MPF recomenda que cota da usina de Jirau seja ampliada somente após compensações no distrito de Abunã, em Porto Velho (RO) — Procuradoria da República em Rondônia

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Comunidades Tradicionais

9 de Junho de 2025 às 9h50

MPF recomenda que cota da usina de Jirau seja ampliada somente após compensações no distrito de Abunã, em Porto Velho (RO)

Cota de inundação de 90 metros afetou comunidade pesqueira tradicional e o pedido para ampliação do período de operação está sob análise

Fotografia da barreira da usina hudrelétrica de Jirau, em Rondônia, com as margens do rio Madeira ladeadas por pedras


Usina hidrelétrica de Jirau (RO). Foto: Comunicação/MPF

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que não seja autorizado o aumento do período de operação da cota de inundação de 90 metros da usina hidrelétrica (UHE) de Jirau, em Porto Velho (RO). Para o MPF, a operação nesse nível só deve ocorrer após a usina providenciar compensações às comunidades pesqueiras do distrito de Abunã, que foram afetadas pela cota.

A recomendação foi endereçada à Diretoria de Licenciamento Ambiental, do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e também à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), em Brasília, com prazo de cinco dias para resposta sobre o acatamento ou não. Os órgãos são responsáveis por analisar e autorizar a ampliação da regra operativa da usina.

O MPF instaurou um procedimento para apurar os impactos da hidrelétrica de Jirau sobre a comunidade de Abunã e a continuidade da responsabilidade do Subprograma de Apoio à Atividade Pesqueira com relação ao Projeto Experimental de Operação da Usina de Jirau, na cota 90 metros. A recomendação do MPF é uma das medidas adotadas pelo órgão nesse procedimento e também decorre de informações de que há discussões em curso para autorizar a hidrelétrica de Jirau a operar na nova cota a partir de 11 de junho deste ano.

Na recomendação, o MPF relata que o distrito de Abunã é composto por pescadores. A tradicionalidade daquela comunidade já foi comprovada por laudo antropológico elaborado por peritos do MPF. A ampliação do período da cota de inundação da hidrelétrica de Jirau trará fortes impactos, sendo o principal a necessidade de realocação de parte ou de toda a comunidade, devido ao aumento da área alagada pela barragem.

Em 2017, a ANA definiu condicionantes e compensações para autorizar a operação da hidrelétrica de Jirau na cota de 90 metros. Com base em estudos técnicos, a agência demonstrou que a cota de 90 metros causaria uma sobrelevação de 132 centímetros, afetando todas as casas. Assim, todos os moradores precisariam ser realocados. Mas a hidrelétrica ingressou com uma ação judicial alegando que não haveria os impactos descritos pela ANA e que não seria necessária a realocação da comunidade.

No decorrer desse processo judicial, uma perícia técnica indicada pela Justiça Federal demonstrou que, com a cota de 90 metros, haveria uma sobrelevação de 53 centímetros em Abunã, que afetaria diretamente 104 casas da comunidade. Com o resultado da perícia, a hidrelétrica de Jirau passou a reconhecer os impactos, mas os minimiza e defende que não há necessidade de realocação de Abunã. O processo judicial ainda está em trâmite, sem conclusão pela Justiça.

O MPF afirma, na recomendação, que não há dúvidas sobre a existência de impactos à comunidade de Abunã. O órgão relata que, mesmo que não haja risco à vida e que a capacidade destrutiva da água seja baixa, conforme laudo técnico da perícia judicial, os moradores serão afetados em seu bem-estar, atividades sociais e econômicas, condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e qualidade dos recursos ambientais.

Além de recomendar que o Ibama não autorize a nova regra operativa para a hidrelétrica de Jirau e a ANA não conceda outorga de uso ou qualquer outro instrumento autorizativo para a nova cota, o MPF também orientou que os estudos a serem realizados contemplem a discussão com a comunidade diretamente afetada. Também foi recomendado que seja facultada, ao empreendedor e à prefeitura de Porto Velho, a participação nas discussões.

O MPF também lembra, no documento, que o subdimensionamento dos impactos do complexo hidrelétrico do rio Madeira já foi questionado na Justiça. Os empreendimentos foram condenados a realizarem novos estudos e a adotarem novas medidas, por desconsiderarem vários impactos no estudo primário do licenciamento ambiental.

Mudanças climáticas – Na recomendação, o MPF ressalta que a maior cheia do rio Madeira ocorreu em 2014 e afetou mais de 30 mil famílias em Porto Velho, distritos e cidades, principalmente, no eixo da BR-364, além do estado do Acre. Em 2019 e 2025, as enchentes deixaram submersos trechos da BR-425 e BR-364, isolando comunidades, prejudicando o tráfego de veículos e o escoamento de produção, inclusive afetando diretamente o Acre.

Neste ano, o rio Madeira esteve próximo da cota de inundação, afetando diretamente mais de 8 mil pessoas e colocando mais de 32 mil pessoas em estado de alerta, segundo informações da Defesa Civil, publicadas na imprensa local. A ANA também informou pela imprensa que o risco de catástrofe ambiental é considerado moderado nos níveis em que se chegou.

Os procuradores da República Gabriel de Amorim e Raphael Bevilaqua, autores da recomendação, alertam que as incontestáveis mudanças provocadas nos padrões climáticos, até então conhecidos, têm produzido catástrofes nos últimos tempos. As alterações nos padrões exigem – do poder público e da sociedade – mudanças urgentes para que se consiga, pelo menos, minimizar os impactos e desastres que afetam o meio ambiente natural e as vidas humanas.

Eles ressaltam que, historicamente, o ciclo da água está diretamente relacionado ao clima e as mudanças climáticas têm alterado esse ciclo, seja provocando aumento de eventos hidrológicos em determinados locais, com concentração maior de chuvas em período menor de tempo, ou com períodos de seca prolongados ou mais intensos que o habitual.

O rio Madeira tem passado por mudanças drásticas em pouco tempo. Em menos de seis meses, passou-se de um período de seca extrema, com nível mínimo de 19 cm no rio, em outubro de 2024, para cheia forte, com quase 17 metros, em fevereiro de 2025, demonstrando, incontestavelmente, os efeitos destes fenômenos.

 

Procedimento Preparatório do MPF: 1.31.000.000977/2025-61

Ação judicial da hidrelétrica de Jirau: 1016749-02.2017.4.01.3400

Ação judicial do MPF sobre subdimensionamento dos impactos do complexo hidrelétrico do rio Madeira: 0002427-33.2014.4.01.4100

Íntegra da recomendação

 

Assessoria de Comunicação 
Ministério Público Federal em Rondônia
(69) 3216-0511 / 98431-9761
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Fonte MPF