MPF recomenda que Caixa Econômica Federal identifique poupanças de escravizados e informe destinação de valores — Procuradoria da República no Rio de Janeiro

0
18

Direitos do Cidadão

22 de Outubro de 2025 às 15h38

MPF recomenda que Caixa Econômica Federal identifique poupanças de escravizados e informe destinação de valores

Órgão busca resgatar a memória e apurar a destinação de valores depositados por pessoas escravizadas no século XIX para compra de alforrias

Uma imagem histórica da Caderneta de Poupança de Alforria do escravo Gil (Escravo da Nação), aberta em 14 de maio de 1866 na Caixa Econômica "sob Garantia do Governo Imperial". A página da esquerda detalha as condições do depósito (juros de 6% ao ano) e a da direita é a caderneta, preenchida à mão.


Imagem: Arquivo/Caixa Econômica Federal

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Caixa Econômica Federal (CEF) que elabore, em até 30 dias, um plano de identificação de todas as cadernetas de poupança abertas por pessoas escravizadas ou ex-escravizadas e mantidas em seu acervo histórico. A instituição deverá ainda apresentar, em 180 dias, o conjunto dessas poupanças, indicando os nomes dos titulares, registros e informações sobre a destinação dos valores — se foram sacados, retidos ou transferidos após a abolição.

A medida decorre de inquérito civil instaurado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro para apurar a possível retenção e apropriação, pela Caixa, de valores das chamadas “poupanças de escravizados e ex-escravizados”, constituídas no século XIX com recursos destinados à compra de cartas de alforria. O MPF aponta que a ausência de informações organizadas sobre essas contas e sobre o destino do dinheiro indica possível negligência da empresa pública e representa uma forma de apagamento da memória e da história da população afrodescendente.

De acordo com a recomendação, assinada pelo procurador adjunto dos Direitos do Cidadão, Julio Araujo, a Caixa deverá esclarecer se os valores depositados nessas cadernetas foram efetivamente restituídos a seus titulares ou descendentes. O MPF ressalta que a apuração e a preservação dos registros têm caráter reparatório e histórico, essenciais para garantir o direito à memória e à verdade sobre os impactos da escravidão no Brasil.

Acervo não catalogado – Durante a investigação, a CEF apresentou informações desencontradas. Inicialmente, afirmou dispor de 85 cadernetas de poupança pertencentes a pessoas escravizadas; posteriormente, indicou a existência de 140 documentos desse tipo, além de 173 livros com registros diversos. A instituição reconheceu, contudo, que não realizou pesquisa completa nos livros de conta corrente disponíveis em seu acervo e que parte do material não foi catalogada nem digitalizada.

O MPF destaca que o acervo histórico da Caixa, que ocupa cerca de 15 mil metros lineares de documentos, não recebeu tratamento arquivístico adequado, o que compromete a conservação e o acesso às informações. Para o órgão, a falta de diligência na preservação e no estudo das cadernetas pode configurar violação dos deveres de cuidado e de controle esperados de uma empresa pública federal.

A recomendação sustenta que o resgate dessas informações é fundamental não apenas para esclarecer a destinação dos recursos, mas também para a construção de políticas de memória, verdade e justiça sobre a escravidão no Brasil. O documento cita convenções internacionais e resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) que reconhecem a escravidão como crime contra a humanidade e afirmam o dever dos Estados de promover a reparação das populações afetadas.

Segundo o MPF, a iniciativa também se insere no contexto mais amplo das responsabilidades de empresas e instituições públicas no respeito aos direitos humanos. Preservar e divulgar os registros das poupanças de pessoas escravizadas é, conforme o órgão, uma medida de justiça histórica que contribui para a reparação simbólica e para o fortalecimento da democracia.

A Caixa deverá comunicar ao MPF, no prazo de 30 dias, se acata a recomendação e quais medidas pretende adotar para garantir a organização, a catalogação e a disponibilização das informações ao público e aos pesquisadores.

Recomendação nº 19/2025

Assessoria de Comunicação Social
Procuradoria da República no Rio de Janeiro
Atendimento à imprensa: (21) 3971-9570 
 

 

Fonte MPF