Comunidades Tradicionais
25 de Abril de 2025 às 16h35
MPF ouve comunidades de Abaetetuba (PA) sobre ausência de consulta em projeto de porto da Cargill
Reunião do MPF com lideranças foi realizada nesta quarta-feira (23)
Foto: Comunicação/MPF
Lideranças do Projeto de Assentamento Agroextrativistas (PAE) Santo Afonso e de comunidades quilombolas e ribeirinhas do entorno, em Abaetetuba, no nordeste do Pará, confirmaram para o Ministério Público Federal (MPF), nesta quarta-feira (23), que não foram consultadas de forma livre, prévia e informada sobre o projeto de porto da empresa Cargill na área.
A obrigatoriedade da realização da Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) é estabelecida pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tem força de lei no Brasil desde 2004. Pelo descumprimento dessa obrigação e por diversas outras irregularidades, o MPF atua pela suspensão do projeto do porto.
“Não houve consulta. O que houve foi apenas a vinda de representantes de empresas terceirizadas da Cargill, que disseram que o empreendimento iria ser executado e que as comunidades teriam que aceitar isso”, relatou a liderança Dilmaiko Marinho Freitas ao procurador da República Rafael Martins da Silva, que reuniu-se com as comunidades no PAE.
Além de o poder público nunca ter realizado a CPLI, as comunidades apontam assédios praticados por pessoas que tentaram cooptar lideranças e convencê-las de que as consultas poderiam ser realizadas por empresas intermediárias e da forma estabelecida por elas, apontou a coordenadora da unidade local da organização social Cáritas Brasileira, Antônia Botelho.
A liderança Rafaela Costa dos Santos complementa: “O que aconteceu foi novamente, como sempre, historicamente, de chegar um invasor, de não avisar e de usar de má-fé com nossas lideranças. De utilizar empresas terceiras, para fazer entrevista, conversa, e o nosso povo, como sempre acolhedor, acolheu em suas casas. Utilizaram suas imagens, suas vozes para dizer que foram consultados”. Em nenhum momento as comunidades foram consultadas, reforça Rafaela Santos.
Impactos acumulados – Outra preocupação compartilhada entre o MPF e a comunidade apontada à Justiça nos processos relativos ao licenciamento do porto é sobre a falta da medição dos impactos do projeto e dos demais empreendimentos – incluindo outros terminais portuários – da região do polo industrial de Barcarena. Esses são os chamados impactos sinérgicos e cumulativos, ou seja: que se somam e se reforçam com o tempo, ficando cada vez maiores.
Entre os impactos que as comunidades já estão sofrendo, as lideranças destacam a redução da coleta, da caça e da pesca. Também apontam pesquisas que mostram índices de chumbo acima do normal no sangue dos moradores e uma série de infecções nas famílias ribeirinhas, que tomam banho em rios onde são despejados dejetos de tripulações das embarcações de transporte de cargas.
Uma das principais preocupações é com a segurança alimentar e o fim do modo de vida tradicional das famílias. “Aqui 95% dos assentados são pescadores. Se a empresa se instalar aqui, do que vamos viver? Hoje já estamos lutando muito para que as embarcações fiquem longe das margens, porque as balsas são verdadeiros banheiros a céu aberto”, frisa Dilmaiko Freitas.
A liderança João Assunção dos Santos concorda: “Minha preocupação é com quem está nascendo hoje. Será uma geração que não vai saber o que é um peixe. A água já está tão contaminada que não podemos beber nem tomar banho”. Assim como João Santos, diversas outras lideranças denunciaram a falta de políticas públicas que garantam água potável na região. “Nosso povo está morrendo aos poucos”, comenta a liderança Rosicleia Silva Ferreira.
Manutenção da vida – Em vez de impactos que eliminem o modo tradicional de vida das famílias, o que elas querem é que o poder público incentive a ampliação da disseminação desses saberes, explica a liderança João Batista Caripuna Lobato. “Aqui ninguém passa fome. A coleta, a caça e a pesca até sobram: podemos compartilhá-las com os vizinhos e vendê-las. A natureza dá tudo, se mantermos ela em pé. Queremos políticas públicas que valorizem nosso modo de vida”, reivindica.
Segundo a liderança Antônio Nazaré Azevedo Costa, entre as espécies que na região só existem na área do PAE estão macaco guariba, preguiça-real, cotia, veado e peixe-boi. “Nosso anseio é mantermos essa nossa economia responsável, mas estamos sendo violados até pelo Estado. É muita atrocidade tudo o que está acontecendo. São tantas negações de direitos que ficamos até atordoados”, frisa.
“Nós não temos que deixar o galo de fora vir cantar no nosso terreiro. Lutamos muito por este PAE. Dormimos em frente ao prédio do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Não éramos reconhecidos, e agora temos saúde, temos escolas, alunos daqui já se formaram em universidades”, conta a presidente da associação das famílias agroextrativistas do PAE, Raimunda de Jesus Amaral Bahia.
“Habitamos aqui há muitos anos, há muitas décadas, e estamos aqui para afirmar novamente que aqui existem pessoas, aqui existe vida. E nós estamos nessa luta em busca do bem-viver de quem de fato protege a Amazônia e protege, assim, o mundo inteiro”, declara Rafaela Santos.
Informações e parceria – O procurador da República Rafael Martins da Silva compartilhou informações com as lideranças comunitárias sobre o andamento dos dois processos que tramitam na Justiça relacionados a denúncias de ilegalidades no licenciamento ambiental do porto.
Nas duas ações, o MPF busca proteger os direitos das famílias do PAE e das demais comunidades tradicionais da região. Uma das ações questiona a legalidade da apropriação das terras pela Cargill e dos atos administrativos relacionados a essa apropriação. A outra ação visa garantir o direito à consulta prévia. Nesse processo, a Justiça suspendeu a expedição das licenças de instalação e de operação até a realização das consultas.
“Mais que esclarecer dúvidas das lideranças, reuniões desse tipo, feitas presencialmente nos territórios dos povos e comunidades tradicionais são extremamente importantes para que o MPF possa coletar elementos de prova para os processos. Sem que tenhamos esses subsídios das comunidades, o MPF não consegue atuar da maneira mais eficaz. Nosso desejo é que todas as instituições públicas façam visitas às comunidades como parte da rotina de atuação, para que realmente ocorra a escuta aos povos e comunidades tradicionais”, destacou.
Como exemplos de iniciativas de respeito aos direitos das comunidades e povos tradicionais, o membro do MPF citou o escritório de representação fluvial da instituição – que, juntamente com outras três embarcações do MPF no Pará, vem sendo utilizado para a realização de eventos presenciais como o feito no PAE Santo Afonso. Também citou a realização, pela Justiça Federal, de audiência judicial com diálogo interétnico e intercultural na sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), em Belém, em janeiro deste ano. Convocada pela Justiça Federal a pedido do MPF, a audiência resultou na revogação de decisão que determinava que manifestantes indígenas e não indígenas pró-educação deveriam desocupar parcialmente o prédio.
“A presença do MPF aqui afirma a nossa existência, afirma nossos direitos, dá visibilidade à nossa existência. É uma ponte que é construída, reforçada, alicerçada. Uma instituição que vem ao território, que nos oportuniza o poder do diálogo, é algo de que a gente carece nesta região”, concluiu a representante da Cáritas.
Ao final do evento, o MPF foi convidado para participar, de 7 a 9 de novembro, do evento COP das Águas, um dos diversos eventos preparatórios para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), em Belém.
Ministério Público Federal no Pará
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Fonte MPF