Meio Ambiente
10 de Julho de 2024 às 14h55
MPF vai à Justiça para garantir desassoreamento de trecho oeste da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte (MG)
Aterramento de 17,4 hectares da Enseada do Zoológico foi causado por empreiteiras contratadas justamente para desassorear o espelho d’água
Foto: Prefeitura de Belo Horizonte
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública ambiental contra as empresas Andrade Gutierrez Engenharia, Ambipar Environmental Solutions-Soluções Ambientais (Ambitec) e ETC Empreendimentos e Tecnologia em Construções, para que a Justiça Federal as obrigue ao desassoreamento de trechos da Lagoa da Pampulha, no município de Belo Horizonte (MG), com o desaterramento de 17,4 hectares da Enseada do Zoológico e a retirada de diques e estradas de serviço.
O objetivo é garantir a restauração integral do espelho d´água e da orla da lagoa, com o retorno à situação anterior às intervenções irregulares feitas pelas empresas durante a execução de contratos celebrados com a Prefeitura de Belo Horizonte. A ação relata que as ações das empreiteiras, de 2013 até 2021, causaram grave dano ambiental, afetando as dimensões cultural e natural do Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Pampulha, um bem protegido por tombamento pelas três esferas da federação: estadual (1984), federal (1997) e municipal (2003).
Lembrando que os tombamentos funcionam como salvaguarda do patrimônio cultural e natural contra qualquer ato que ameace a sua preservação, de modo a garantir a sua conservação integral, a ação destaca que, em julho de 2016, o conjunto também foi considerado patrimônio cultural mundial pela Unesco, com a sua inclusão na Lista de Patrimônios da Humanidade, na categoria Paisagem Cultural.
“Tal reconhecimento demonstra o valor cultural, histórico, ambiental e paisagístico do bem, e, consequentemente, os cuidados que se deve dispensar a ele, já que atingiu juridicamente todas as esferas de proteção possíveis, num reconhecimento indiscutível de seu valor cultural”, destaca a ação. Em todos os documentos de tombamento e no próprio ato da Unesco ficou expresso que a orla e o espelho d’água da lagoa são elementos integradores e articuladores do Conjunto Paisagístico da Pampulha, estando intrinsecamente interligados e igualmente protegidos pelos atos de tombamento.
“Na prática, isto significa que não só as edificações erguidas na orla da Pampulha, mas também o próprio espelho d’água da lagoa devem receber a mesma proteção, sendo inadmissível qualquer alteração na sua conformação original”, explica a procuradora da República Silmara Goulart. “Infelizmente, porém, investigação conduzida pelo MPF em conjunto com o Ministério Público do Tribunal de Contas do Estado (MP-TCE) apurou a prática de inúmeros atos que não só degradaram o meio ambiente natural da Lagoa, mas acabaram por alterar o desenho original do bem tombado, com o aterramento indevido de vários trechos na sua porção oeste”.
Serviços em duas etapas – Os contratos celebrados pela prefeitura com as empreiteiras rés tiveram como fonte um financiamento obtido pelo município, em dezembro de 2013, perante organismo internacional, no valor de 75 milhões de dólares. Ele tem a União como garantidora.
Em 2013, foi firmado o primeiro contrato (SC-050/2013) com o Consórcio Nova Pampulha, composto pelas empresas Andrade Gutierrez e Ambitec, para serviços de desassoreamento da Lagoa da Pampulha, no valor de cerca de R$ 108 milhões. Dando continuidade aos serviços de desassoreamento, em 2018 houve a assinatura do Contrato AJ-049/2018, celebrado entre o Município de Belo Horizonte e a ETC Empreendimentos e Tecnologia em Construções, no valor aproximado de R$ 40 milhões.
De acordo com ambos os contratos, os serviços de limpeza e desassoreamento da lagoa deveriam ser feitos em duas etapas: a etapa 1 consistiria na escavação/dragagem dos sedimentos do fundo da Lagoa. O material retirado seria depositado provisoriamente em um local situado na própria Enseada do Zoológico (chamado de “bota-espera”) até que ocorresse a sua secagem, quando, então, teria início a etapa 2, com o transporte desse material para locais de descarte final (os chamados “bota-foras”).
No entanto, segundo as apurações do MPF e MP-TCE, não foi o que se viu. Técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) e do MPF constataram que, além de não ser possível comprovar ter havido efetiva escavação de todo o material do fundo da Lagoa, conforme o volume contratado para a etapa 1, também não foram realizados os transportes do bota-espera para os bota-foras, o que culminou no aterramento doloso da Enseada do Zoológico.
Estruturas exógenas – A ação que aí “reside, na verdade, uma enorme incoerência do caso”. As empresas foram contratadas para desassorear a Lagoa da Pampulha, ou seja, para retirar o acúmulo de sedimentos e outros materiais levados pelos córregos. Averiguou-se, no entanto, que, na execução de ambos os Contratos, as rés não só não comprovaram devidamente a retirada de parte do material no fundo da lagoa, como deram causa a uma verdadeira destruição do espelho d’água, ao deixarem grande volume do sedimento dragado na Enseada do Zoológico.
A não retirada dos sedimentos do fundo da Lagoa, bem como o aterramento de uma de suas enseadas, acarretaram degradação ambiental de toda ordem, tais como diminuição de seu volume e de sua capacidade de retenção de água, afetando as condições sanitárias e estéticas do meio ambiente.
Apesar dos posicionamentos do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que já haviam posto como condicionante, desde 2003, o desassoreamento da Enseada do Zoológico, esse local não foi priorizado para ser dragado, e sim eleito como “bota-espera” dos sedimentos retirados de outras partes da lagoa. Ou seja, a execução dos contratos foi na contramão da determinação dos órgãos culturais competentes, o que reforça a necessidade de reparação integral dos danos ambientais ocasionados, em violação tanto do Decreto-Lei 25/19371, quanto da Lei 6.938/812.
Além disso, análise da documentação que ampara a execução contratual, tais como diários de obra, relatórios fotográficos e até mesmo questionamentos de licitantes, demonstram que parte do material escavado, junto com milhares de toneladas de pedras, foram utilizados para a construção e/ou o reforço de estruturas exógenas sobre o espelho d´água tombado, tais como estradas de serviço e diques. Essas estruturas foram inclusive reforçadas nos últimos meses da contratação, mediante a utilização de pedras de enrocamento e instrumentos de compactação.
A ação explica que, ainda que se alegue que tais estruturas eram necessárias à realização dos serviços contratados, após as obras, elas deveriam, obrigatoriamente, ter sido removidas, como inclusive haviam determinado os órgãos de proteção ao patrimônio.
Falta de credibilidade documental – A perícia também encontrou diversas irregularidades nos documentos apresentados pelas empreiteiras para comprovar a execução dos serviços e receber o pagamento correspondente.
De acordo com a ação, “a análise pericial dos documentos de execução dos contratos aponta para a prática de fraudes, falsidades e simulação, tais como: falta de comprovação do transporte para fora dos limites da Lagoa de milhares de metros cúbicos de sedimentos; volume de transporte medido inexequível; divergência entre boletins de medição, diários de obras e fichas de controle de transporte de sedimentos para os bota-fora; impossibilidade de ocorrência do volume informado como transportado para os bota-fora; imprecisão, fragilidade e descrédito da documentação que registrou a simulada execução do transporte, notadamente as ‘CTR e os tíquetes’, documentos sem data; falhas em numeração e preenchimento, fichas sem indicação do volume de carga transportada ou com volumes idênticos, ou com placas diversas das relativas aos caminhões da contratada; falsidade de emissão de documentos que deveriam acompanhar os caminhões que deveriam sair da Enseada do Zoológico, mediante simulação de milhares de viagens de caminhão, para transporte dos sedimentos do bota-espera para os bota-fora, sem que houvesse o efetivo cumprimento dessa etapa 2 da execução dos serviços”.
Para o MPF e o MP-TCE, a falta de credibilidade dos documentos relacionados à etapa 2, bem como a falsificação documental, conduzem à inevitável conclusão de que os sedimentos com previsão de serem transportados para o bota-fora nunca saíram do bota-espera da Enseada do Zoológico, acarretando, com isso, o aterramento criminoso e a total destruição dessa parte do espelho d´água, com consequente mutilação do bem tombado, além da apropriação indevida dos recursos públicos referentes aos serviços não realizados.
“Com isso, após diversas intervenções promovidas na Lagoa da Pampulha e contratos milionários celebrados para desassoreamento e limpeza de suas águas, o cenário que hoje se descortina é o de duas enseadas aterradas e extensas áreas assoreadas, com risco de perda paulatina de outras duas enseadas (AABB e Olhos D´água), que estão bloqueadas por diques e estradas de serviço construídas pelos contratantes a pretexto da execução dos contratos” e que deveriam ter sido retirados após a sua conclusão, mas lá permanecem até hoje”, relata Silmara Goulart.
Pedidos – A ação pede que as empresas rés promovam a restauração da profundidade média da Enseada do Zoológico quando de seu tombamento, a título de reparação integral do dano ambiental, incluindo dano moral coletivo, sob pena de multa diária de R$ 1,5 milhão, assim como a retirada das estradas de serviço e dos diques construídos na Enseada da AABB e na Enseada do Olhos D’Água.
Diante da falta de comprovação crível da retirada dos sedimentos, o MPF pede, além da inversão do ônus da prova neste caso específico, que as rés sejam obrigadas a promover a reparação do dano ambiental causado à Lagoa da Pampulha (CPC, art. 497), mediante a escavação e desassoreamento dos sedimentos do fundo da lagoa, conduzindo-os ao descarte definitivo, em locais apropriados, fora do perímetro do bem.
Ação Civil Pública 6033108-18.2024.4.06.3800.
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Fonte MPF