Na Câmara dos Deputados, MPF defende fundo de igualdade racial como medida de reparação — Procuradoria-Geral da República

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Direitos do Cidadão

8 de Outubro de 2025 às 15h25

Na Câmara dos Deputados, MPF defende fundo de igualdade racial como medida de reparação

Debate tratou de aspectos constitucionais para a implementação do financiamento previsto em proposta de emenda à Constituição

Foto mostra a sala de audiência durante o evento


Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Durante audiência pública na Câmara dos Deputados, nessa terça-feira (7), o Ministério Público Federal (MPF) defendeu a importância de fortalecer políticas de reparação da escravidão para enfrentar as desigualdades raciais no Brasil. A defesa do tema foi realizada em debate promovido pela Comissão Especial sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 27/2024. A proposta prevê a criação do fundo nacional de igualdade racial, cuja composição deverá abranger indenizações a serem cobradas das empresas que, reconhecidamente, lucraram com a escravidão da população negra no Brasil.

O procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto do Rio de Janeiro Julio Araujo destacou a importância de tratar a reparação não como uma questão do passado, mas como compromisso com o presente e o futuro da sociedade brasileira. Para ele, é preciso dar uma resposta concreta aos impactos duradouros da escravidão, que seguem produzindo exclusões e desigualdades estruturais. “Numa perspectiva de memória, verdade e justiça, nós estamos olhando não para esse passado tão violento, mas para a construção de um futuro compartilhado de forma justa, que enfrente o racismo e também o negacionismo dos efeitos da escravidão sobre nós“, ponderou.

O procurador também lembrou que o Brasil possui uma série de compromissos constitucionais e internacionais nesse tema. A Constituição Federal reconhece o racismo como crime inafiançável e imprescritível e estabelece o dever do Estado de superar desigualdades sociais e regionais. Na seara internacional, Araujo citou parâmetros da Corte Interamericana de Direitos Humanos para a responsabilização e reparação de danos, além da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia, Intolerâncias Correlatas, realizada em 2001 na África do Sul. Também mencionou o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial, órgão das Nações Unidas.

Para Araújo, as diretrizes internacionais são ferramentas que devem orientar o debate jurídico e político sobre a PEC e sobre as políticas de igualdade racial no Brasil. “A discussão da construção de um fundo que tem esse viés de reparação se insere também na superação do nosso racismo institucional e estrutural. Nós vivemos aqui uma experiência muito importante, que mostra como é possível construir essas estratégias sem que a gente recorra a uma lógica de revanchismo e, ao mesmo tempo, que a gente busque a construção desse futuro compartilhado“, frisou Araujo.

Atuação do MPF – No debate, Júlio Araújo apresentou experiências de atuação do MPF que demonstram a viabilidade jurídica e social de medidas de reparação. Entre elas, o inquérito instaurado para apurar a participação do Banco do Brasil no tráfico de pessoas negras escravizadas no século XIX e avaliar possíveis medidas de reparação. O procedimento foi aberto após a provocação de um grupo de historiadores que pesquisam o tema. A instituição reconheceu oficialmente sua responsabilidade histórica, pediu perdão e se comprometeu a adotar ações concretas voltadas à promoção da igualdade racial.

O MPF acompanhou o caso e promoveu uma ampla consulta pública sobre o tema, que recebeu mais de 500 contribuições de cidadãos e organizações da sociedade civil com propostas de reparação. Em março de 2024, o órgão também expediu recomendação ao Banco do Brasil e ao Ministério da Igualdade Racial para que definissem recursos e metas específicas para o Programa de Reparação da Escravidão, destacando que o reconhecimento simbólico deve ser acompanhado de medidas efetivas. As iniciativas em curso incluem ações educativas, investimentos em projetos de valorização da cultura afro-brasileira e parcerias com o governo federal no âmbito do Pacto pela Igualdade Racial.

Os debates sobre reparação, ressaltou o procurador, também abrangem outros temas sob análise do MPF, como a investigação sobre a chamada “poupança dos escravizados“, administrada pela Caixa Econômica no contexto da abolição da escravidão, e os impactos do processo de expulsão da população negra escravizada das áreas centrais das cidades brasileiras, em especial no Rio de Janeiro.

Resgate de memória e reparação histórica – O posicionamento defendido pelo MPF na audiência pública reflete uma preocupação com a reparação de danos que acompanham o desenvolvimento da sociedade brasileira há séculos. Uma pesquisa recente do Instituto Locomotiva, em parceria com o Ministério da Igualdade Racial, revelou que cerca de 85% das pessoas pretas afirmam ter sofrido discriminação racial no Brasil. Essa realidade se escancara em dados oficiais que mostram que a população negra ainda enfrenta os maiores índices de vulnerabilidade social e econômica do país.

Segundo levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego, de 2023, o desemprego entre pessoas pretas e pardas segue acima da média nacional, e as mulheres negras estão entre os grupos com menor remuneração e maior informalidade. Já no sistema prisional, dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen/Depen), indicam que pessoas negras já representam mais de dois terços da população encarcerada, alcançando 68,2% em 2022.

Esses indicadores apontam para a importância de debater o Fundo Nacional da Igualdade Racial, que, na avaliação do MPF, deve contribuir para fortalecer instrumentos de reparação e transformar compromissos simbólicos em políticas públicas de impacto real. “Essa proposta é uma oportunidade de concretizar, de forma efetiva e constitucionalmente legítima, o dever histórico do Estado brasileiro de enfrentar o racismo e promover a justiça racial”, finalizou Julio Araujo.

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Fonte MPF