Meio Ambiente
27 de Junho de 2025 às 20h25
Margem Equatorial: MPF pede suspensão de autorização para teste pré-operacional em bloco de petróleo
Decisão do Ibama desconsiderou pareceres técnicos da própria autarquia e violou normas nacionais e internacionais
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O Ministério Público Federal (MPF) apresentou ação à Justiça Federal, nesta sexta-feira (27), para anular o despacho do Ibama que autorizou a Avaliação Pré-Operacional (APO) no bloco FZA-M-59, localizado na Margem Equatorial da foz do Amazonas, no Amapá. Adicionalmente, o MPF pede à Justiça Federal a imediata paralisação de todas as atividades relacionadas a APO – etapa que precede a concessão da licença de exploração de petróleo. O bloco é operado pela Petrobras.
A urgência da medida é justificada pela iminente realização da avaliação pré-operacional sem a realização de estudos aprofundados sobre os riscos ao meio ambiente e às comunidades tradicionais.
O MPF argumenta na ação que a autorização do Ibama violou diversas normas, tanto nacionais quanto internacionais, e desconsiderou pareceres técnicos sobre as insuficiências do licenciamento ambiental. O órgão aponta que a autorização ignorou o princípio da precaução, que impõe a prevenção de danos ambientais mesmo na ausência de certeza científica absoluta.
Além disso, o despacho foi emitido em sentido contrário à análise de 29 analistas ambientais do próprio Ibama, que consideraram o Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF) como insuficiente e com graves omissões. Na ação, o MPF alerta para o caráter técnico do Ibama e a sua função de proteção ao meio ambiente. “O problema é o viés político superar a ciência no que se refere às garantias ao meio ambiente que essa exploração deve possuir”, diz trecho do documento.
Análise técnica – A ação judicial é embasada em laudos técnicos detalhados da equipe pericial do MPF, que abrange as áreas de engenharia química, oceanografia e biologia, bem como em pareceres internos do próprio Ibama. Esses documentos revelam sérias lacunas e problemas de viabilidade nos estudos ambientais apresentados pela Petrobras, que persistem mesmo após revisões.
O MPF argumenta que a decisão do presidente do Ibama desrespeita diretamente a Constituição Federal, a Política Nacional do Meio Ambiente e as resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). A lei que regula o procedimento administrativo é outro dispositivo infringido, dada a evidente violação ao entendimento da área técnica.
Dúvidas persistentes – As análises técnicas também expressam dúvidas sobre a adequação da modelagem de dispersão de óleo para lidar com eventos extremos e os impactos das mudanças climáticas. A modelagem de dispersão consiste em simulações numéricas que preveem o comportamento, a trajetória e o destino de uma mancha de óleo em caso de vazamento no ambiente marinho ou costeiro.
Há dúvidas também sobre a efetividade da capacidade de resposta a vazamentos, os estoques de dispersantes e a capacidade de resgate da fauna, incluindo a megafauna local – mamíferos aquáticos, como peixe-boi e golfinho, e tartarugas, que pesem mais de 50kg. A Petrobras afirmou não haver possibilidade de resgate destes animais, condenando-os aos efeitos da contaminação por óleo e risco de morte.
Precedentes – Na ação, o MPF menciona acidente ocorrido em 2011, durante a perfuração exploratória no bloco FZA-4 pela Petrobras, na Bacia de Santos (SP). Fortes correntes marítimas fizeram com que uma sonda perdesse sua posição, resultando no abandono do poço. Devido às condições climáticas e oceânicas adversas, os procedimentos de abandono do poço e remoção dos equipamentos danificados só puderam ser iniciados quatro dias após o incidente. Na época, o PPAF não existia, e as normas de licenciamento ambiental no Brasil para atendimento à fauna em casos de vazamento de óleo eram deficientes, não seguindo as melhores práticas internacionais.
O MPF enfatiza, ainda, a ausência de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para a bacia da Foz do Amazonas. Esse instrumento é considerado crucial para o planejamento estratégico em áreas ambientalmente sensíveis; sua falta gera incerteza e deficiência técnica significativa no processo de licenciamento. A AAAS foi concebida como um mecanismo de proteção e é de grande relevância para a coletividade.
A ação destaca, adicionalmente, a violação a tratados internacionais com os quais o estado Brasileiro se comprometeu, como a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional (Sítios Ramsar), especialmente em relação ao Estuário do Amazonas e seus manguezais, considerado o maior e mais bem preservado manguezal contínuo do mundo. A ocorrência de vazamento de óleo pode afetar severamente a população com danos à atividade de pescadores e de catadores de caranguejo em todo o litoral banhado pela foz do rio Amazonas.
Outras violações apontadas incluem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do direito de consulta prévia, livre e informada de povos indígenas e comunidades tradicionais, a Convenção de Montego Bay, o Acordo de Paris, e o Princípio da Precaução da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92).
Indígenas e comunidades tradicionais – Acerca dos impactos sociais e aos povos indígenas e comunidades tradicionais, a ação pleiteia que a Petrobras ou empresas por ela contratadas só possam entrar em terras indígenas com a devida autorização da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e com o consentimento dos próprios povos indígenas.
A ação também menciona a possibilidade de impactos decorrentes da pressão sobre o setor aeroportuário e do aumento populacional repentino no município de Oiapoque, ocasionados pela intensa atuação da empresa na região desde pelo menos 2022. Segundo o órgão, isso acarretaria impactos específicos aos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos situados nos limites municipais, a exemplo do risco acentuado de invasões aos territórios tradicionais, que não contam com barreiras naturais ou artificiais de proteção.
O MPF aponta ainda inconsistências na delimitação da área de influência do empreendimento, uma vez que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Petrobras, apesar de identificar impactos potenciais sobre a pesca artesanal nos municípios de Macapá e Santana, no Amapá, não incluiu essas localidades formalmente na área de influência. Nesse sentido, o órgão alerta para o risco de vazamento de óleo decorrente de acidentes com as embarcações, na região da bacia da Foz do Amazonas.
O órgão insiste na obrigatoriedade da realização dos Estudos do Componente Indígena (ECI) e Quilombola (ECQ), dos estudos específicos para as demais comunidades tradicionais e da consulta prévia, livre e informada com essas comunidades. Segundo o MPF, a Petrobras recusou-se a realizar os estudos desconsiderando a Portaria Interministerial 60/2015, que estabelece apenas critérios mínimos para a identificação das comunidades afetadas pelo empreendimento, e não dispensa a avaliação dos impactos reais.
No mérito da ação, o MPF quer que a autorização do Ibama e os atos dela decorrentes sejam anulados em definitivo e que o licenciamento permaneça suspenso sob duas condições. A primeira delas é que sejam cumpridas as exigências do Termo de Referência n.º 23/2014 e da legislação cabível. O documento técnico que define as diretrizes e critérios para a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para atividades relacionadas à exploração e produção de petróleo e gás.
A segunda diz respeito à necessária revisão da área de influência, aos estudos dos componentes indígena, quilombola e ribeirinho situados na área de Influência, e às respectivas consultas prévias, livres, informadas, de boa-fé e culturalmente adequadas a essas comunidades.
Número do processo 1009136-74.2025.4.01.3100
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Fonte MPF