MPF recomenda vagas para pretos e pardos em cursos para Marinha Mercante do Ciaba, em Belém (PA) — Procuradoria da República no Pará

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Direitos do Cidadão

7 de Abril de 2025 às 17h50

MPF recomenda vagas para pretos e pardos em cursos para Marinha Mercante do Ciaba, em Belém (PA)

Estado deve combater o racismo não somente na administração pública, e sim em toda a sociedade, ressalta o MPF

Foto da fachada do Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar, com muro preto com o nome da instituição escrito em letras de metal dourado. Há uma bandeira do Brasil hasteada em um mastro à frente.


Foto: Ciaba

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a autoridades da Marinha do Brasil a criação de reserva de vagas para pessoas negras em todos os processos seletivos para cursos do ensino profissional marítimo ofertados pelo Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar (Ciaba), em Belém (PA). A recomendação foi enviada ao Ciaba nesta segunda-feira (7), com a orientação de que a reserva de vagas seja instituída de maneira imediata e esteja prevista em todos os processos seletivos abertos a partir de agora.

No final de fevereiro, o Ciaba havia respondido ao MPF que, para avaliar se a demanda poderia ser atendida, seria necessária uma análise técnica do tema pela Marinha. Entre outras alegações, o Ciaba argumentou que as seleções não são para cargos públicos, mas sim para cursos que formam profissionais para a iniciativa privada, na Marinha Mercante.

Para o MPF, o Ciaba, assim como toda a administração pública, deve obedecer não somente ao princípio da legalidade, que diz que os órgãos públicos só podem fazer o que a lei determina, mas também ao princípio da juridicidade, que vincula a atuação estatal à observância de todo o ordenamento jurídico, em especial da Constituição Federal e dos tratados e normas internacionais.

“A presença de pretos e pardos na Marinha Mercante é concretização da equidade, que deve se dar nos âmbitos público e privado; em outras palavras: o Estado deve combater o racismo e promover a equidade racial não somente dentro dos muros da administração pública, mas também em toda a sociedade”, destacam procuradoras e procuradores da República autores da recomendação. “Assim, a Marinha do Brasil, ao chamar para si a função de formação de aquaviários, deve oferecer ao mercado de trabalho privado profissionais observando um mínimo de equidade racial”, complementam.

Obrigação clara – Em relação à alegação do Ciaba de que não há lei específica que obrigue a instituição a estabelecer cota para negros em seleções para a Marinha Mercante, o MPF frisa que essa argumentação não se sustenta diante do princípio constitucional da igualdade material. A diretriz está prevista também nos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para corrigir ou, pelo menos, reduzir desigualdades históricas e promover a inclusão de grupos raciais historicamente marginalizados.

Entre as normas, jurisprudência e dados estatísticos sobre o tema, o MPF destaca:

• a Constituição Federal, que prevê, entre os objetivos fundamentais da República, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de raça ou cor;

• o fato de o Brasil ser signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que compromete os Estados Partes a tomar medidas especiais para assegurar o desenvolvimento de grupos raciais ou indivíduos em condições de igualdade;

• a assinatura, pelo Brasil, da Convenção Interamericana contra o Racismo, em 2013, que prevê a adoção de ações afirmativas para assegurar o exercício dos direitos de pessoas sujeitas ao racismo;

• o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), que estabelece a promoção da participação da população negra com igualdade de oportunidades por meio de “adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa”;

• a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu por unanimidade a constitucionalidade das cotas étnico-raciais para ingresso em universidades (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186);

• a Lei nº 12.990/2014, que prevê reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para candidatos negros;

• a decisão do STF na Ação Declaratória de Constitucionalidade 41, que considerou constitucional a reserva de 20% das vagas para candidatos negros em concursos públicos, inclusive para as Forças Armadas, por estas integrarem a Administração Pública Federal;

• uma recente sentença da Justiça Federal de São Paulo que determinou a reserva de vagas para candidatos pretos, pardos e indígenas nos processos seletivos para ingresso nos Colégios Militares.

O MPF também ressaltou a desproporcionalidade da ausência de cotas raciais nos cursos do Ciaba, destacando que, segundo o censo de 2022, o Pará tem a segunda maior proporção de habitantes negros do país, sendo que 69,9% da população paraense é parda e 9,8%, preta. “É no mínimo contraditório e desproporcional, com a realidade, que o Ciaba, sediado em plena Amazônia, cuja população predominante é de negros, não observe esta realidade numérica”, alerta o documento.

Racismo não distante – Na recomendação, o MPF cita a Revolta da Chibata, realizada em novembro de 1910, no Rio de Janeiro, por marinheiros afro-brasileiros vítimas de práticas violentas de castigos corporais da Marinha. A insatisfação com esses castigos, além de outras questões, deu início à insurreição liderada por João Cândido. “Os fatos demonstram que mesmo com a extinção formal da escravidão, ainda havia, no século XX, resquícios explícitos de subjugação racial, inclusive com penas corporais, dentro da Marinha, há pouco mais de 100 anos, ou seja, em passado não muito distante”, registra o MPF.

“A Revolta da Chibata foi importante luta popular contra o racismo, de modo a demonstrar que a Marinha do Brasil, se não tem uma dívida histórica, ao menos deve ter uma postura proativa, coerente com os fatos históricos, contra o racismo e pela equidade racial”, ressaltam procuradoras e procuradores da República.

Sobre as recomendações – Recomendação é um instrumento por meio do qual o Ministério Público expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar condutas ou atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição. Trata-se, portanto, de uma atuação voltada para prevenção de responsabilidades ou correção de condutas.

Íntegra da recomendação

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Fonte MPF