Meio Ambiente
1 de Julho de 2024 às 21h15
MPF participa de conferência sobre marco regulatório internacional para combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos
Encontro contou com presença do procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, que atua na temática dos povos tradicionais no município de Dourados (MS)
Foto: Freepik
O uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil e no mundo, as consequências para a saúde humana e para o meio ambiente e as formas de enfrentar o problema, por meio da adoção de um marco regulatório internacional, este para barrar a entrada de produtos já proibidos na Europa, foram alguns dos temas discutidos na Conferência Internacional Rumo a um Marco Regulatório Internacional para Agrotóxicos, realizada no último dia 27, na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). O encontro é uma iniciativa da Aliança Internacional para a Padronização de Agrotóxicos (IPSA), da Fundação Heinrich Böll, do Centro Internacional de Água e Transdisciplinaridade (Cirat), em parceria com os Ministérios Públicos Federal (MPF) e do Trabalho (MPT).
Representando o MPF, participou o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, que atua na temática indígena e de comunidades tradicionais na região de Dourados, Mato Grosso do Sul, e outros membros da instituição.
O Brasil aparece como um dos maiores mercados consumidores do produto do planeta, segundo as informações do Atlas. Em 2010, foram consumidas 384.501 toneladas no país, número que cresceu 87% em 2021, com 720.870 toneladas usadas. Entre os dez agrotóxicos mais vendidos no Brasil em 2021, quatro são proibidos na União Europeia: Mancozebe, Clorotalonil, Atrazina e Acefato. O país ainda permite níveis de contaminação da água bem acima dos padrões internacionais . No caso do feijão e da soja, a lei brasileira permite o uso no cultivo de quantidade 400 e 200 vezes superior ao permitido na Europa. O mercado de agrotóxicos brasileiro movimentou cerca de R$ 101,7 bilhões de reais, e os incentivos fiscais ainda concedidos a esses produtos resultaram numa perda de arrecadação para estados e União da ordem de R$ 12,9 bilhões.
Racismo ambiental – Delfino, que é integrante do do Grupo de Trabalho Agroecologia e Cana-de-açúcar, da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF (4CCR/MPF), enfatizou a necessidade de se enfrentar o racismo ambiental, uma vez que os agrotóxicos impactam de forma desproporcional pessoas vulneráveis, assentados, populações indígenas, quilombolas e tradicionais. Para ele, Poder Público e sociedade civil precisam estabelecer formas de garantir a existência dessas culturas tradicionais, muito afetadas pela proximidade com grandes fazendas e lavouras de monocultura. “Precisamos implementar cada vez mais mecanismos por meio dos quais essas populações possam relatar as violações de que são vítimas e também para que elas possam contribuir para a sensibilização dos legisladores”, afirmou. De acordo com ele, um marco regulatório internacional para o tema pode ser um importante instrumento de defesa dessas populações.
O procurador reafirmou, ainda, a importância de descontinuar ou interromper de forma imediata o uso de agrotóxicos que já tenham correspondentes biológicos. “Hoje existe um rol extenso de substâncias alternativas aos agrotóxicos igualmente eficientes. Os agricultores e, de forma especial, os grandes agricultores, precisam fazer a opção por esses métodos”, destacou. “É fundamental que a sociedade civil e o Poder Público atuem tanto na divulgação dessas alternativas quanto na indução da sua utilização”.
Mobilização e controle social – Para reverter esse quadro e combater o uso indiscriminado desses produtos, é essencial contar com a mobilização da sociedade civil e a participação popular, inclusive nos países europeus. Foi o que defendeu a procuradora regional da República Fátima Borghi, coordenadora-geral adjunta do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos e que também integra o GT Agroecologia. Em sua palestra, ela relembrou o histórico do fórum nacional, criado em 2009 por iniciativa do Ministério Público do Trabalho a partir da experiência do fórum pernambucano de combate aos agrotóxicos. Hoje, o fórum nacional já conta com uma rede de mais de 33 fóruns regionais e estaduais e registra a participação de integrantes do Ministério Público, representantes da sociedade civil, movimentos sociais, órgãos de governo, pesquisadores, entre outros, sob a coordenação geral do MPT, do MPF e da Fiocruz.
O objetivo do fórum é justamente fomentar o controle social e a participação nas discussões relativas ao uso e liberação de agrotóxicos no Brasil. “A participação social é um pilar essencial na construção de uma sociedade mais justa, democrática e sustentável, onde todos tenham a oportunidade de contribuir para a conservação e proteção do meio ambiente”, enfatizou Fátima Borghi. “Envolver a comunidade no processo decisório cria um senso de responsabilidade compartilhada, incentivando as pessoas a adotar práticas sustentáveis no dia a dia e garantindo maior efetividade nas políticas públicas ambientais”, sustentou.
A importância da atuação articulada entre MP e sociedade civil também foi destacada pelo subprocurador-geral do Trabalho Pedro Serafim, coordenador-geral e um dos idealizadores do fórum. Ele lembrou que, em 2014, o Conselho Nacional do Ministério Público inseriu o combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos como parte do planejamento estratégico do MP brasileiro. O órgão também recomendou a atuação resolutiva e preventiva do MP brasileiro, em articulação com a sociedade civil, o que fortaleceu ainda mais iniciativas como a do fórum nacional.
Apesar das consequências graves para o meio ambiente e para a saúde das pessoas, o uso de agrotóxicos vem crescendo em todo o mundo. De acordo com o Altas dos Agrotóxicos de 2024, publicação editada pela Fundação Heinrich Böll com dados de 2020, o consumo global é de 2,6 milhões de toneladas ao ano. Em todo o planeta, são registrados 385 milhões de casos de contaminação de agrotóxicos anualmente.
Carta – Um dos resultados do evento foi a divulgação de uma carta em que os parceiros reforçam a necessidade de revisão da isenção fiscal concedida aos agrotóxicos no Brasil. O documento aponta a necessidade de que a classificação tributária dos agrotóxicos e defensivos seja feita conforme a toxicidade de cada substância, seguindo orientações já estabelecidas por diversas agências das Nações Unidas. A taxação especial compensaria parte dos gastos do Sistema Único de Saúde no tratamento das complicações associadas ao uso dos agrotóxicos, uma vez que, para cada dólar destinado à compra de pesticidas, o SUS é onerado em US$ 1,29. O documento ainda apresenta uma relação dos agrotóxicos que devem ser sobretaxados pelo imposto seletivo.
Com a participação de especialistas, membros do Ministério Público, pesquisadores, parlamentares e representantes da sociedade civil, o encontro parte da premissa de que os regramentos hoje existentes no planeta têm se mostrado insuficientes para combater o uso indiscriminado de agrotóxicos e seus impactos. Além disso, há uma grande assimetria entre as normas adotadas pelos países do Norte Global (em geral, mais rígidas) e do Sul, que contam com leis, normativos e governos mais permissivos. Uma segunda rodada de discussões está prevista para acontecer em Bruxelas, na Bélgica, em outubro deste ano, no âmbito do Parlamento Europeu, com o propósito final de estimular a adoção de um marco regulatório internacional sobre o tema.
Fonte MPF