Meio Ambiente
20 de Outubro de 2025 às 9h45
COP30: MPF obtém decisão para readequação socioambiental e climática de portos e hidrovias em Santarém (PA)
Decisão obriga estado e município a incluir estudos de impacto ambiental, climático e consulta prévia em todos os licenciamentos
Imagem Ilustrativa: Arquivo MPF
Em uma decisão considerada um marco para a justiça socioambiental e climática na Amazônia, a Justiça Federal acatou integralmente um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e determinou a readequação completa dos procedimentos de licenciamento para obras de portos e hidrovias em Santarém, no oeste do Pará.
Decretada em dezembro de 2024, a decisão liminar (urgente) obriga o estado do Pará e o município de Santarém a incorporar estudos e relatórios de impacto ambiental (EIAs/Rimas) mais abrangentes, estudos de impacto climático e consultas prévias, livres e informadas (CPLIs) aos povos e comunidades tradicionais potencialmente afetados pelos empreendimentos.
A atuação do MPF, por meio de uma ação civil pública, representa uma resposta direta a um histórico de irregularidades e deficiências nos licenciamentos ambientais que ameaçam ecossistemas vitais e os modos de vida de populações que dependem diretamente dos rios e florestas da região.
A pescadora Francilourdes Gonçalves dos Santos, do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), relata que os impactos já estão afetando diretamente o dia a dia das comunidades. “É uma violação enorme aos nossos direitos, ao nosso modo de vida, à nossa soberania alimentar. Já perdemos áreas de pesca para portos, e a contaminação por óleo gerado pelas barcaças e o assoreamento que resulta das escavações tornam cada vez mais escassa a pesca”, relata. “Já não podemos mais beber a água do rio, e a contaminação também afeta pequenos agricultores”, conta.
A coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita), Margareth Maytapu, reforça esses alertas sobre
os impactos aos povos e comunidades tradicionais. “Eles prejudicam a nossa saúde, o nosso meio ambiente, os nossos territórios. Não queremos algo que venha para nos matar. O nosso rio é importante, a nossa floresta é importante, o nosso território em si é importante, porque é lá que nós vivemos. Só sabe do nosso território quem convive lá. Só quem sabe o que nós passamos somos nós que vivemos lá”, enfatiza.
“Então, é por isso que nós, enquanto Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns, sempre pedimos: nós precisamos ser consultados. Nós precisamos que essa lei, da Consulta Prévia, Livre e Informada seja, de fato, cumprida. Nós precisamos ser ouvidos. Nós precisamos saber o que vem para nos afetar, o que vem para ser bom para nós e o que vai ser ruim. Então, é por isso que nós defendemos muito a questão da consulta, da Consulta Prévia, Livre e Informada, do protocolo de consultas”, destaca.
A iniciativa do MPF surgiu da constatação de que a expansão portuária em Santarém, impulsionada pela consolidação do Corredor Logístico Tapajós-Xingu para escoamento de grãos, vinha ocorrendo sem a devida análise de seus impactos, incluindo a análise da soma e da interação dos impactos. Um estudo da organização Terra de Direitos, citado na ação, revelou que o número de portos no Tapajós dobrou em dez anos, com ao menos metade operando com irregularidades no licenciamento.
O procurador da República Vítor Vieira Alves, responsável pelo caso, apontou que os órgãos ambientais estaduais e municipais vinham aprovando empreendimentos sem exigir o Eia/Rima completo e, principalmente, sem realizar a Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) às comunidades afetadas, como determinam a Constituição Federal e tratado internacional. Essa falha sistemática resultava em graves danos socioambientais, aumento de conflitos fundiários e poluição de corpos d’água essenciais, como o Lago do Maicá.
A Justiça Federal concedeu integralmente a liminar pedida pelo MPF. Com isso, o estado do Pará e o município de Santarém estão obrigados a:
• realizar EIA/Rima abrangente: os estudos devem analisar os impactos sobre territórios indígenas e quilombolas localizados a até 10 km do empreendimento, além de consultar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sobre outras áreas afetadas, independentemente da distância;
• incluir a análise climática: os estudos deverão avaliar os impactos cumulativos e sinérgicos das obras sobre o clima, apresentando medidas de mitigação, adaptação e criação de sumidouros de carbono; e
• conduzir a CPLI: a consulta deve ser feita pelo poder público (e não pela empresa interessada), de boa-fé, seguindo os protocolos das próprias comunidades, antes da emissão de qualquer licença. Esse direito é garantido a todos os povos e comunidades tradicionais, independentemente da demarcação oficial de suas terras.
Essa decisão protege diretamente os direitos de indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos e todas as comunidades tradicionais de Santarém, assegurando seu direito a um meio ambiente equilibrado, à CPLI, à autodeterminação e à proteção de seus territórios e culturas.
Esta vitória judicial ocorre em um momento estratégico, enquanto o Pará se prepara para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30). A decisão materializa os debates sobre justiça climática, demonstrando, na prática, como proteger a Amazônia e seus povos é fundamental para a agenda climática global.
O procurador da República Vítor Vieira Alves avalia a importância da iniciativa no contexto da conferência:
Para o membro do MPF, garantir estudos climáticos e o direito de consulta dos povos tradicionais não é um obstáculo, mas a própria essência da ação climática eficaz e justa. “Proteger o clima passa, necessariamente, por proteger os direitos dos guardiões da floresta e por responsabilizar o poder público e o setor privado por cada etapa de seus projetos”, avalia Vieira Alves.
A ação do MPF e a subsequente decisão judicial estabelecem, assim, um precedente vital que pode influenciar políticas públicas em toda a Amazônia, fortalecendo a governança ambiental e garantindo que o desenvolvimento econômico não ocorra à custa da destruição do maior bioma tropical do planeta e da violação dos direitos de seus povos.
Em setembro deste ano, o MPF protocolou um novo pedido à Justiça Federal para garantir o cumprimento integral da decisão liminar obtida em dezembro de 2024. O MPF pede que o estado do Pará e o município de Santarém sejam intimados a comprovar, no processo judicial, o efetivo cumprimento da decisão. O objetivo é assegurar que as obrigações socioambientais e climáticas estão sendo obedecidas, especialmente nos processos de renovação de licenças de portos já em operação.
No pedido, o MPF reforça que a decisão judicial foi explícita ao determinar que a avaliação dos impactos climáticos e a realização da CPLI não se restringem a novos empreendimentos. Essas exigências devem ser obrigatoriamente cumpridas também antes da renovação das licenças de operação dos portos existentes, momento considerado crítico para reavaliar os impactos cumulativos e garantir a adequação dos projetos à legislação.
A urgência do pedido se justifica pela iminência do vencimento das licenças de operação de alguns dos portos mais emblemáticos da região. Segundo levantamento apresentado pelo MPF, as licenças de empresas como a Cargill Agrícola e a Atem’s Distribuidora de Petróleo (ambas já alvos de ações anteriores do MPF por irregularidades socioambientais) expiram em novembro de 2025.
Assim, eventual descumprimento da liminar configuraria violação não apenas de ordem interna, mas também de compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro”, alerta o MPF.
Dessa forma, a atuação do MPF busca garantir que, já nesses processos de renovação, as empresas sejam obrigadas a realizar os estudos de impacto climático e que o poder público conduza a consulta prévia às comunidades tradicionais afetadas, conforme determinado pela Justiça, antes de autorizar a continuidade de suas operações.
“A decisão judicial já estabeleceu de forma expressa que a consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais deve ocorrer antes da renovação da licença de operação, o que vincula a atuação dos órgãos licenciadores e impede que a mera formalidade administrativa substitua o cumprimento efetivo desse direito, reconhecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.
Contagem regressiva – Até o dia 9 de novembro, véspera do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará, serão publicadas 50 matérias sobre a atuação do Ministério Público Federal na proteção do meio ambiente, das populações mais vulneráveis e dos direitos humanos. A ação de comunicação faz parte da campanha MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos.
Acompanhe a contagem regressiva diariamente, no nosso site!
*Reportagem: Comunicação/MPF/PA
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Fonte MPF