MPF vai à Justiça para anular licença para mineração de ouro que ameaça indígenas Kayapó no Pará — Procuradoria da República no Pará

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Meio Ambiente

5 de Agosto de 2025 às 16h40

MPF vai à Justiça para anular licença para mineração de ouro que ameaça indígenas Kayapó no Pará

Licença para mineradora foi concedida sem consulta prévia a indígenas e ignora risco de barragem e contaminação de rio, aponta o MPF

Vista aérea de uma área de mineração em uma floresta, mostrando clareiras de terra, pequenas construções e poços de água.


Instalações da mineradora em 2018 | Foto: Comunicação MPF

O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação na Justiça Federal, no último dia 30, com pedido de decisão urgente para anular a licença prévia concedida e regularizar o licenciamento ambiental estadual em trâmite em favor do projeto Castelo dos Sonhos, empreendimento de mineração de ouro em Altamira, no Pará. A ação, movida contra o Governo do Pará e a empresa Mineração Castelo dos Sonhos, destaca falhas graves nos estudos ambientais e a ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) aos povos indígenas Kayapó das Terras Indígenas (TIs) Baú e Menkragnoti, cujos territórios e modos de vida estão sob ameaça direta.

A ação busca a anulação imediata da licença prévia emitida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) em agosto de 2024. O MPF argumenta que a licença foi concedida sem a devida análise dos impactos sobre os povos e comunidades tradicionais e sem o cumprimento de requisitos legais e constitucionais, como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A procuradora da República Thaís Medeiros da Costa fundamentou a ação em laudos técnicos produzidos por peritos do próprio MPF, que analisaram o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima) apresentado pela mineradora. As investigações, que começaram em 2018 com sobrevoos que já indicavam poluição em rios da região, revelaram uma série de irregularidades e omissões no projeto:

  • Ausência de CPLI e do Componente Indígena: o ponto central da ação é a violação do direito à CPLI. Segundo o MPF, os Kayapó, diretamente afetados pelo projeto, não foram ouvidos. Além disso, o Estudo de Componente Indígena (ECI), um documento essencial para avaliar os impactos sobre os povos originários, não foi realizado pela empresa nem exigido pela Semas.
  • Barragem de alto risco: o projeto prevê a construção de uma barragem de rejeitos de 26 metros de altura, com um volume estimado de 53 milhões de metros cúbicos de rejeitos, classificada no próprio EIA como de Dano Potencial Alto. A estrutura ficaria a menos de 28 km do Rio Curuá, um curso d’água de importância vital para os Kayapó.
  • Impacto no Rio Curuá: o Rio Curuá, que já sofre com a contaminação histórica de garimpos ilegais, banha três das quatro aldeias da TI Baú e é fundamental para o sustento, a cultura e a identidade do povo. O MPF alerta que o projeto aumentaria drasticamente os riscos, com potencial de contaminação por cianeto (usado no beneficiamento do ouro) e outros metais pesados. Os laudos apontam que o EIA não considerou adequadamente a bacia do rio como área de influência.
  • Sítios arqueológicos e sagrados: a ação destaca que a área do empreendimento abriga locais de grande importância ancestral para o povo Kayapó, incluindo cemitérios e um sítio arqueológico já confirmado, com grande quantidade de cerâmicas e potes inteiros, localizado a apenas 6,5 km da área do projeto.
  • Estudos insuficientes: os laudos técnicos do MPF apontaram diversas lacunas no EIA, como a ausência de um plano de contingência para o caso de rompimento da barragem, a falta de classificação adequada dos rejeitos e a indefinição sobre o controle de emissões atmosféricas.

Contestação do MPF – Na ação, o MPF relata que tanto a Semas quanto a Mineração Castelo dos Sonhos (subsidiária da Tristar Mineração do Brasil) justificaram a ausência de consulta com base na Portaria Interministerial nº 60/2015. A norma dispensa o Estudo de Componente Indígena para projetos localizados a mais de 10 km de terras indígenas. O projeto está a aproximadamente 27 km da TI Baú e 25 km da TI Menkragnoti em linha reta.

No entanto, o MPF argumenta que essa interpretação é restritiva e ilegal, pois ignora os impactos indiretos e o fato de que a área de influência de um empreendimento de grande porte pode se estender por muito mais de 10 km, especialmente através de cursos d’água. A ação cita jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que corrobora a necessidade de uma análise mais ampla e a aplicação do princípio da precaução.

“A perspectiva indígena […] não se restringe a limites geográficos impostos por regulamentações existentes, eis que a terra, os rios, a fauna e a flora são elementos interconectados e essenciais para sua cultura, subsistência e cosmovisão”, afirma a procuradora da República Thaís Medeiros da Costa na ação.

Pedidos à Justiça – Diante do cenário de “iminente exposição a riscos não mensurados adequadamente”, o MPF requer à Justiça Federal, em caráter urgente:

  • a anulação da Licença Prévia nº 2016/2024 e a suspensão de todo o processo de licenciamento até sua completa regularização;
  • a proibição de qualquer atividade da mineradora no local até que as exigências sejam cumpridas;
  • a determinação de que sejam realizados a CPLI com o povo Kayapó, o Estudo de Componente Indígena e a correção de todas as falhas apontadas no Eia/Rima; e
  • o estabelecimento de multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento de qualquer uma das determinações.

Na ação, o MPF faz apelo pela proteção cultural, citando o escritor quilombola Antônio Bispo dos Santos: “Mesmo que queimem a escrita, não queimam a oralidade, mesmo que queimem os símbolos, não queimam os significados, mesmo que queimem os corpos, não queimam a ancestralidade. Porque as nossas imagens também são ancestrais”.

Decisão – Em decisão proferida no último dia 1º, o juiz federal Alexsander Kaim Kamphorst adiou a análise dos pedidos urgentes do MPF e determinou que a Semas e a Mineração Castelo dos Sonhos sejam citadas, e que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) seja intimada, para apresentar subsídios anteriores à decisão liminar.

Ação Civil Pública nº 1001921-48.2025.4.01.3908

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Fonte MPF