MPF obtém indenização de R$ 1 mi para indígenas por ação policial violenta ocorrida em Passo Fundo (RS), em 2018 — Procuradoria da República no Rio Grande do Sul

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Indígenas

21 de Junho de 2024 às 14h25

MPF obtém indenização de R$ 1 mi para indígenas por ação policial violenta ocorrida em Passo Fundo (RS), em 2018

Justiça considerou a operação contra povo Kaingang violadora de direitos humanos, determinando indenizações por danos morais coletivos e individuais

Arte com fundo amarelo, sobre o qual se lê a palavra "Indígenas", com letras brancas.


Arte: Comunicação/MPF

A Justiça Federal do Rio Grande do Sul acolheu pedido do Ministério Público Federal (MPF) em Ação Civil Pública e condenou o estado gaúcho a indenizar indígenas Kaingang em R$ 1 milhão por danos morais coletivos, em razão de ação violenta e abusiva da Brigada Militar (BM) ocorrida em Passo Fundo, no ano de 2018. O estado foi condenado, ainda, ao pagamento de danos morais individuais no valor de R$ 5 mil a cada indígena presente no episódio, além de indenizações que chegam a R$ 30 mil para um grupo de indígenas que teve sequelas físicas mais graves em decorrência da ação.

O evento ocorreu no dia 15 de fevereiro de 2018, quando cerca de 12 famílias Kaingang, num grupo composto por aproximadamente 30 a 40 pessoas, tentou ocupar uma área localizada às margens da rodovia BR-285, com o objetivo de pressionar os órgãos e autoridades responsáveis pela demarcação de terras indígenas. Na ocasião, eles acabaram ultrapassando a faixa de domínio da rodovia federal e ingressaram em uma área contígua à rodovia, conhecida como “Fazenda da Brigada”, que pertence ao estado do Rio Grande do Sul e é administrada pela Brigada Militar (BM).

A repressão policial se deu com o uso de extrema violência, com utilização de munição letal, balas de borracha, lançamento de granadas lacrimogêneas, granadas de efeito moral, granadas de som e luz, e jato direto de pimenta contra o grupo indígena, composto por homens, mulheres, crianças e idosos. Segundo relatório da própria BM, foram registrados 173 disparos de munição antimotim e uso de 19 granadas durante o confronto; além disso, a investigação apontou que houve uso de munição letal.

Relatório elaborado pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS) em conjunto com o Comitê Estadual Contra a Tortura (CECT) revelou que a operação contrariou normas de conduta que disciplinam o uso da força no âmbito da BM, com disparos de balas de borracha a curtas distâncias, à queima-roupa e acima da cintura, inclusive na cabeça e rosto. Os exames periciais só foram providenciados uma semana depois do evento, o que dificultou o esclarecimento dos fatos e a devida apuração de responsabilidades, e somente após intervenção do Ministério Público Federal.

Operação abusiva – A Justiça reconheceu o caráter ilegal e abusivo da operação, refutando a argumentação da BM de que teria agido em legítima defesa, em resposta a um ataque que teria partido dos indígenas. “A ordem de desocupação foi dada sem possibilitar o diálogo ou qualquer negociação com os próprios indígenas e sem procurar manter contato efetivo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para intermediar uma saída pacífica”, narra a decisão.

Concluiu, ainda, que o desencadeamento do conflito e todas as suas consequências são de responsabilidade da BM, ao determinar uma desocupação imediata, com uso da força policial desproporcional, sem ordem judicial e sem possibilitar qualquer tipo de negociação com indígenas que “não causavam, com a ocupação, qualquer risco ou interrupção de serviço público e não apresentavam riscos a outras pessoas”.

Na decisão, acolhendo parcialmente a inicial do MPF, foi reconhecido que a atuação policial violou direitos humanos, “em especial pelas agressões físicas que podem ser consideradas como meio cruel ou degradante e agressões verbais com conteúdo de raça contra todo o grupo e de gênero contra as mulheres durante a ação de retirada do grupo indígena, bem como pela deficiência dos procedimentos de apuração dos fatos e constatação das lesões sofridas pelos indígenas”.

A Procuradora de República Fernanda Alves de Oliveira e o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no RS Enrico Rodrigues de Freitas, responsáveis pelo ajuizamento da ação, destacam a importância da decisão, tanto no aspecto reparatório, como simbólico, ao se reconhecer que a atuação policial abusiva violou direitos humanos por meio de práticas cruéis ou degradantes. Destacam ainda, os autores da ação, que essa também visa constituir mecanismos adequados de atuação estatal que estruturem protocolos aptos a garantir o respeito a livre postulação de direitos, de manifestação e de reunião.

Indenizações – Um indígena, que à época dos fatos tinha 78 anos, recebeu a indenização individual mais alta do caso. Ele teve perda de audição em um dos ouvidos devido a um disparo de bala de borracha, sofreu uma série de lesões corporais em todas as partes do corpo (pernas, braços, abdome, tórax e cabeça), por meio de disparos praticamente à queima-roupa, além de socos e pontapés, chegando a perder os sentidos. O idoso ainda teve seus direitos civis e constitucionais violados por parte da Polícia Civil, recebendo tratamento humilhante e degradante enquanto esteve sob custódia.

Outros quatro indígenas também receberam indenizações específicas por terem sofrido ferimentos graves, alguns inclusive resultantes de uso de arma de fogo.

Os demais presentes na ocasião, inclusive as crianças, devem ser ressarcidos no valor de R$ 5 mil cada. O valor de R$ 1 milhão pelos danos morais coletivos deverá ser destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos e deverá ser aplicado prioritariamente em benefício da comunidade Kaingang. Cabe recurso contra a decisão.

A ação segue agora para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscon) da Justiça Federal, para estruturação de mecanismos e protocolos de atuação tanto do estado e da União, como da Funai, de forma a que situações como esta não tornem a acontecer.

A Ação Civil Pública nº 5005009-62.2022.4.04.7104 está em trâmite perante a 9ª Vara Federal de Porto Alegre.

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Fonte MPF