PFDC reforça que afrodescendentes podem incluir em certidões sobrenomes que remetam à raça, etnia ou religiosidade — PFDC

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Direitos do Cidadão

2 de Outubro de 2024 às 18h6

PFDC reforça que afrodescendentes podem incluir em certidões sobrenomes que remetam à raça, etnia ou religiosidade

Documento enviado defende a elaboração, pelo Congresso, de projeto de lei sobre o tema

Imagem do topo de uma certidão de nascimento desfocada no fundo


Foto: Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

Pessoas afrodescendentes podem pedir aos cartórios a alteração de certidões de nascimento e casamento para incluir sobrenomes que remetam à raça, etnia, religiosidade ou ancestralidade africanas, inclusive com a supressão do nome de família originariamente atribuído. Esse é o entendimento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF) que atua em temas relacionados a direitos humanos.

O posicionamento está em documento assinado pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, e pela procuradora da República e coordenadora do Grupo de Trabalho “Liberdades: Consciência, Crença e Expressão” da PFDC, Ana Carolina Previtalli Nascimento. O texto sugere que os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal avaliem a possibilidade de elaborar projeto de lei federal sobre o tema. Para a PFDC, a alteração do sobrenome de pessoas afrodescendentes atende ao princípio da dignidade do ser humano e garante o direito à personalidade, “diante do notório apagamento da cultura e ancestralidade africana pelo processo da escravização no Brasil”.

A nota técnica reforça argumentações apresentadas em despacho enviado pelo GT, em maio deste ano, à Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ que analisa pedido do Comitê de Diversidade do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA) para edição de ato normativo que garanta a inclusão, nos documentos de nascimento de pessoas afrodescendentes, de sobrenome que remeta à raça, etnia e ou religiosidade, quando solicitado pelo interessado. O requerimento apresentado ao CNJ se originou do pedido de um maranhense que tenta mudar seu nome, retirando dos seus documentos o nome de família e acrescentando dois nomes que tem origem na cultura do Povo Yoruba, da Nigéria.

O que diz a lei – No documento, a PFDC analisa os dispositivos da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73). O artigo 55 da norma permite o acréscimo de sobrenome de ascendentes, além dos genitores, a pedido do interessado, o que demonstra a preocupação da lei em honrar a ancestralidade das pessoas. É possível, por exemplo, incluir sobrenomes de avós, bisavós, tataravós mediante a apresentação da documentação necessária.

Já o artigo 56 garante a possibilidade de alteração do prenome, inclusive de forma “imotivada” e extrajudicialmente, depois que a pessoa atinge a maioridade civil, aos 18 anos. Em caso de suspeita de fraude, falsidade ou má-fé, o oficial de registro civil pode recusar a alteração do nome.

No artigo 57, a Lei de Registros Públicos traz a possibilidade de alteração de sobrenomes diretamente perante o oficial de registro civil, com a apresentação das certidões necessárias. O artigo prevê a possibilidade de inclusão de sobrenomes familiares, exclusão de sobrenome de cônjuge, inclusão ou exclusão de sobrenomes em função da alteração das relações de filiação.

Para a PFDC, a lei reflete a importância do prenome e do sobrenome para individualização da pessoa e identificação de suas origens, valorização de seus ancestrais e de sua cultura. A norma traduz também a preocupação com a preservação dos sobrenomes que identifiquem a família do indivíduo.

Conexão ancestral – Por causa do regime de escravização no Brasil, os afrodescendentes tiveram suas origens, seus nomes e sua história apagados, inclusive por atuação estatal, o que gerou a ruptura dessas pessoas com seus sobrenomes de família africanos. Portaria editada pelo Ministério da Fazenda em 1890, logo após a chamada “abolição da escravatura”, determinou a destruição dos registros existentes relativos às pessoas escravizadas. Ao mesmo tempo, os afrodescendentes receberam os sobrenomes daqueles que se diziam seus “proprietários”, um legado do processo de escravização que permanece até os dias de hoje.

Sendo assim, a PFDC argumenta que é compreensível que essas pessoas não se identifiquem com o sobrenome que carregam. Ao mesmo tempo, “nesse contexto, é manifesta a dificuldade que os afrodescendentes teriam para comprovar documentalmente seus sobrenomes ancestrais de família, nos termos do artigo 55 da Lei, tendo em vista que seus ancestrais foram escravizados centenas de anos atrás, o que representa dificuldades invencíveis não apenas para conhecer esses sobrenomes, mas também para obter a documentação referente”, explica o documento.

Para a PFDC, a legislação deve prever a possibilidade de que, na falta de documentação que comprove o sobrenome ancestral (o que vai ser a regra na grande maioria dos casos), os cartórios usem elementos referentes à raça, à etnia ou à religiosidade no novo sobrenome, conforme requerimento da parte interessada. A nota técnica cita uma série de julgados em que o Poder Judiciário reconhece que a imutabilidade do nome não é absoluta e que autorizam a inclusão de sobrenomes para honrar a ancestralidade dos requerentes.

Exclusão de sobrenome – No caso da retirada em definitivo do sobrenome original, situação que poderia representar dificuldade, uma vez que a jurisprudência não é pacífica, a PFDC explica que bastaria manter os registros e averbações nos assentamentos de nascimento, como já acontece nos casos expressamente previstos em lei, preservando inclusive a numeração original dos documentos. Isso manteria a constância das informações públicas de identificação civil e fiscal, permitindo a consulta sempre que preciso, sem a necessidade de que o nome de família original conste dos novos documentos expedidos.

O documento foi enviado ao presidente da República, a parlamentares do Congresso Nacional, ao presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministros de Estado e ao procurador-geral da República.

Acesse a íntegra do documento. 

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Fonte MPF