Meio Ambiente
4 de Setembro de 2024 às 16h10
MPF participa de audiência pública sobre impactos de empreendimentos hidrelétricos no Triângulo Mineiro
Especialistas defenderam que o licenciamento de hidrelétricas precisa considerar toda a bacia e não somente o rio onde a usina será implantada
Foto: Canva
“A água é um bem de domínio público, é um recurso limitado, dotado de valor econômico, e, quando em situação de escassez, deve ser garantido o uso prioritário desse recurso para o consumo humano e a dessedentação de animais. Acho que, quando se fala do projeto da Usina Hidrelétrica de Gamela, é principalmente disso que se trata”, afirmou o procurador da República Gustavo Alcântara Kenner durante audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na última terça-feira (3), em Belo Horizonte (MG).
O objetivo da audiência foi o de se debater o licenciamento desses empreendimentos nas regiões do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro, em especial no que diz respeito à implantação da Usina Hidrelétrica (UHE) Gamela, que está sendo projetada para o rio Paranaíba, em Coromandel (MG).
De acordo com especialistas que participaram do evento, o licenciamento de hidrelétricas precisa de um prévio macroplanejamento que considere toda a bacia hidrográfica envolvida, e não apenas o rio onde será implantada. Paulo dos Santos Pompeu, professor da Universidade Federal de Lavras, defendeu que grande parte das medidas mitigadoras dos impactos desses empreendimentos não tem funcionado no país. Segundo ele, desde que as hidrelétricas começaram a ser construídas, as escadas e elevadores para transposição de peixes para reservatórios têm sido o maior mecanismo de proteção, mas “o ambiente natural do peixe é o rio, não o reservatório” e os mecanismos de transposição não respeitam a dinâmica de migração dos peixes, cujas espécies muitas vezes migram somente em determinadas época do ano e condições de temperatura.
Fragilidades ambientais – O procurador da República Gustavo Kenner Alcântara chamou atenção para a sobrecarga já existente naquela região. “Estamos falando de bacias que já têm um fluxo seriamente comprometido por várias usinas e por várias utilizações, cujos efeitos não são isolados. Por isso é que, especificamente no caso da UHE Gamela, demonstrou-se que haveria impactos que a tornavam inconciliável com a Pequena Central Hidrelétrica de Escada. Ou seja, o processo de licenciamento precisa fazer essa análise de efeitos sinérgicos, porque os impactos imediatos previstos não serão os impactos reais a longo tempo e em toda a bacia”.
O procurador da República lembrou que, em 2021, a Cemig alertou que usina de Emborcação, no município de Nova Ponte, estava operando com níveis próximos ao mínimo de 1%. “Para se ter noção do impacto que é chegar ao nível de água 1% do volume do reservatório, isto representa reduzir o nível da represa em mais de oito metros, o que resultaria na morte certa de mais de 15 milhões de tilápias em criatórios e gaiolas. Ou seja, a gente sabe que estamos vivendo períodos de secas prolongadas em razão das mudanças climáticas e que essa é uma região [Triângulo e Alto Paranaíba] com várias fragilidades ambientais, agravadas, entre outras causas, pelo crescimento dos loteamentos e ocupações irregulares no entorno dos reservatórios, pela destinação irregular de efluentes sanitários irregulares e pelo rebaixamento de nível de reservatórios”.
O representante do MPF também defendeu a utilização de novas fontes energéticas como alternativa à energia produzida pelas hidrelétricas. “As matrizes energéticas do Brasil vêm passando por uma revolução profunda, com a introdução de fontes fotovoltaicas e eólicas, e isso precisa ser levado em consideração quando se fala de projetos de menor escala como esse da UHE Gamela. A cidade de Uberlândia, por exemplo, já é, se não a maior, uma das maiores geradoras de energia fotovoltaica do país, refletindo uma mudança recente, mas com avanços significativos. Então, para fins de perspectiva de futuro, precisamos tratar da expansão das usinas fotovoltaicas e eólicas, que, se também não são isentas de impactos ambientais, causam efeitos muito menos drásticos do que as hidrelétricas”.
Saiba Mais
Proposto em 2013, o projeto da UHE Gamela foi indeferido pelos órgãos de licenciamento ambiental por 10 anos. Retomado em 2023, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) emitiu novo parecer técnico recomendando o indeferimento.
A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), que participou da elaboração do parecer técnico, afirmou que, após quase 10 anos de análise, entenderam que a UHE Gamela deveria ser indeferida, porque o impacto não mitigável sobre espécies de peixe ameaçadas foi considerado muito maior do que os impactos positivos.
Porém, em março deste ano, a unidade regional do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) liberou o empreendimento, inclusive com mudança de posicionamento da Semad, que, nessa reunião, manifestou-se favoravelmente.
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Fonte MPF