Direitos do Cidadão
7 de Agosto de 2024 às 18h55
Política Nacional para Migração, Refúgio e Apatridia deve contemplar mecanismos para o exercício de direitos, defende MPF
Criação da política nacional foi discutida por Comissão Mista do Congresso Nacional e contou com a participação do MPF
Foto: Senado Federal
Como aprimorar os mecanismos de acolhimento e integração de imigrantes, refugiados e apátridas (indivíduos sem nenhuma nacionalidade reconhecida) à sociedade brasileira, para beneficiá-los, enriquecer o país como um todo, cultural e economicamente, e evitar crimes como tráfico de pessoas? Com o objetivo de discutir esse tema e falar sobre a criação da Política Nacional para Migração, Refúgio e Apatridia, a Comissão Mista Permanente Sobre Migrações Internacionais e Refugiados do Congresso Nacional realizou audiência pública nessa terça-feira (6), em Brasília.
No debate, o coordenador do Grupo de Trabalho “Migração, Refúgio e Tráfico de Pessoas” da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), procurador regional da República André de Carvalho Ramos, lembrou que boa parte dessas pessoas enfrentam dificuldades como xenofobia, discriminação, dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e a políticas públicas de saúde, educação e moradia. Ainda mais difícil é a situação de quem chega e permanece no país sem documentos. Para ele, a migração indocumentada é um dos grandes desafios a serem enfrentados pela política nacional e pelas ações dela decorrentes. “Uma das principais estratégias de denegação de direitos é a invisibilidade”, explicou.
Para o procurador regional, ao contemplar mecanismos para o exercício de direitos por uma comunidade ainda invisibilizada e excluída, a política nacional pode resultar na ampliação da segurança jurídica e em ganhos para toda a cadeia econômica brasileira. É essencial, também, assegurar o orçamento para implantação de redes de atendimento e apoio a imigrantes, refugiados e apátridas, com produção de dados e relatórios capazes de orientar de forma adequada a ação governamental. A integração entre os diversos entes federativos, sob a coordenação do governo federal, para atuação na temática foi outro ponto lembrado pelo procurador regional.
A criação da Política Nacional para Migração, Refúgio e Apatridia está prevista no art. 120 da Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração). O documento deverá coordenar e articular ações setoriais a serem implementadas pelo Poder Executivo federal em regime de cooperação com os estados, Distrito Federal e municípios, com participação de organizações da sociedade civil, organismos internacionais e entidades privadas, para atendimentos a imigrantes, refugiados e apátridas. Apesar de a política estar estabelecida na lei desde 2017, apenas no início de 2023 o Ministério da Justiça e Segurança Pública instituiu grupo de trabalho para discutir o documento, que deverá ser formalizado por decreto presidencial.
Combate ao tráfico de pessoas – Já o procurador da República Guilherme Rocha Gopfert, coordenador adjunto do Grupo de Trabalho “Migração, Refúgio e Tráfico de Pessoas”, que atua em Guarulhos (SP), citou algumas das situações vivenciadas no aeroporto diante de recentes crises migratórias e humanitárias, como no caso da chegada de centenas de afegãos sem documento. E chamou a atenção para um outro aspecto da questão: os casos de possível contrabando de imigrantes e tráfico de pessoas. Dados mostram um aumento expressivo nas solicitações de refúgio registradas pela Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos, que concentra 90% dos passageiros de voos internacionais no país. Em 2020, foram 256 pedidos; em 2021, 1.486. O ano de 2022 contabilizou 2.760 pedidos de refúgio, enquanto em 2023 foram 4.239 solicitações. “Em 2024, já ultrapassamos as 10 mil solicitações de refúgio registradas em Guarulhos”, afirmou o procurador.
De acordo com ele, o quadro indica um possível uso do instituto do refúgio pelas quadrilhas internacionais de tráfico de pessoas e imigração ilegal. Investigações recentes mostraram que grupos criminosos que transportam pessoas de locais como o Sudeste Asiático para países do Norte Global, como Estados Unidos e Canadá, utilizam Guarulhos como rota e orientam os imigrantes sem documentação a pedirem refúgio no Brasil. Com isso, sua entrada no país fica assegurada, apesar de o destino final dessas pessoas não ser o Brasil e de elas não estarem na condição de refugiadas. “O instituto do refúgio é muito importante e não pode ser vulnerabilizado pela atuação de grupos criminosos. A nossa preocupação é que a legislação consiga, a um só tempo, preservar valores constitucionais, os direitos dos refugiados e os interesses nacionais, para evitar crimes como tráfico de pessoas e contrabando de imigrantes”, concluiu.
Atualmente, cerca de 1% da população brasileira é composta por pessoas nascidas em outros países. Dados divulgados na última edição do relatório “Refúgio em Números”, elaborado pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur), revelam que, em 2023, o Brasil recebeu 58.3628 solicitações da condição de refugiado, provenientes de 150 países. As principais nacionalidades solicitantes foram venezuelanas (50,3%), cubanas (19,6%) e angolanas (6,7%). Em 2023, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, reconheceu 77.193 pessoas como refugiadas, sendo que 51,7% desse total eram indivíduos do sexo masculino e 47,6%, do sexo feminino. Além disso, 44,3% dos reconhecidos como refugiados no ano passado eram crianças, adolescentes e jovens com até 18 anos de idade.
Fonte MPF