Direitos do Cidadão
28 de Agosto de 2025 às 13h27
MPF recomenda medidas para assegurar proteção de crianças trazidas ao Brasil por suspeita de violência familiar
Documento aponta necessidade de adotar protocolos específicos para investigar os casos, atender as vítimas e garantir o bem-estar das crianças
Foto ilustrativa: Canva
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), emitiu nota técnica em que recomenda a adoção de medidas por instituições públicas para assegurar a proteção de crianças e adolescentes trazidos ao Brasil de forma irregular, quando há suspeita da prática de violência doméstica no país em que a família morava. As recomendações coincidem com o que foi decidido na data de ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nessa quarta-feira (27), sobre normas previstas na Convenção da Haia de 1980. A Corte decidiu que a repatriação imediata do menor, prevista na norma internacional, pode ser indeferida, quando houver indícios concretos da prática de agressões contra a mãe ou familiar próximo, ainda que a criança não seja vítima direta da violência.
O documento é assinado pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino e é fruto de procedimento instaurado em abril deste ano. Ele recomenda que a autoridade central brasileira, vinculada ao Ministério da Justiça e responsável por receber esses pedidos, adote critérios objetivos na análise dos casos, sob a perspectiva de gênero, antes que eles sejam levados à Justiça. A PFDC defende que seja feita a escuta qualificada das partes envolvidas e que seja levado em conta o risco à integridade física, psíquica ou emocional da criança e da mãe.
“A situação de violência doméstica ou familiar, praticada pelo genitor contra a criança, o adolescente ou a mãe evidencia que a determinação de retorno imediato de quem houver sido transferido pode implicar risco grave de sujeição a perigos de ordem física ou psíquica, ou, ainda, de qualquer outra situação intolerável”, alerta. O documento também aponta a necessidade de aprimorar protocolos administrativos para a análise dos pedidos de repatriação, com a participação de uma equipe multidisciplinar e maior diálogo com instituições de defesa dos direitos humanos.
Levantamento da organização internacional Revibra – que acolhe brasileiras migrantes na Europa – aponta que nove em cada dez mulheres processadas por sequestro internacional dos filhos entre 2019 e 2022, com base na Convenção de Haia, foram vítimas de agressões dentro de casa. Só em 2023, cerca de 1,5 mil mulheres pediram o apoio das autoridades do Brasil no exterior em relação a esse tipo de violência, sendo que 808 solicitaram auxílio em casos de disputa pela guarda dos filhos. Os dados são do Mapa Nacional da Violência de Gênero, elaborado pelo Senado Federal, em parceria com outras organizações.
De 2021 para cá, quadruplicou o número de pedidos de cooperação jurídica recebidos pelo Brasil para a devolução de crianças trazidas ao país de forma irregular, quando há suspeita de violência doméstica. No entanto, as mulheres enfrentam dificuldades em comprovar a ocorrência das agressões praticadas no exterior, o que é agravado pela resistência de algumas autoridades centrais estrangeiras em solicitar diligências investigativas às polícias locais. Tanto que apenas em 19% dos casos levados à Justiça brasileira, entre 2018 e 2024, a violência de gênero foi comprovada.
Diante do quadro, a nota técnica da PFDC recomenda que os consulados brasileiros no exterior adotem protocolos específicos para atender crianças e mulheres vítimas de violência doméstica, de forma a orientá-las sobre a coleta de elementos que comprovem as agressões. Tais unidades também devem adotar providências necessárias à apuração dos fatos, bem como medidas de proteção às vítimas. A PFDC defende ainda melhorias na atuação do Sistema de Justiça brasileiro em questões relativas ao sequestro internacional de crianças, de forma a ampliar os canais de comunicação com outros países.
Judicialização – Outro ponto questionado pela PFDC na nota técnica é a atribuição da Advocacia-Geral da União (AGU) para ajuizar ações na Justiça Federal brasileira pedindo o retorno imediato da criança ao país estrangeiro, quando não há uma solução amigável na via administrativa. Segundo o documento, esse tipo de atuação contraria os limites normativos da cooperação jurídica internacional e não encontra amparo legal na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, nem na própria Convenção da Haia.
“Esse protagonismo da AGU em ações com pedido de retorno de crianças configura desvio das relevantes funções institucionais conferidas à Advocacia Pública brasileira, e – o que é pior – representa um desequilíbrio no tratamento entre nacionais e estrangeiros, já que não há nenhuma previsão normativa determinando que a AGU atue, com o mesmo empenho e recursos, na defesa de mães brasileiras envolvidas nesses processos”, afirma Nicolao Dino, no documento.
Conforme sustenta o PFDC, o litígio instaurado a partir da Convenção da Haia não envolve um conflito de interesse público, sendo uma disputa de natureza privada entre particulares sobre a guarda e convivência de crianças. Além disso, o normativo internacional prevê que os países signatários devem assegurar às pessoas interessadas o direito de solicitar assistência jurídica, mas não obriga o Estado a promover ações judiciais em casos de sequestro internacional de crianças. Essa atuação, segundo Nicolao Dino, e apenas em casos de hipossuficiência econômica do autor, deveria ser promovida pela Defensoria Pública da União, “como órgão constitucionalmente incumbido da assistência judicial a pessoas hipossuficientes”.
Fonte MPF