Meio Ambiente
25 de Novembro de 2025 às 19h18
MPF obtém suspensão imediata de projeto estadual de créditos de carbono no Amazonas
Justiça Federal determina multa diária de R$10 mil ao governo estadual em caso de descumprimento

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal determinou, nessa segunda-feira (24), a imediata suspensão da implementação do projeto estadual de créditos de carbono/REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) no Amazonas. Em caso de descumprimento, o governo do estado deverá pagar multa diária de R$10 mil.
A ação civil, ajuizada em novembro de 2024, tem o objetivo de anular os atos administrativos irregulares da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema) e impedir a continuidade do projeto estadual que tem gerando atritos e conflitos nas comunidades por ser desconhecido e imposto. Ainda em agosto de 2024, o MPF chegou a expedir recomendação para que fossem suspensas todas as operações, contratos e tratativas de crédito de carbono/REDD+ em territórios indígenas e tradicionais, bem como buscou diálogo com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema/AM). No entanto, o estado do Amazonas continuou o projeto desrespeitando a legislação em vigor.
Na ação, o MPF aponta que o modelo de REDD+ adotado pelo estado não garante os direitos coletivos dos povos indígenas e comunidades tradicionais. A ação cita a declaração assinada durante a Cúpula do G20 de 2024 e mencionadas medidas recentes da União Europeia, que estariam vetando o uso do termo “carbono neutro” com base em créditos sem efetividade.
O MPF apresentou, ainda, pareceres internacionais contrários à comercialização de créditos de carbono sem eficácia comprovada, além de estudos científicos que reforçam os riscos associados à adoção indiscriminada de mercados de carbono e demonstram que menos de 16% dos créditos de carbono emitidos seriam lastreados em reduções reais de emissão. De acordo com a ação, todos esses dados, riscos e problemas graves dos projetos de crédito de carbono / REDD+ devem ser de conhecimento dos povos e objeto de consulta livre, prévia, informada e de boa-fé junto aos povos indígenas e comunidades tradicionais.
Decisão – Com a decisão, estão suspensos os efeitos do edital de Chamamento Público n. 02/2023, publicado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema) – voltado à seleção de empresas para implementação de projetos de REDD+ nas Unidades de Conservação (UC) estaduais. Além disso, fica proibido o ingresso de quaisquer empresas ou agentes públicos vinculados ao edital nas áreas ocupadas ou utilizadas por comunidades tradicionais e povos indígenas. Para tanto, o estado do Amazonas deverá promover as comunicações pertinentes à Sema e às eventuais empresas selecionadas;
A Justiça Federal determinou, ainda, que é obrigatória a consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais e povos indígenas eventualmente ocupantes da área, nos termos da Convenção 169 da OIT, antes da adoção de qualquer medida que os afete diretamente, como os projetos de REDD+ em questão.
Ao fim do processo, o MPF requer, ainda, a condenação do governo do estado ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões, a serem destinados aos povos indígenas e tradicionais afetados pelas medidas irregulares e violadoras de seus direitos no âmbito do projeto de carbono/REDD+ da Sema.
Nota técnica conjunta – A decisão judicial aborda argumentos também ressaltados na “Nota Técnica sobre REDD e compensação de carbono florestal”, publicada no último dia 21 de novembro. O documento foi elaborado em conjunto por pesquisadores, professores universitários e juristas de instituições e universidades do Brasil, Reino Unido, Estados Unidos, Finlândia e Holanda, além de representante de povos indígenas e membros do MPF e das Defensorias Públicas da União, do estado do Pará e do estado de São Paulo.
O documento apresenta um resumo com importantes pontos sobre o tema em todo o mundo, bem como aponta os riscos inerentes aos projetos de compensação de carbono florestal e REDD+, destacando a ineficácia científica e a falta de bases sólidas que comprovem a real compensação de emissões. Alguns pontos do resumo apresentado pela Nota técnica em destaque:
● O REDD é ineficaz: especialistas dizem que a maioria desses projetos de carbono são “essencialmente inúteis”. Eles não resolvem o problema do clima porque permitem que o poluidor continue poluindo;
● É uma ameaça: estudos mostram que os projetos de carbono têm criado uma frente de ameaças à segurança da terra e aos territórios tradicionais por meio da grilagem, intimidação e geração de conflitos internos entre os povos;
● Falta de consulta: a lei internacional (Convenção nº 169 da OIT) obriga que o governo e as empresas consultem os povos de forma livre, prévia, informada e de boa fé;
● Coação e engano: na prática, muitos povos não são informados de verdade sobre o que é o projeto, seus riscos e impactos pela sua longa duração (contratos de 20 a 50 anos ou até mais). Muitas vezes, assinam “um papel” em troca de algum benefício (como fogão, poço ou internet), sem saber que estão cedendo seus direitos sobre a floresta ou que podem até mesmo estar participando de projeto que vai piorar sua situação ou de seu território atual ou no futuro;
● Prioridade real: o foco deve ser a redução imediata da poluição e não a compensação;
● Um caminho direto e simples, com base no princípio ambiental do poluidor-pagador seria basicamente um pagamento direto pela emissão de gases de efeito estufa, que fosse progressivo no tempo, aumentando, com distribuição direta a fundos temáticos com acesso direto e destinações específicas (exemplo: para povos indígenas e comunidades tradicionais; para governos e fiscalização / monitoramento de desmatamento e crimes socioambientais; entre outros).
Por fim, o resumo da nota destaca que, “diante deste cenário de inconsistências e amplas violações de direitos, é necessária uma moratória (suspensão) sobre os projetos e o comércio de créditos de carbono no mundo conforme orientam o relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas e tribais, José Francisco Calí Tzay, apresentada na 23ª Sessão do Fórum permanente da ONU sobre questões indígenas (UNPFII) em abril de 2024 (Rede do Terceiro Mundo, 2024), moratória citada também por Elisa Morgera, Relatora especial da ONU sobre a promoção e a proteção dos direitos humanos no contexto de mudança climática, em 04/11/2025 (Centro de Recursos para Empresas e Direitos Humanos, 2025)”.
A nota ressalta ainda que a vencedora do prêmio nobel da economia em 2019, Esther Duflo, reforça o mesmo entendimento sobre a ineficácia do mercado de carbono como solução para a emergência climática e o uso deste mercado apenas como “maquiagem verde” (ou greenwashing) para permitir que grandes corporações continuem a poluir indiscriminadamente.
Os órgãos e entidades reafirmam que nenhum processo de comercialização de créditos de carbono pode ocorrer sem consulta prévia, livre, transparente, participativa e informada, incluindo explicações claras sobre metodologia, prazos contratuais, riscos econômicos, jurídicos e climáticos, e impactos sobre o modo de vida dos povos envolvidos.
Íntegra da decisão judicial e da nota técnica
Ação civil pública nº 1040956-39.2024.4.01.3200
Consulta processual
Fonte MPF

