Direitos do Cidadão
4 de Julho de 2025 às 17h15
PFDC é contra afastamento compulsório de militares trans das Forças Armadas em razão da identidade de gênero
Posicionamento é defendido em nota técnica com base em normas nacionais e internacionais referentes à dignidade da pessoa humana
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal, defendeu em nota técnica a garantia plena dos direitos de militares trans nas Forças Armadas, incluindo o respeito à identidade de gênero, ao uso do nome social e ao direito de permanência na ativa. O documento foi elaborado com o apoio do Grupo de Trabalho “População LGBTQIA+: proteção de direitos” e reforça a necessidade de vedar qualquer prática de afastamento compulsório baseada exclusivamente na condição de pessoa trans.
A nota técnica destaca que a identidade de gênero não pode ser tratada como condição patológica incapacitante e reforça que a permanência na ativa, com tratamento digno e respeitoso, é direito de todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero. Nesse sentido, defende o tratamento conforme a identidade de gênero autopercebida, o respeito ao uso do nome social – mesmo sem alteração no registro civil –, e o uso de uniforme adequado ao gênero.
A PFDC fundamenta seu posicionamento em princípios constitucionais e normas internacionais de direitos humanos. Para o órgão, afastar militares trans sob justificativas patologizantes agrava um ciclo de exclusão social e econômica que já afeta fortemente essa população, violando direitos fundamentais como o da autodeterminação de gênero, da dignidade humana e do trabalho digno.
“A posição das Forças Armadas, ao reiteradamente afastar, sob argumentos patológicos, militares trans de seus postos, de modo a submetê-las a licenças médicas e reformas compulsórias unicamente em razão de suas identidades de gênero, acaba por agravar o cenário de subemprego, desigualdade salarial e precarização das condições de vida dessas pessoas”, reforçam Nicolao Dino, procurador federal dos Direitos dos Cidadãos e Lucas Dias, procurador da República e coordenador do GT.
Reforma compulsória – O documento menciona episódios concretos de discriminação no ambiente militar. Rememora o caso da primeira mulher transexual das Forças Armadas brasileira. A militar trans da Força Aérea foi afastada compulsoriamente após cirurgia de redesignação sexual, precisando brigar na Justiça por quase duas décadas até obter o direito de se aposentar com plenitude de carreira.
Cita também uma sargenta da Marinha, que mesmo com laudos que atestavam sua plena saúde mental, foi afastada sob alegação de incapacidade logo após conseguir decisão judicial para ser tratada conforme seu gênero. Outro caso mencionado é referente a uma outra militar, cabo da Marinha, que foi enviada à reserva durante sua transição de gênero e só retornou aos quadros da ativa após seis anos e decisão favorável da Justiça Federal.
A PFDC ressalta que essas vitórias judiciais, embora importantes, evidenciam o desgaste psicológico e institucional imposto às militares trans, que frequentemente enfrentam barreiras apenas por reivindicarem o direito de serem reconhecidas por quem são.
Normas, princípios e entendimentos – A Constituição Federal, lembra a PFDC, estabelece como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho, e como objetivo central a promoção do bem de todas as pessoas, sem preconceitos ou discriminações. Além disso, a nota técnica menciona decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhecem a identidade de gênero como expressão da personalidade e reafirmam o dever do Estado de respeitá-la, e não de condicioná-la.
Também sustenta o posicionamento os Princípios de Yogyakarta, que orientam a aplicação do direito internacional aos temas de orientação sexual e identidade de gênero, reforçando que o Estado deve combater todas as formas de discriminação, inclusive nas Forças Armadas, assegurando acesso igualitário ao trabalho, saúde e proteção social.
Outro ponto destacado é que, desde 2018, a Organização Mundial da Saúde deixou de classificar a transexualidade como transtorno mental, o que torna inadequado o uso da chamada “disforia de gênero” como justificativa para reforma ou afastamento. A PFDC lembra ainda que o Decreto nº 8.727/2016 obriga órgãos da administração pública federal, como as Forças Armadas, a reconhecerem o nome social e a identidade de gênero de pessoas trans e travestis.
“Não há, sob nenhuma ótica, fundamentação na ordem jurídica nacional e internacional que justifique a discriminação negativa de agentes militares trans, em inobservância do direito à autodeterminação de gênero”, concluem Nicolao Dino e Lucas Dias.
O tema está sendo discutido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio Recurso Especial 2.133.602/RJ. O julgamento irá uniformizar a interpretação sobre os efeitos jurídicos da retificação de nome e gênero de militares trans no âmbito das Forças Armadas.
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Fonte MPF