Direitos do Cidadão
9 de Maio de 2024 às 13h20
PFDC defende manutenção dos vetos presidenciais a artigos da LDO com cunho discriminatório contra a população LGBTQIA+
Nota técnica aponta que trechos vetados refletem valores incompatíveis com a natureza orçamentária da norma
Arte: Comunicação MPF
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), emitiu nota técnica em favor da manutenção dos vetos presidenciais ao art. 185 do Projeto de Lei (PLN) 4/2023, posteriormente convertido na Lei de Diretrizes Orçamentárias da União (LDO) de 2024. Segundo o documento, os dispositivos barrados constituem um subproduto legislativo da chamada “agenda dos costumes”, afrontando a agenda de direitos fundamentais e de direitos humanos que deveriam orientar a atividade legislativa. A apreciação dos vetos está na pauta da sessão parlamentar desta quinta-feira (9) no Congresso Nacional.
O documento da PFDC tratou especificamente os incisos II, III e IV do art. 185, que vedam o direcionamento de recursos da União para ações voltadas à questão familiar e de gênero. A nota chamou de “contrabando legislativo” o que considerou a tentativa de inserir preceitos de cunho idealista e político-partidário em norma de natureza orçamentária, configurando uma investida velada de retrocesso em direitos humanos, especialmente da população LGBTQIA+.
Educação e família – Os incisos II e III do texto legislativo adentram na temática da educação voltada ao entendimento de gênero, ao proibir expressamente o emprego de recursos orçamentários da União em “ações tendentes a influenciar crianças e adolescentes, da creche ao ensino médio, a terem opções sexuais diferentes do sexo biológico” (II) e “ações tendentes a desconstruir, diminuir ou extinguir o conceito de família tradicional, formado por pai, mãe e filhos” (III).
Segundo a PFDC, os incisos vetados violam os valores democráticos da liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar o pensamento, bem como a arte, o saber e o pluralismo de concepções pedagógicas. Citando precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o órgão argumenta que a omissão ao tema de gênero e orientação sexual no âmbito do ensino não suprime o assunto da experiência humana, apenas contribui para a desinformação das crianças e dos jovens a respeito de tais temas, perpetuando os estigmas e o sofrimento que deles decorrem.
A nota reforça o papel emancipador da educação, sustentando que o contato do aluno com visões de mundo diferentes permite a construção de um universo mais amplo de ideias, favorecendo o desenvolvimento de uma visão crítica e um trânsito confortável entre diferentes ambientes. Trata-se de um conceito de educação que deve ser considerado em seu sentido amplo, “cujo propósito é o de habilitar a pessoa para os mais diversos âmbitos da vida, como ser humano, como cidadão e como profissional”, diz o documento.
A PFDC também se manifestou contra o que considerou como uma “investida reducionista e discriminatória do Parlamento contra o moderno conceito de família”. Em sua nota, a Procuradoria aponta que a família do século XXI se caracteriza pela “comunhão de afetos recíprocos, pela consideração e pelo respeito mútuos entre os membros que a compõe, independentemente do vínculo biológico e dos papéis estanques de gênero arbitrariamente predefinidos”.
Cirurgias de redesignação sexual – O inciso IV do projeto parlamentar pretende impedir que recursos orçamentários sejam empregados para “cirurgias em crianças e adolescentes para mudança de sexo”, medida que a PFDC ressalta ser inócua e desnecessária, uma vez que intervenções cirúrgicas de afirmação de gênero são vedadas em pessoas menores de 18 anos, segundo resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM).
A nota observa, ainda, a adoção de termo inadequado para se referir à afirmação de gênero de pessoas transgêneras, uma vez que os procedimentos cirúrgicos regulados no âmbito do CFM e do Sistema Único de Saúde (SUS) não promovem “mudança de sexo”, mas sim a adequação do corpo à identidade de gênero da pessoa, direito fundamental reconhecido tanto no direito constitucional brasileiro, quanto no direito internacional.
Atuação – A nota técnica é assinada pelo procurador federal dos direitos do cidadão, Carlos Alberto Vilhena, e pelo coordenador do grupo de trabalho (GT) “População LGBTQIA+: proteção de direitos”, o procurador da República Lucas Costa Almeida Dias. Por conta da urgência e pertinência da temática, o documento foi encaminhado diretamente a todos os parlamentares, deputados e senadores, por correio eletrônico, bem como por ofício ao presidente do Congresso Nacional e da Aliança Nacional LGBTI.
Criado em 2021, o GT “População LGBTQIA+: proteção de direitos” tem a missão de atuar na promoção e defesa da cidadania e dos direitos humanos da população lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, intersexual e de outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero, colaborando com órgãos governamentais, entidades privadas e organismos internacionais em campanhas e outras iniciativas relacionadas ao enfrentamento de todas as formas de discriminação, coerção e violência em razão de orientação sexual e identidade de gênero e contribuir para o aprimoramento de políticas públicas.
Fonte MPF