MPF trabalha por proteção a comunidades de território sob risco de apropriação ilegal no Pará — Procuradoria-Geral da República

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Comunidades Tradicionais

9 de Outubro de 2025 às 13h25

COP30: MPF trabalha por proteção a comunidades de território sob risco de apropriação ilegal no Pará

Em um caso emblemático para as discussões da COP30, MPF busca evitar que território tradicional seja grilado com apoio do poder público

Foto mostra o PAE a partir da visão do rio, com casas de palafitas às margens


PAE Santo Afonso – Foto: Assembleia Legislativa do Pará

Em um trabalho complexo que envolve ações judiciais e acompanhamento presencial no território, o Ministério Público Federal (MPF) tem atuado para garantir os direitos de comunidades tradicionais do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Santo Afonso, em Abaetetuba (PA), que tem parte do território sob risco de ser apropriada ilegalmente pela empresa Cargill Agrícola, uma gigante do setor alimentício.

O caso, que se desenrola na chamada Ilha do Xingu, é um exemplo concreto dos conflitos que serão centrais na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30): a proteção da Amazônia e de seus povos contra a prática de ilegalidades para impulsionar a expansão de grandes empreendimentos.

A atuação do MPF visa proteger o modo de vida e o território de comunidades como Areia, Igarapé José, Xingu, Caratateua, Capim e Caripetuba, ameaçadas pela instalação de um Terminal Portuário de Uso Privado (TUP) da Cargill.

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O problema surgiu quando a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) concedeu, em 2019, um título de aforamento de 358,88 hectares de terras da União na Ilha do Xingu para a empresa Brick Logística, associada à Cargill. A área concedida sobrepõe-se a uma porção de terra que estava destinada à regularização do PAE Santo Afonso, um território tradicionalmente ocupado por famílias agroextrativistas.

foto mostra projeção de como seria o TUP
Foto ilustrativa: Projeto da TUP Cargill

Diante da ameaça aos direitos territoriais e da ausência de diálogo com os moradores, o MPF passou a trabalhar em duas frentes principais.

Na esfera judicial, o MPF atuou em ações civis públicas (ACPs), em conjunto com outros órgãos, para pedir a anulação do processo administrativo que cedeu a área à empresa e garantir o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI). A escuta é prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tem força de lei no Brasil e não exige regulamentação específica.

Na esfera administrativa, o MPF instaurou um procedimento para acompanhar o caso, o que permitiu a realização de visitas técnicas e a produção de provas para subsidiar os processos.

Além disso, o MPF tomou medidas para investigar se ocorreram atos de improbidade administrativa e crimes por parte dos servidores públicos e particulares envolvidos na compra e tentativa de regularização da área, na alienação da área pela SPU, na desafetação da área do PAE pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e no possível favorecimento ilegal à Cargill. Os detalhes dessas medidas não podem ser divulgados porque estão sob sigilo.

povos ribeirinhos

A atuação coordenada do MPF já alcançou resultados importantes. Em uma das ações, a Justiça Federal determinou a suspensão da expedição das licenças de instalação e de operação do porto até que a CPLI seja efetivamente realizada.

Para fortalecer a defesa das comunidades, o MPF tem investido na produção de provas robustas dos possíveis danos. Uma inspeção judicial, realizada em dezembro de 2023, levou o juiz do caso, representantes do Incra e das empresas para conhecer a realidade local, visitando a área do projeto e as comunidades.
Foto mostra o procurador rodeado pela comunidade

Mais recentemente, em abril de 2025, o procurador da República Rafael Martins da Silva realizou uma visita técnica ao PAE Santo Afonso para ouvir as lideranças, informar sobre o andamento dos processos e coletar dados. Em maio, procuradores da República de todas as regiões do Brasil visitaram o PAE, para dialogar com as comunidades tradicionais da região e conhecer de perto os desafios enfrentados pelas famílias.

Além disso, um parecer elaborado pela assessoria de perícia antropológica do MPF mapeou as áreas de uso coletivo e cultural do PAE, confirmando que a área pretendida pelas empresas abrange locais essenciais para a subsistência e cultura das famílias.

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Durante as visitas do MPF à comunidade, lideranças do PAE confirmaram que as famílias não foram consultadas de forma livre, prévia e informada sobre o projeto de porto da empresa Cargill na área. “Não houve consulta. O que houve foi a vinda de representantes de empresas terceirizadas da Cargill, que disseram que o empreendimento iria ser executado e que as comunidades teriam que aceitar,” relatou a liderança Dilmaiko Marinho Freitas, confirmando a principal tese da ação judicial do MPF.

Procuradores da República se reúnem com ribeirinhos

A liderança Rafaela Costa dos Santos também afirmou categoricamente a ausência de consulta: “Tenho 31 anos. Nasci, fui criada e continuo morando aqui e em nenhum momento fomos consultados. Em nenhum momento chegou aos nossos ouvidos que um determinado momento seria o momento da consulta. Não.” O que houve, segundo ela, foi uma tentativa de forjar a consulta: “O que aconteceu foi novamente, como sempre, historicamente, de chegar o invasor, de não avisar e de usar da boa-fé das nossas lideranças, de utilizar empresas terceiras para fazer entrevista, conversa, e o nosso povo, como sempre, acolheu em suas casas. Utilizaram suas imagens, sua voz para dizer que foram consultados, mas não.”

O pescador João Assunção dos Santos falou sobre sua angústia em relação ao futuro das crianças. “A minha maior preocupação é com esses adolescentes, com essas crianças que estão nascendo aqui e não vão saber o que é um peixe, um camarão, que é um açaí aqui nas águas.”

Uma outra liderança da comunidade, João Batista Caripuna Lobato, comemorou a ida do MPF ao PAE Santo Afonso. “Nós estamos há mais de dez anos nessa luta contra essas empresas e a vinda de vocês aqui nos traz esperança. Enquanto estivermos vivos, vamos continuar lutando para que a Amazônia continue em pé,” disse.

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O trabalho ilustra como o MPF tem atuado para proteger direitos fundamentais, como o direito ao território tradicional, o direito à CPLI e o direito ao meio ambiente equilibrado e à segurança  alimentar.

“Esse caso é um microcosmo dos grandes debates que teremos na COP30. De um lado, um modelo de desenvolvimento baseado na expansão de infraestrutura para exportação de commodities sem o cumprimento da legislação, com um rastro de impactos socioambientais. Do outro, comunidades tradicionais que, com seu modo de vida, são as verdadeiras guardiãs da floresta e de serviços ecossistêmicos vitais para o equilíbrio climático,” avalia o membro do MPF.

“A escuta atenta dessas comunidades, como as que realizamos nas visitas do escritório fluvial do MPF à área, é fundamental para que a Justiça não ignore a realidade dos povos das florestas, dos campos e das águas,” conclui Rafael Martins da Silva.

Para o procurador, a iniciativa é emblemática do desafio que a Amazônia enfrenta às vésperas da COP30.

“Proteger o território do PAE Santo Afonso é uma ação climática direta. Significa manter a floresta em pé, proteger os rios e garantir a soberania alimentar de quem vive na Amazônia. Nossa atuação busca fazer valer a Constituição e os tratados internacionais, para que o desenvolvimento não ocorra à custa da exclusão e da violação dos direitos dos povos que protegem o bioma para o benefício de todo o planeta”, afirma.

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No coração da Ilha do Xingu, o Projeto Agroextrativista Santo Afonso abriga famílias ribeirinhas cujas rotinas são guiadas pelas marés, pelas cheias e pelo que extraem da natureza. A base da economia local é o açaí, fruto abundante nas várzeas e responsável por movimentar a renda de grande parte dos moradores. Além dele, a coleta de sementes e frutos como buriti, andiroba e copaíba mantém viva a tradição extrativista, que se combina ao cultivo da mandioca, usada para produzir farinha, beiju e tucupi, alimentos essenciais na mesa ribeirinha.

Foto mostra camarão, farinha, peixeA pesca é outra atividade que entrelaça o sustento e a identidade dessas comunidades. Os pescadores capturam o camarão regional e peixes variados, base de alimentação e também fonte de renda. Embora o extrativismo de madeira e a caça tenham sido mais intensos no passado, hoje o foco é a sustentabilidade, um compromisso previsto no Plano de Utilização do PAE, que regula o uso dos recursos naturais e incentiva o reflorestamento das áreas alteradas. A criação de animais de grande porte é restrita, reforçando o cuidado com o equilíbrio ambiental da ilha.

Além das atividades produtivas, a vida no Santo Afonso é marcada por laços comunitários e fé. Escolas, igrejas e centros comunitários são espaços de encontro e as festas religiosas reúnem moradores em novenas, missas e leilões que fortalecem a solidariedade local. As celebrações ainda vibram ao som do carimbó e das antigas danças de Boi Bumbá expressando a riqueza cultural da comunidade, guardiã da vida que brota das águas. 

Processos 1043377-41.2021.4.01.3900 e 1047631-86.2023.4.01.3900. Consulta processual

Contagem regressiva – Até o dia 9 de novembro, véspera do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará, serão publicadas 50 matérias sobre a atuação do Ministério Público Federal na proteção do meio ambiente, das populações mais vulneráveis e dos direitos humanos. A ação de comunicação faz parte da campanha MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos.

Acompanhe a contagem regressiva diariamente, no nosso site!

 

*Reportagem: Comunicação/MPF/PA

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Fonte MPF