Comunidades Tradicionais
22 de Dezembro de 2025 às 16h50
Entre marés e estiagens: retireiros, pantaneiros e ilhéus convivem em harmonia com o delicado equilíbrio entre terra e água
Última reportagem da série sobre comunidades tradicionais mostra o cotidiano desses povos em seus territórios e as ameaças que os cercam

Arte: Comunicação/MPF
As águas sobem e descem, e no horizonte os olhares atentos acompanham a dança das marés e das chuvas. São as águas que ditam o ritmo da vida ali. São elas que dizem: “para tudo há o seu tempo”. Há o tempo de levar e trazer o gado, de plantar a roça e colher o sustento. Há o tempo de navegar e o tempo de esperar em terra firme.
No Centro-Oeste do Brasil, o Araguaia e o Pantanal são territórios moldados pela pulsação das cheias e vazantes. Neles vivem povos tradicionais cuja existência se equilibra e sobrevive nessa cadência. É assim que retireiros e pantaneiros mantêm há séculos seus modos de vida construídos em diálogo com a natureza. No entanto, além dos desafios do ambiente onde vivem, hoje enfrentam um dos momentos mais críticos de sua história, pressionados por um modelo de desenvolvimento que ameaça rios, nascentes, animais, florestas e culturas.
Já no sul do país, os ilhéus do Rio Paraná acompanham os ciclos do rio em um modo de vida coletivo e tradicional, e enfrentam desafios parecidos. O turismo predatório, conflitos por demarcação de terras e construções irregulares, degradação ambiental (assoreamento, seca, contaminação) e a luta por reconhecimento e direitos estão entre as formas de violação sofridas pelas comunidades.
A última reportagem da série especial do Ministério Público Federal (MPF) dá voz a esses povos, que há séculos protegem o que agora está em risco.

No território tradicional Mato Verdinho, às margens do Rio Araguaia, em Luciara (MT), a retireira Lidiane Taverny Sales descreve seu mundo como um organismo que respira junto com o rio. “Ser retireira é ter meu modo de vida diretamente influenciado pelo movimento das águas. É se organizar de acordo com as cheias e vazantes do Araguaia”, afirma a filha de retireiros e pesquisadora dedicada à defesa de seu território.
Os retireiros são assim chamados por viverem, na época da seca, nos tradicionais “retiros” — casas de madeira na base do Rio Araguaia, onde o território é moldado pelos varjões. Esses varjões são extensas áreas de pastagem natural que se adaptam ao pulso das águas: na cheia, são inundados pelo transbordamento do rio; na vazante, revelam o capim nativo que alimenta o gado criado solto, principal atividade da comunidade.
O sistema de vida retireiro é ancestral e sazonal. Criados “na larga” e soltos nos varjões que brotam quando a água baixa, o rebanho alimenta famílias e preserva campos naturais que funcionam como esponjas ecológicas. Não é preciso derrubar árvores ou queimar um toco sequer: os retireiros aprenderam a manejar o gado a partir do que o próprio ambiente oferece. No “inverno chuvoso”, retiram o gado das áreas alagadas; no “verão seco”, entre maio e novembro, o capim renasce e o gado volta a pastar livremente. “As cheias são aviso. As vazantes são recompensa. É uma dança que ensina paciência e respeito ao poder da natureza”, resume Lidiane.
Mas essa dança tem sido interrompida pela escalada de pressões externas: grilagem, assoreamento, sobrepesca, avanço da soja nas partes altas — justamente as áreas de retiro essenciais para realocar o gado na época da cheia.
A Comunidade de Retireiros de Luciara é formada por quase 100 famílias que há mais de um século criam gado solto nos varjões do Cerrado. Desde a década de 1960, quando incentivos fiscais impulsionaram o avanço do agronegócio sobre a região, esse território passou a ser disputado palmo a palmo. Vieram as cercas, os grileiros, os grupos armados que expulsaram famílias nos anos 1970 e, mais tarde, os peões enviados em nome de supostos proprietários.
Diante das ameaças, eles se organizaram: criaram a Associação dos Retireiros do Araguaia (ARA), defenderam seu território e propuseram, em 2006, a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mato Verdinho — reconhecida pelo relatório fundiário do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2009, que destinou 110 mil hectares para a unidade. A perspectiva de regularização intensificou o conflito: estradas bloqueadas, casas incendiadas, ameaças de morte e a tentativa de impedir a consulta pública de 2013 marcaram um dos momentos mais tensos da história local.
É nesse cenário que o Ministério Público Federal se tornou uma peça-chave para a proteção da comunidade. O procurador da República Guilherme Tavares explica que o MPF atua justamente onde o Estado falhou. “Nosso papel é evitar que a omissão estatal e as pressões econômicas provoquem a perda de territórios tradicionais”.
No caso dos retireiros, essa atuação inclui a proposta de uma ação civil pública contra a União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e, mais recentemente, o pedido de realização de uma audiência de conciliação estrutural. O pedido foi para que o Judiciário reúna a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), o Incra e a própria comunidade para definir a demarcação territorial e impedir que as pressões sobre a área continuem atacando direitos essenciais.
O procurador explica que a principal ameaça ao modo de vida retireiro é justamente a falta de definição territorial
“Enquanto o território não é regularizado, ele permanece vulnerável ao desmatamento, à grilagem e à exploração dos recursos naturais sem licenciamento. A indefinição estimula negociações privadas que colocam em risco o uso tradicional e a própria natureza da área”, afirmou Guilherme Tavares
Além disso, o MPF acompanha processos judiciais estaduais que tentam retirar a comunidade da área onde vive há gerações. Para isso, o MPF solicitou autorização para atuar também nessa esfera.
Para Tavares, compreender o saber tradicional é também parte do trabalho institucional. “O MPF aprende com esses povos. Aprende com sua resiliência, sua organização, sua estratégia política interna e externa para fazer valer direitos frequentemente desrespeitados. O conhecimento tradicional influencia diretamente nossas estratégias jurídicas”, explica.
Além da cerca e da violência fundiária, a comunidade sofre com o assoreamento do Araguaia, a sobrepesca e a pressão pela implantação da Hidrovia Araguaia–Tocantins, que prevê dragagem e derrocamento (remoção de rochas) dos rios para ampliar o escoamento hidroviário. E nessa esteira vai junto todo um ecossistema complexo e equilibrado.
Para o procurador, empreendimentos desse porte exigem rigor absoluto. Segundo ele, “cabe ao MPF zelar pelo cumprimento da legislação ambiental e fiscalizar estudos de impacto que mostrem como obras desse tipo afetam as comunidades tradicionais, estabelecendo medidas compensatórias e mitigadoras”.
Apesar dos desafios, a palavra que define a vida retireira continua sendo a resistência. As mulheres assumem papel crucial na transmissão de saberes, no artesanato, no bordado e na articulação política. É delas que vem uma parte significativa da força que mantém a comunidade de pé.
Nesse contexto, os olhos de Lidiane miram tanto para o presente quanto para o futuro. “Desejo que as próximas gerações possam continuar a ser retireiras, que não precisem ter medo da cheia por falta de lugar seguro, e que não precisem lutar contra a cerca para criar seu gado. Desejo a elas a paz e a liberdade do território comunal”
A fala é endossada pelo procurador Guilherme Tavares. Ele ressalta que garantir esse futuro depende de uma ação central. “A definição territorial é essencial para assegurar os modos de vida desses povos. Sem isso, todo o restante — saúde, educação, transporte, proteção ambiental — fica comprometido”, frisa.

No Pantanal, onde rios alagam e recolhem a maior planície úmida contínua do planeta, a pantaneira Leonidares Souza resume sua identidade à sensação de casa ao abrir a porta pela manhã.
“Ser pantaneira é poder levantar cedo, ouvir os pássaros, olhar o rio, sentir o vento diferente. É poder pescar, andar descalço, viver sem medo”, diz a moradora da comunidade Barão de São Lourenço, no coração pantaneiro.
Ela se reconhece como parte de uma longa linhagem, é a quarta ou quinta geração do povo indígena tradicional canoeiro. Mas a paisagem que moldou sua infância já não é a mesma.
“Nosso modo de vida mudou por completo. Os lugares por onde andávamos de canoa hoje estão secos ou entupidos. Locais de pesca e coleta não existem mais”, relata. “É uma mudança totalmente ruim para nós” , contou Leonidares Souza
No Pantanal, e em cidades como Corumbá e Ladário, em Mato Grosso do Sul, as especificidades geográficas multiplicam vulnerabilidades. Como observa a procuradora Aline Morais, ali “os rios são as estradas deles” e muitos trechos só são acessíveis por barco. Ela explica que a topografia e a dinâmica das águas definem modos de vida, padrões de mobilidade e formas de ocupação que diferem radicalmente das regiões rodoviárias do estado. Para a procuradora, essa condição torna as comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas particularmente expostas às intervenções que alteram o leito e as margens dos rios.
Além disso, as pressões econômicas — mineradoras em expansão, hidrovia e turismo predatório — transformam o cotidiano: córregos secados por extração, estradas de minério que entopem locais de pesca, pó de minério que contamina roupas, móveis e a saúde respiratória, e cercas erguidas até a beira d’água. Aline Morais relata casos em que trechos públicos foram invadidos e “fechados”, impedindo a coleta de isca e o uso tradicional dos lugares. De acordo com ela, as consequências vão da perda de subsistência à degradação ambiental e pode ser considerada uma forma clara de racismo ambiental, quando nada é feito para reduzir os danos às comunidades.
A própria lógica de grandes projetos cobra alto preço: “tanto a hidrovia quanto as mineradoras afetam diretamente as comunidades”, diz Aline Morais. Ela aponta impactos concretos em Porto Esperança e Antônio Maria Coelho, como poeira, poluição de córregos, fechamento de corixos (cursos d’água), estradas inacessíveis e sobrecarga de caminhões. Ela critica respostas institucionais muitas vezes paliativas.
No curto prazo, a procuradora enumera prioridades práticas: garantir acesso à água potável e à limpeza de sistemas de distribuição, reforçar atendimento de saúde por meio de Unidades Básicas de Saúde (UBSs) fluviais e ambulâncias, viabilizar educação de jovens e adultos nas localidades mais remotas e ampliar a presença do Estado com serviços regulares (votação, assistência, transporte). Para 2026, ela aponta metas claras: educação, instalação de seções eleitorais mais acessíveis e uma atuação integrada para que equipamentos públicos cheguem com frequência às comunidades.
O cenário se traduz no temor dos pantaneiros: o ciclo de cheia e vazante, um fundamento ecológico do Pantanal, tornou-se imprevisível. Perguntada sobre qual é a maior ameaça aos pantaneiros, Leonidares responde sem hesitar: “A diminuição da água. Quando a água diminui, desequilibra tudo: não tem peixe, não tem bicho, não tem água pros animais, nem pras plantações” .

No Rio Paraná, onde as águas se abrem em ilhas, várzeas e canais que mudam de forma conforme as cheias e as vazantes, vivem os ilhéus. São povos que também construíram sua identidade em íntima relação com o ritmo dos rios. Por décadas, famílias habitaram as ilhas, plantaram seu sustento, pescaram e moldaram uma forma de vida ancorada no vai e vém das águas. Antes da criação de unidades de conservação como o Parque Nacional e a Área de Proteção Ambiental (APA) da Ilha Grande, mais de dez mil famílias viviam nessas ilhas e erguiam ali suas casas, campos de cultivo e pontos de pesca. Hoje, muitos foram dispersos, mas permanecem ilhéus no modo de viver e na memória comunitária.
Reconhecidos como comunidade tradicional pela Lei estadual nº 17.425/2012, os ilhéus ainda enfrentam o desconhecimento — ou a ausência de reconhecimento — pela grande parte dos municípios paranaenses, o que dificulta seu acesso a políticas públicas essenciais e a participação nos espaços deliberativos locais.
Uma ferramenta decisiva nessa luta é o Protocolo de Consulta dos Ilhéus e Ribeirinhos do Rio Paraná, documento elaborado coletivamente por essas comunidades para fazer valer o direito constitucional à consulta prévia, livre e informada antes de qualquer medida, projeto ou política que possa afetar seus territórios e modos de vida. Esse direito está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O protocolo estabelece como, quando e quem deve ser consultado em processos que impactem as ilhas, assegurando que a voz dos ilhéus seja considerada conforme a lei e respeitando suas tradições, formas de organização social e decisões coletivas.
Esse instrumento, construído a partir de encontros e debates promovidos pelos próprios povos do rio, não só reforça o direito de serem ouvidos, como também garante que medidas legislativas ou administrativas que interfiram na vida das comunidades precedam um processo de consulta culturalmente adequado. É necessário definir as etapas, plano de consultas, reuniões informativas e instâncias de decisão que respeitem os tempos e os modos de organização comunitária.
Para o Ministério Público Federal, esse protocolo é estratégico. Além de apoiar formalmente o reconhecimento dos ilhéus como comunidade tradicional, o MPF tem incentivado a adoção do protocolo nos municípios. Já existem experiências de avanços: em Querência do Norte e São Pedro do Paraná, leis municipais foram aprovadas reconhecendo os ilhéus como comunidade tradicional, o que abre caminho para que outros municípios adotem medidas semelhantes.
A luta pelo reconhecimento, no entanto, não se restringe à burocracia. Ela se entrelaça à defesa do território e do modo de vida. “Os ilhéus foram expulsos de suas terras, impedidos de plantar o próprio sustento”, relatou uma liderança de Guaíra ao MPF, lembrando que a política de assistência social precisa ser diferenciada para comunidades que historicamente foram deslocadas e marginalizadas.
Essa reivindicação adquire ainda mais sentido diante de empreendimentos que ameaçam as margens do rio. No município de São Pedro do Paraná, por exemplo, o MPF ajuizou ação para anular a licença prévia para a construção de um resort de luxo em área de preservação permanente dentro da APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, apontando irregularidades que ignoraram a consulta às comunidades tradicionais afetadas, uma violação direta ao espírito do Protocolo de Consulta e ao direito à participação.

As falas de retireiros e pantaneiros encontram eco nas análises técnicas reunidas pelo MPF. O Rio Paraguai e seus afluentes passam por uma pressão sem precedentes.
A Hidrovia Paraguai–Paraná, planejada para permitir navegação permanente com dragagem e derrocamento de rochas em mais de 50 pontos críticos, é uma das maiores preocupações. Como alertou o MPF, “o aumento da velocidade de escoamento da água pode drenar o Pantanal”, comprometendo o ciclo de cheias que sustenta o bioma.
A instalação de hidrelétricas é outro vetor grave: já são 58 empreendimentos na Bacia do Alto Paraguai, com mais de 100 previstos para os próximos anos. Essas barragens fragmentam rios, retêm sedimentos e alteram pulsos naturais, interferindo diretamente nos ciclos ecológicos que mantêm a vida tradicional de povos como os de Leonidares e de Lidiane.
De acordo com o MapBiomas, entre 60% e 80% das nascentes do Pantanal já foram afetadas pelo desmatamento. E a expansão agrícola forma um “arco de degradação” que ameaça inclusive áreas ainda consideradas conservadas.
“Quando diminui a água, vai ficando tudo ruim. É um desenvolvimento para a morte”, resume Leonidares, referindo-se às intervenções que aceleram o escoamento dos rios e potencializam secas e desbarrancamentos.
Apesar das adversidades, retireiros, pantaneiros e ilhéus preservam tradições que mantêm vivos seus territórios. Em diferentes paisagens — nos varjões do Araguaia, na planície alagável do Pantanal ou nas ilhas e várzeas do Rio Paraná — esses povos compartilham um mesmo princípio: viver a partir do ritmo da natureza, sem exauri-la.
Leonidares sublinha a importância dos saberes que passam de geração em geração:
“plantar, colher, tirar da terra só o necessário. Remédios naturais, respeito ao ciclo. Isso não pode morrer de jeito nenhum”, afirma.
Lidiane acrescenta a isso a força das mulheres retireiras, guardiãs da memória e da continuidade do modo de

vida. “Nós, mulheres retireiras, somos guardiãs dos saberes. O bordado, o artesanato, a resistência. Somos ativistas na defesa do território”.
Entre os ilhéus do Paraná, essa resistência também se expressa na manutenção dos vínculos com o rio, mesmo após processos de expulsão e dispersão forçada. Ainda que afastados fisicamente das ilhas, muitos seguem se reconhecendo como ilhéus e reivindicam o direito de existir como povo tradicional, com voz própria e participação nas decisões que afetam suas águas e territórios.
Em comum, essas comunidades lembram que resistir tem preço. Leonidares, como liderança pantaneira, desabafa. “Nossa voz fica no eco. As pessoas falam da gente sem a gente. Falam, mas não fazem. E a comunidade permanece sofrendo”.
Entre os ilhéus, o sentimento é semelhante. Projetos, unidades de conservação e grandes empreendimentos avançam sobre as margens do rio sem que a consulta prévia seja respeitada, ignorando protocolos construídos coletivamente para garantir que nenhuma decisão seja tomada sem a escuta dos povos das águas.
No Paraná, o grito se manifesta no silêncio das ilhas esvaziadas, nas roças abandonadas à força, nas áreas de pesca interditadas e na luta por reconhecimento como comunidade tradicional, condição essencial para que a voz dos ilhéus volte a ser ouvida.

O Ministério Público Federal atua em diferentes frentes — judiciais, administrativas e de articulação institucional — para conter projetos que ameaçam o regime das águas e os modos de vida tradicionais. Da contestação à hidrovia à defesa de uma lei federal específica para o bioma, o órgão busca garantir que a preservação das águas ande junto com a proteção das comunidades que dependem delas.
Nesse sentido, o MPF tem buscado compatibilizar proteção ambiental e direitos das populações tradicionais por meio de múltiplas frentes: mediação com empresas e prefeituras, procedimentos administrativos, recomendações, termos de ajustamento e, quando necessário, ações judiciais. A procuradora da República Aline Morais destaca que a estratégia preferencial é o diálogo e a construção de soluções conjuntas, mas que, diante da inércia, a judicialização se faz imprescindível para garantir acesso a serviços básicos, como água, saúde, energia, e para evitar que as comunidades arquem com o custo da “modernização” ao redor delas.
Esse trabalho prático inclui medidas concretas: negociação para garantir o título ou o reconhecimento de uso comunitário, registros na matrícula do imóvel para proteger direitos, acordos que financiam infraestrutura mínima (escolas, postos de saúde, áreas de lazer) e ações para reduzir a poeira e a circulação de caminhões nas vias locais. A procuradora relata, por exemplo, iniciativas para que mineradoras financiem melhorias, e a exigência de procedimentos para molhar estradas e reduzir a poeira. No entanto, as medidas muitas vezes exigem reforço institucional porque não se sustentam sem fiscalização contínua.“A gente resolve um problema e nasce outro”, compartilha.
Aline também chama atenção para tensões menos óbvias: conflitos entre preservacionistas e comunidades tradicionais quando unidades de conservação ou reservas particulares de proteção ambiental são impostas sem efetiva escuta, restringindo usos tradicionais. Em áreas como a Barra de São Lourenço houve acordos intermediados pelo MPF exatamente para permitir o uso tradicional, mas persistem “zonas de instabilidade” provocadas por sobreposição de interesses — turismo, ONGs, projetos de conservação mal articulados — que podem empurrar as comunidades para fora de suas rotinas.
Para minimizar esses atritos, ela tem priorizado um eixo hábil: protagonismo comunitário. O MPF auxilia na elaboração de protocolos de consulta, na capacitação para que as comunidades conheçam e façam valer a Convenção 169 da OIT, e no incentivo ao uso de plataformas e laudos técnicos para que as vozes locais cheguem com peso às mesas de decisão. “Eles já estão mais politizados”, diz a procuradora,, referindo-se a lideranças que hoje cobram aplicação de protocolos de consulta e reivindicam participação vinculante nas decisões que impactam seus territórios.

“Cuidamos com carinho do nosso lugar. Só tiramos o que precisamos. Se o poder público nos apoiasse, o Pantanal continuaria vivendo do jeito que é. A gente sabe cuidar”.
Para eles — assim como para pantaneiros e retireiros — o futuro só é possível se o rio continuar sendo estrada, alimento, memória e casa.
No Araguaia, no Pantanal ou nas ilhas e várzeas do Rio Paraná, retireiros, pantaneiros e ilhéus repetem uma verdade simples: não existe bioma protegido sem as comunidades que o sustentam. São povos das águas, moldados pela cheia e pela vazante, sentinelas de territórios que aprendem a existir com o rio, e não apesar dele.
E enquanto houver quem escute o tempo das águas, a dança das chuvas e a sabedoria ancestral de quem nasceu entre rios, campos e ilhas, ainda haverá futuro possível.

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Fonte MPF



