Relatório nacional aponta graves violações de direitos humanos em comunidades terapêuticas — PFDC

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Direitos do Cidadão

13 de Novembro de 2025 às 16h50

Relatório nacional aponta graves violações de direitos humanos em comunidades terapêuticas

Documento é resultado de inspeção realizada pelo MPF e MPT em 2024 nas cinco regiões do país

Foto mostra 10 pessoas sentadas em mesa com formato em U. Ao fundo, uma tela grande que exibe uma apresentação.


Foto: Zeca Ribeiro/Secom MPF

A Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), e o Ministério Público do Trabalho (MPT) lançaram, nesta quinta-feira (13) o relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas. Divulgado durante reunião ordinária do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), o documento é resultado das inspeções realizadas entre os dias 25 de novembro e 9 de dezembro de 2024 em todas as cinco regiões do país. A ação teve como objetivo verificar as condições de acolhimento, o tratamento oferecido e o respeito aos direitos humanos nas instituições voltadas a pessoas com dependência de álcool e outras drogas.
 
Além do MPF e do MPT, participaram das inspeções, em alguns estados, representantes de órgãos parceiros, como Ministérios Públicos Estaduais, Defensorias Públicas, Conselhos Regionais de Psicologia e o Ministério do Trabalho e Emprego. O levantamento dá continuidade ao trabalho iniciado em 2017, quando relatório anterior, elaborado pela PFDC, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e pelo Conselho Federal de Psicologia, já havia apontado sérias violações nas instituições vistoriadas.

De acordo com os dados apurados, o novo relatório evidencia a permanência de práticas contrárias à legislação vigente, como internações involuntárias, isolamento de acolhidos e imposição de práticas religiosas, além de más condições de alojamento e denúncias de contenção física e química. Foram identificados casos de pessoas internadas contra a vontade, uso de isolamento como forma de punição e restrição à liberdade de locomoção, com unidades localizadas em áreas rurais afastadas, o que dificulta o contato com familiares e a reinserção social.

O Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas foi elaborado com base em questionários, entrevistas e análise documental realizados durante as visitas às instituições. O documento apresenta dados sobre o tratamento oferecido, a formação das equipes, a gestão e as condições estruturais dos centros terapêuticos. As conclusões servirão de subsídio para a formulação de recomendações e para orientar a atuação dos Ministérios Públicos na proteção dos direitos das pessoas acolhidas em comunidades terapêuticas.

Durante o lançamento, o procurador federal dos direitos do cidadão adjunto, Paulo Thadeu, ressaltou que o relatório “revela violações patentes de direitos fundamentais de pessoas em situação de vulnerabilidade”. Segundo ele, o documento já está servindo de base para a atuação de procuradores regionais dos direitos do cidadão em todo o país. “Espero que o relatório seja lido com atenção e sirva de instrumento para fortalecer a defesa dos direitos fundamentais dessas populações”, afirmou.

Regulação e recursos públicos –  Já a procuradora da República Marina Filgueira, coordenadora da Comissão de Saúde da PFDC, destacou a ausência de integração das comunidades terapêuticas aos sistemas públicos de saúde e assistência social. Segundo ela, as instituições “estão num limbo total, pois não pertencem ao Sistema Único de Saúde (SUS) nem ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), embora recebam crescentes volumes de financiamento público”.

A procuradora alertou que essa falta de enquadramento dificulta a fiscalização e o controle do uso dos recursos. “Há comunidades que recebem verbas da União, dos estados e de emendas parlamentares, enquanto outras funcionam apenas com recursos privados, cobrando valores altos de famílias que muitas vezes deixam seus parentes em condições precárias”, afirmou.

Filgueira também chamou atenção para o caráter asilar e manicomial de muitas unidades, que mantêm internos por longos períodos, sem garantir reinserção social ou acompanhamento adequado. “Essas pessoas acabam passando de uma comunidade para outra, sem retorno à vida familiar ou comunitária. É uma política pública que carece de avaliação de eficácia”, disse.

Aspectos trabalhistas – Ainda durante a reunião no CNDH, o procurador do Trabalho Luciano Aragão dos Santos destacou que a inspeção também revelou irregularidades trabalhistas nas comunidades, que impactam diretamente a saúde e a reinserção social dos acolhidos. Segundo ele, muitas instituições utilizam o chamado trabalho voluntário de forma indevida, transformando internos em mão de obra permanente após o término do tratamento, em troca de moradia e alimentação.

“É um desvirtuamento do trabalho voluntário, que prejudica o tratamento e perpetua a vulnerabilidade dessas pessoas”, afirmou. O procurador também apontou a ausência de equipes técnicas mínimas em várias unidades, o que compromete o atendimento e o propósito terapêutico dessas instituições.

Para ele, a realidade observada “cria um ecossistema de violação de direitos humanos” e exige uma resposta articulada do Estado. “O grande mérito do relatório é trazer luz a um problema que a sociedade não quer ver, envolvendo pessoas vulneráveis que muitas vezes são rejeitadas por suas próprias famílias. É preciso enfrentar essa situação com políticas públicas efetivas e interinstitucionais”, concluiu.

Conselheiros – Após a apresentação do relatório, Charlene Borges, presidente do CNDH, e os demais conselheiros presentes parabenizaram o  MPF e o MPT pelo trabalho realizado e chamaram atenção para as graves violações relatadas no documento. O conselheiro Carlos Nicodemos, representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), reforçou que o país enfrenta o desafio de como agir diante do que já se sabe. 

Nicodemos propôs que o relatório seja apresentado em audiência pública na Câmara dos Deputados, observando que a ausência de regulamentação e fiscalização configura “um verdadeiro limbo institucional”. Sugeriu também que o Tribunal de Contas da União (TCU) realize auditorias temáticas sobre a destinação de recursos a essas entidades. 

A conselheira Maria das Neves Sá, representante da União Brasileira de Mulheres (UBM), falou sobre a importância de uma atenção especial para a internação de mulheres e meninas, apontando a necessidade de dados com recorte de gênero e raça. Ela manifestou preocupação com a prática de internações compulsórias que revitimizam mulheres em situação de violência. 

Nesse contexto, Maria das Neves propôs, ainda, que o relatório seja encaminhado ao Ministério do Desenvolvimento Social, ao Ministério da Saúde, à Casa Civil, ao Conselho Nacional de Saúde e ao Conselho Nacional de Assistência Social, além de sugerir o envio à Frente Parlamentar de Saúde Mental, para a realização conjunta de audiência pública sobre o tema no Congresso Nacional.

Clique para acessar a íntegra do Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas

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Fonte MPF