziar conquistas históricas das mulheres, da população negra, das pessoas com deficiência e da comunidade LGBTQIA+.

O professor Kendall Thomas é um renomado especialista em direito constitucional comparado e direitos humanos, lecionando desde 1986 na Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, em Nova York. Sua atuação acadêmica abrange áreas como teoria crítica racial, filosofia do direito, teoria jurídica feminista e direito e sexualidade.

Direitos em risco: uma guerra cultural global

Kendall Thomas abordou as semelhanças entre Brasil e Estados Unidos em relação aos ataques à diversidade. “Trump e outros líderes autoritários promovem guerras culturais como forma de controle. O que estamos vivendo é uma chantagem política: condicionam recursos públicos à submissão a leis discriminatórias.”
Ele chamou atenção especial para a população trans, que considera o grupo mais vulnerável nesse cenário. “Nos Estados Unidos, há tentativas sistemáticas de apagamento legal das pessoas trans. Não se trata apenas de exclusão, mas de desumanização total”, alertou.

Para Thomas, há um esforço deliberado de criar um “pânico moral” – narrativa que pinta as pessoas LGBTQIA+ como ameaça à infância, à moral e à família. “É uma cortina de fumaça para esconder problemas reais, como a desigualdade social e os cortes na educação pública”, criticou.

Brasil e o silêncio legislativo

O procurador Sergio Suiama traçou um panorama da realidade brasileira. “Desde a Constituição de 1988, não houve a aprovação de nenhuma lei federal que garanta direitos à população LGBTQIA+. Todas as conquistas foram via Judiciário”, afirmou. Ele destacou a atuação do Supremo Tribunal Federal como Corte constitucional que reconhece os direitos de pessoas LGBTQIA+, mas alertou para o avanço de medidas conservadoras nos estados e conselhos profissionais, como a recente resolução do Conselho Federal de Medicina, que proíbe cuidados hormonais para adolescentes trans.
A palestra integrou a programação da exposição “Cores, corpos e direitos”, que celebra os 25 anos de atuação do MPF na defesa da população LGBTQIA+, retratando sua luta por cidadania, reconhecimento legal, saúde e educação inclusivas.

Ubuntu, pluralismo e a arte de contar histórias

Um dos momentos mais comoventes da fala de Thomas foi a evocação do juiz sul-africano Albie Sachs, sobrevivente do apartheid: “O direito de ser diferente é um dos mais fundamentais dos direitos humanos.” A diferença, segundo o jurista, não deve ser tolerada, mas celebrada.
Ele defendeu a noção de “pluralismo radical” — o reconhecimento da diversidade como valor e não como ameaça. “Lutar pela igualdade é lutar para sermos tratados com dignidade mesmo em nossa diferença. Isso exige não só argumentos legais, mas também culturais. É preciso construir narrativas comuns, histórias que nos liguem”, declarou.

Perguntas do público aprofundam o debate

Ao final da palestra, a participação do público trouxe novas camadas à discussão. A primeira pergunta veio de Beatriz Fernandes Roppa Cruz, que é trans e assessora no MPF, que questionou qual sistema jurídico — o Common Law (baseado em precedentes, como nos EUA) ou o Civil Law (baseado em códigos, como no Brasil) — favoreceria mais a aplicação dos direitos civis LGBTQIA+.

Thomas respondeu que nenhum sistema é, por si só, mais progressista ou justo. O que importa, disse ele, são os contextos políticos e culturais. “Em ambientes legislativos hostis, como um Congresso capturado por fundamentalismos religiosos, o Judiciário pode ser a única garantia. Isso é algo que vocês conhecem bem no Brasil.”

A segunda intervenção foi de Gabriela Fernandes Lima, que é lésbica e faz estágio na PR/RJ. Ela expressou preocupação com a apropriação do discurso religioso por figuras como Steve Bannon e grupos da extrema direita global, que usam a fé como ferramenta de opressão.
Kendall reforçou a importância das alianças políticas interseccionais. “Precisamos construir coalizões amplas. Há mulheres religiosas, por exemplo, que podem não apoiar o aborto, mas compartilham conosco o valor da dignidade humana. Podemos começar daí.”

Para ele, a chave está na empatia e na capacidade de dialogar. “A política identitária é essencial, mas ela precisa se abrir ao outro. Precisamos narrar um mundo possível, onde mesmo as diferenças sejam ponte, e não muro.”
Ao final, entre palmas e abraços, ficou ecoando no auditório a frase que deu título à palestra — e que resume toda a urgência de nosso tempo: O direito de ser diferente é o que nos faz, de fato, humanos.

Assessoria de Comunicação Social
Procuradoria da República no Rio de Janeiro
Atendimento à imprensa: (21) 3971-9570 
 

 

Fonte MPF