Direitos do Cidadão
22 de Outubro de 2025 às 15h38
MPF recomenda que Caixa Econômica Federal identifique poupanças de escravizados e informe destinação de valores
Órgão busca resgatar a memória e apurar a destinação de valores depositados por pessoas escravizadas no século XIX para compra de alforrias
Imagem: Arquivo/Caixa Econômica Federal
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Caixa Econômica Federal (CEF) que elabore, em até 30 dias, um plano de identificação de todas as cadernetas de poupança abertas por pessoas escravizadas ou ex-escravizadas e mantidas em seu acervo histórico. A instituição deverá ainda apresentar, em 180 dias, o conjunto dessas poupanças, indicando os nomes dos titulares, registros e informações sobre a destinação dos valores — se foram sacados, retidos ou transferidos após a abolição.
A medida decorre de inquérito civil instaurado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro para apurar a possível retenção e apropriação, pela Caixa, de valores das chamadas “poupanças de escravizados e ex-escravizados”, constituídas no século XIX com recursos destinados à compra de cartas de alforria. O MPF aponta que a ausência de informações organizadas sobre essas contas e sobre o destino do dinheiro indica possível negligência da empresa pública e representa uma forma de apagamento da memória e da história da população afrodescendente.
De acordo com a recomendação, assinada pelo procurador adjunto dos Direitos do Cidadão, Julio Araujo, a Caixa deverá esclarecer se os valores depositados nessas cadernetas foram efetivamente restituídos a seus titulares ou descendentes. O MPF ressalta que a apuração e a preservação dos registros têm caráter reparatório e histórico, essenciais para garantir o direito à memória e à verdade sobre os impactos da escravidão no Brasil.
Acervo não catalogado – Durante a investigação, a CEF apresentou informações desencontradas. Inicialmente, afirmou dispor de 85 cadernetas de poupança pertencentes a pessoas escravizadas; posteriormente, indicou a existência de 140 documentos desse tipo, além de 173 livros com registros diversos. A instituição reconheceu, contudo, que não realizou pesquisa completa nos livros de conta corrente disponíveis em seu acervo e que parte do material não foi catalogada nem digitalizada.
O MPF destaca que o acervo histórico da Caixa, que ocupa cerca de 15 mil metros lineares de documentos, não recebeu tratamento arquivístico adequado, o que compromete a conservação e o acesso às informações. Para o órgão, a falta de diligência na preservação e no estudo das cadernetas pode configurar violação dos deveres de cuidado e de controle esperados de uma empresa pública federal.
A recomendação sustenta que o resgate dessas informações é fundamental não apenas para esclarecer a destinação dos recursos, mas também para a construção de políticas de memória, verdade e justiça sobre a escravidão no Brasil. O documento cita convenções internacionais e resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) que reconhecem a escravidão como crime contra a humanidade e afirmam o dever dos Estados de promover a reparação das populações afetadas.
Segundo o MPF, a iniciativa também se insere no contexto mais amplo das responsabilidades de empresas e instituições públicas no respeito aos direitos humanos. Preservar e divulgar os registros das poupanças de pessoas escravizadas é, conforme o órgão, uma medida de justiça histórica que contribui para a reparação simbólica e para o fortalecimento da democracia.
A Caixa deverá comunicar ao MPF, no prazo de 30 dias, se acata a recomendação e quais medidas pretende adotar para garantir a organização, a catalogação e a disponibilização das informações ao público e aos pesquisadores.
Assessoria de Comunicação Social
Procuradoria da República no Rio de Janeiro
Atendimento à imprensa: (21) 3971-9570
prrj-ascom@mpf.mp.br
Fonte MPF