MPF pede condenação do Cremesp por atuação indevida contra médicos que realizaram aborto legal em São Paulo — Procuradoria da República em São Paulo

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Direitos do Cidadão

11 de Dezembro de 2024 às 12h42

MPF pede condenação do Cremesp por atuação indevida contra médicos que realizaram aborto legal em São Paulo

Profissionais foram alvo de procedimentos disciplinares por prestarem atendimento garantido em lei a mulheres vítimas de estupro

Fotografia de um estatoscópio na parede


Foto: Pixabay

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para que o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) seja condenado a indenizar em R$ 500 mil os danos morais coletivos decorrentes de condutas irregulares contra a realização do aborto legal na rede pública de saúde.

De acordo com o MPF, o Cremesp abriu procedimentos disciplinares indevidos contra médicos que efetuaram o procedimento em grávidas com idade gestacional superior a 20 semanas no hospital municipal Vila Nova Cachoeirinha, na capital paulista. Os casos referiam-se a gestações originadas de estupro, nos quais a legislação prevê a possibilidade do aborto, independentemente do tempo de gravidez.

O MPF relata que o Cremesp efetuou uma vistoria no hospital, em dezembro de 2023, e requisitou os prontuários de mulheres que haviam se submetido ao procedimento de aborto legal nos dois meses anteriores. Durante a apuração do MPF, o Conselho não conseguiu demonstrar que havia justa causa para as diligências e instauração de procedimentos ético-disciplinares, tampouco para utilização dos dados sensíveis das pacientes acessados irregularmente. Ao acessar os documentos sem consentimento das pacientes e dos profissionais e utilizá-los para embasar os atos administrativos, a entidade violou o sigilo médico, garantido pela Constituição, pelo Código de Ética Médica e pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Além disso, de acordo com a legislação, os dados pessoais das pacientes deveriam ter sido protegidos pela Secretaria Municipal de Saúde e pelo Cremesp, e não poderiam ter sido utilizados nas sindicâncias e procedimentos do Conselho. A Secretaria teria que ter ocultado os dados pessoais dos documentos antes de disponibilizá-los ao Cremesp, que deveria ter garantido a proteção dos dados em seus procedimentos, o que não ocorreu.

No último dia 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1141/DF, a impossibilidade de utilização de dados sensíveis para instrução de procedimentos éticos disciplinares.

Para o MPF, as condutas do Cremesp constituíram abuso de autoridade e afronta ao devido processo administrativo. A atuação irregular do Conselho atingiu não só os médicos, mas também as mulheres. Com sua intimidade exposta e sob a ameaça de sofrerem punições, elas foram novamente vitimizadas diante das falhas na proteção aos dados pessoais nos atos do Conselho. Ao contrário do que argumentou a entidade em processos disciplinares instaurados, as normas em vigor não atribuem aos médicos a responsabilidade de avaliar os relatos das pacientes, não cabendo ao Cremesp descredibilizar as situações de estupro indicadas nos prontuários para contestar a realização dos abortos.

Dentro da lei – A ação esclarece que existe um procedimento com atendimento multidisciplinar para orientar a vítima de estupro para que ela tenha consciência da decisão sobre a possibilidade de aborto. A equipe de atendimento deve contar com o apoio de psicólogas e assistentes sociais e realizar uma série de avaliações psicossociais, de forma que, ao final, a gestante opta ou não pelo aborto. Uma vez realizado o atendimento e a mulher decidindo pela interrupção da gestação, cabe aos médicos fazerem o procedimento de acordo com os preceitos médicos e não compete ao Cremesp julgar se a mulher sofreu ou não violência sexual.

Para a autora da ação do MPF, a procuradora regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Ana Letícia Absy, o pedido de indenização por danos morais coletivos se justifica pela extensão dos prejuízos que o Cremesp causou. “Tudo isso gerou um dano moral indiscutível aos médicos sujeitos aos processos ético-profissionais indevidos, às pacientes que tiveram seus prontuários médicos devassados e a toda a coletividade de meninas e mulheres que precisam realizar o abortamento legal e ficam desamparadas do atendimento médico necessário, pelo receio gerado entre os profissionais da área médica em realizar o procedimento abortivo, bem como pela criminalização indevida de conduta autorizada no ordenamento jurídico e que configura a melhor prática médica”, afirmou.

Dados do próprio Cremesp revelam a queda na quantidade de abortos legais em hospitais municipais de São Paulo após a instauração das sindicâncias e dos processos disciplinares contra os médicos. Ao longo deste ano, foram 75 procedimentos efetuados na rede, número que alcançou 130 em 2021, 153 no ano seguinte e chegou a 230 em 2023. O início dos procedimentos disciplinares abertos pelo Conselho coincide com a interrupção do serviço no hospital Vila Nova Cachoeirinha pela prefeitura da capital, em dezembro de 2023. Desde então, a unidade, que é referência nesse tipo de atendimento, não retomou a realização do aborto legal.

A legislação autoriza o aborto em quadros de risco à saúde da gestante e anencefalia fetal, assim como nos casos de estupro, mas algumas entidades médicas têm atuado indevidamente contra a realização do procedimento. Em abril deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou uma resolução proibindo profissionais de todo o país de realizar a chamada assistolia fetal a partir de 22 semanas de gestação, quando a gravidez for originada de violência sexual e houver probabilidade de sobrevida do feto.

A assistolia é um procedimento que viabiliza a realização do aborto em gestações avançadas. A norma foi suspensa após uma liminar do STF em ação civil pública do MPF que questionou a legalidade da resolução.

 

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Fonte MPF