Patrimônio Cultural
15 de Dezembro de 2025 às 12h10
MPF processa União e estado do Rio de Janeiro por abandono de arquivos do antigo IML
Ação aponta risco aos documentos sobre a ditadura e cobra medidas imediatas para garantir segurança, conservação e acesso ao acervo

Documentos de arquivo do antigo IML, na Lapa, no Rio de Janeiro (RJ). Foto: Marcelo Del Negri – Comunicação/MPF.
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou ação civil pública à Justiça Federal para cobrar atuação imediata da União e do estado do Rio de Janeiro na proteção do acervo histórico encontrado no antigo prédio do Instituto Médico-Legal (IML), na Lapa, na capital fluminense. O documento aponta o abandono do prédio e requer com urgência a preservação, segurança e organização imediata dos arquivos.
Segundo o procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto Julio Araujo, que assina o pedido, a ação se tornou necessária diante da deterioração acelerada do prédio e do risco real de perda de documentos essenciais para o direito à memória, à verdade e à história do país. “O acervo está exposto a intempéries, fezes de animais, sujeira e invasões constantes. Trata-se de risco claro, iminente e absolutamente incompatível com a preservação de documentos de valor inestimável”, afirmou.
Acervo exposto ao abandono e a invasões agravam urgência – Nas visitas técnicas realizadas ao longo do ano, o MPF e órgãos especializados identificaram microfilmes em acetato e até em nitrato de celulose — material altamente inflamável — já em deterioração avançada. Também foram registradas portas arrombadas, dossiês jogados no chão e salas que sequer puderam ser acessadas.
Para o procurador Julio Araujo, a situação ultrapassou qualquer limite tolerável: “A precariedade estrutural e o abandono do prédio colocam em risco não apenas o patrimônio documental, mas também a segurança dos vizinhos e o direito de toda a sociedade brasileira de conhecer sua história”.
O MPF destaca que o estado do Rio mantém apenas dois vigilantes por turno, número insuficiente para impedir invasões. “A proteção atual é limitada e ineficaz. Mesmo com vigilância, usuários de drogas seguem entrando e permanecendo no local”, aponta o documento.
Documentos históricos – O acervo reúne aproximadamente 2,9 mil metros lineares de documentos e cerca de 440 mil itens iconográficos, incluindo registros da Polícia Civil das décadas de 1930 a 1960 e materiais do período da ditadura militar. São documentos que podem trazer novas informações sobre desaparecidos políticos, torturas e violações de direitos humanos reconhecidas pela Corte Interamericana.
“O valor histórico desse material é inestimável. Estamos diante de documentos que podem esclarecer violações graves, reconstruir trajetórias de desaparecidos e cumprir decisões internacionais que determinam ao Brasil o dever de preservar sua memória”, destacou.
O procurador lembra que, no Caso Vladimir Herzog, a Corte Interamericana afirmou expressamente que os Estados devem preservar arquivos sobre graves violações. “A deterioração desse acervo compromete não apenas a memória, mas a verdade e a própria democracia”, afirmou.
Necessidade de ação coordenada da União e do estado – Com o pedido, o MPF requer que a União e o estado elaborem, em 30 dias, um plano de trabalho para o tratamento do acervo e iniciem, em 60 dias, as ações concretas de análise e organização dos arquivos. A supervisão técnica deve ser do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O MPF também requer, ainda, reforço imediato da vigilância — com no mínimo dez agentes por turno — e medidas básicas de salubridade, como reparo de janelas, limpeza diária e prevenção de novas invasões. “Enquanto o acervo permanecer no local, é imprescindível que haja uma proteção real e diária. O atual cenário é insustentável”, diz o procurador.
Preservar o acervo é preservar a democracia – Para Julio Araujo, o avanço do processo judicial é crucial para que o país não perca documentos fundamentais para compreender sua própria história. “Sem conhecer e preservar esse passado, continuaremos incapazes de enfrentar práticas autoritárias que ainda persistem. A documentação existente no antigo IML é parte da memória do povo brasileiro”, concluiu.
O pedido reforça que, mesmo com a reversão do prédio já determinada pela Justiça, a União ainda não iniciou medidas concretas. Por isso, o MPF requer que o juízo imponha prazos, obrigações e, se necessário, multa diária para assegurar a proteção imediata do patrimônio.
Ação Civil Pública nº 5098187-12.2025.4.02.5101
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Fonte MPF


