Criminal
14 de Novembro de 2025 às 14h30
MPF recorre para afastar prescrição criminal e retomar julgamento em caso de trabalho análogo à escravidão em MG
Escravidão contemporânea é crime imprescritível, conforme tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil

Imagem ilustrativa. Foto: João Ripper/Cedida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou um recurso contra uma decisão de primeira instância que declarou a extinção da punibilidade de um réu que era acusado de reduzir dois trabalhadores a condições análogas às de escravo. O crime teria ocorrido no período entre outubro de 2011 e agosto de 2014, na Fazenda Olhos D’Água, localizada em Sacramento, Minas Gerais (MG). O MPF requer ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) que reforme a decisão da Justiça Federal em Uberaba (MG) para que o crime de redução à condição análoga à de escravo seja reconhecido como imprescritível e, consequentemente, o processo tenha prosseguimento e seja julgado.
A sentença havia declarado a extinção da punibilidade do réu — que hoje tem mais de 70 anos — com base na prescrição da pretensão punitiva pela pena máxima prevista em lei. A legislação penal prevê que o prazo de prescrição seja reduzido pela metade quando o réu é maior de 70 anos, e, neste caso, o crime prescreveria em seis anos. Como se passaram mais de seis anos entre o recebimento da denúncia, em julho de 2016, e a data da decisão, a Justiça declarou que não seria mais possível punir o réu.
Crime imprescritível – No entanto, o MPF defende que o crime de redução à condição análoga à de escravo é imprescritível, ou seja, não está sujeito à extinção da punibilidade pelo decurso do tempo. O recurso afirma que a proibição da escravidão é considerada uma norma imperativa de Direito Internacional. O crime de trabalho escravo é internacionalmente reconhecido como grave violação de direitos humanos.
Segundo o recurso, o Brasil assumiu compromissos internacionais ao aderir à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e ao Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI). Tais documentos preveem a imprescritibilidade de crimes internacionais graves, como crimes contra a humanidade, categoria na qual se inclui o trabalho escravo, conforme já reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso “Fazenda Brasil Verde vs. Brasil”.
O MPF aponta em seu recurso que esse entendimento é reforçado por decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), e cita três julgamentos nos quais foi reconhecida a imprescritibilidade do crime de redução a condição análoga à de escravo, por representar grave violação aos Direitos Humanos, nos termos do Direito Internacional.
O MPF também ressalta que o Supremo Tribunal Federal (STF) já firmou entendimento de que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos incorporados pelo Brasil possuem status de normas supralegais. Isso significa que essas normas têm uma eficácia superior às leis infraconstitucionais (como o Código Penal), e devem afastar qualquer disposição legal interna que entre em conflito com elas.
Segundo o procurador da República Onésio Soares Amaral, autor do recurso, aplicar o prazo de prescrição previsto no Código Penal (artigo 109) neste caso implicaria o descumprimento de normas de Direito Internacional que preveem a imprescritibilidade do crime de trabalho escravo e suas formas análogas. O não atendimento do dever de investigar e punir tais ilícitos pode, inclusive, gerar a responsabilização do Brasil em âmbito internacional.
“Não há necessidade de uma lei brasileira em sentido estrito para reconhecer a imprescritibilidade do crime tipificado no art. 149 do Código Penal. As normas de Direito Internacional compõem o ordenamento jurídico brasileiro da mesma forma que qualquer outro ato normativo interno, e negar sua aplicação é negar os compromissos assumidos pelo Brasil na esfera internacional”, afirma o procurador.
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Fonte MPF


