Criminal
25 de Agosto de 2025 às 17h55
MPF obtém decisões que reconhecem a imprescritibilidade do crime de trabalho análogo à escravidão
Baseada em normas internacionais de direitos humanos, atuação do MPF sustenta imprescritibilidade do crime previsto no art. 149 do Código Penal

Foto: João Ripper/ cedida pela OIT
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) admitiu recursos do Ministério Público Federal (MPF) em dois processos nos quais se discute se o crime de redução à condição análoga à de escravo (artigo 149 do Código Penal) é prescritível, ou seja, se pode deixar de ser punido após o fim do prazo prescricional.
As ações têm origem em fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego no Pará, realizadas em 2003 e 2004, que constataram trabalhadores em condições degradantes: sem acesso a água potável, banheiros ou alojamentos adequados, além de terem direitos trabalhistas negados e contribuições previdenciárias sonegadas.
Com essa decisão, os processos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para análise. O MPF sustenta que o crime é imprescritível por se tratar de grave violação a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Segundo o MPF, a escravidão e suas formas contemporâneas constituem graves violações de direitos humanos e delitos de Direito Internacional com status de jus cogens (normas imperativas). A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de caráter vinculante para o Brasil, firmou que tais crimes não prescrevem. O país reconheceu a jurisdição da CIDH, ao ratificar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
A instituição destaca que o Brasil incorporou a CADH ao ordenamento interno (Decreto nº 678/1992), garantindo-lhe hierarquia supralegal, conforme entendimento do STF (RE 466.343). Assim, as regras prescricionais do Código Penal não podem se sobrepor às normas internacionais que vedam a prescrição de violações graves.
Entenda os casos – Em março, o procurador regional da República Danilo Pinheiro Dias recorreu de decisão da 10ª Turma do TRF1 que reconheceu a prescrição de crime praticado na fazenda Bom Jardim, em São Félix do Xingu (PA), onde 23 trabalhadores foram encontrados em situação análoga à escravidão. Para Dias, considerar o crime prescritível viola a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Constituição Federal e o Código Penal.
Em julho, o TRF1 admitiu os recursos do MPF e destacou a relevância jurídica do tema, já em análise no STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1053, proposta pelo próprio MPF, que busca o reconhecimento de que o crime pode ser processado a qualquer tempo. O pedido inclui liminar para que juízes e tribunais se abstenham de declarar a prescrição até o julgamento final da ADPF.
Em junho, o procurador regional da República Bruno Caiado de Acioli também recorreu contra acórdão da 3ª Turma do TRF1 que declarou a prescrição em caso de condenação de um fazendeiro por manter 118 trabalhadores em condições degradantes. As vítimas viviam em barracos improvisados de galhos e lona, sem água potável ou banheiros, muitas próximas a fornos e fumaça, e tiveram direitos trabalhistas negados e contribuições previdenciárias sonegadas.
Para Acioli, a prescrição da pretensão punitiva do Estado para o crime de redução à condição análoga à de escravo é inadmissível, em razão da existência de normas internacionais já internalizadas e vigentes no ordenamento brasileiro, com status de hierarquia superior (supralegal). Além disso, a imprescritibilidade se impõe por se tratar de violação grave a direitos humanos, conforme decisão da CIDH, proferida no caso da Fazenda Brasil Verde. O TRF1 admitiu os recursos, citando jurisprudência do STJ favorável à tese defendida, bem assim invocando a existência da ADPF 1053/DF.
Histórico dos casos
Maio a setembro de 2004 – Fiscalizações do MTE em três fazendas no Pará identificam 118 trabalhadores em condições degradantes (processo nº 0000453-83.2008.4.01.3901).
Junho e julho de 2003 – Fiscalização em São Félix do Xingu (PA) constata 23 trabalhadores em situação análoga à escravidão (processo nº 0000084-21.2010.4.01.3901).
Abril de 2023 – PGR ajuíza a ADPF 1053 no STF, defendendo a imprescritibilidade do crime de trabalho escravo.
Março de 2025 – PRR1 interpõe recursos contra decisão que reconheceu prescrição no processo nº 0000084-21.2010.4.01.3901.
Junho de 2025 – PRR1 interpõe recursos no processo nº 0000453-83.2008.4.01.3901, sustentando a imprescritibilidade.
18 de junho de 2025 – TRF1 admite recursos no processo nº 0000453-83.2008.4.01.3901.
1º de julho de 2025 – TRF1 admite recursos no processo nº 0000084-21.2010.4.01.3901.
Atualmente – Processos seguem para STF e STJ para análise e julgamento.
Ação penal nº 0000453-83.2008.4.01.3901
Recurso Especial nº 0000453-83.2008.4.01.3901
Ação penal nº 0000084-21.2010.4.01.3901
Recurso Extraordinário nº 0000084-21.2010.4.01.3901
ADPF 1053 (https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6609169)
Fonte MPF