Comunidades Tradicionais
4 de Junho de 2024 às 16h35
MPF obtém decisão para que Incra conclua a titulação do território quilombola de Ilha de Maré (BA)
União deve supervisionar o cumprimento do processo administrativo, iniciado em 2008, que teve concluída apenas a etapa de publicação do RTID
Arte: Comunicação/MPF
O Ministério Público Federal (MPF) conseguiu decisão judicial que condenou o Instituto Nacional de Colonização da Reforma Agrária (Incra) a concluir, em seis meses, as etapas faltantes do procedimento de titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombos de Ilha de Maré, em Salvador (BA). A sentença, expedida em abril pela Justiça Federal, determina que a União deve supervisionar o atendimento da ordem e é responsável solidária pelo pagamento da multa diária de R$ 20 mil em caso de descumprimento.
De acordo com a ação civil pública, ajuizada pelo MPF em 15 de julho de 2017, o direito das comunidades (Bananeiras, Porto dos Cavalos, Maracanã, Martelo, Praia Grande e Ponta Grossa) abrangidas pelo território de Ilha de Maré ainda não foi efetivado devido à omissão do Incra e da União em proceder às medidas necessárias ao reconhecimento, à demarcação e à titulação das terras.
O processo administrativo foi iniciado pelo Incra em 2008, porém, segundo o MPF, em março de 2017, apenas a fase de elaboração e publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) havia sido concluída. Após mais três anos, em outubro de 2020, somente havia sido executada a publicação do edital de notificação dos não quilombolas, não havendo nenhuma informação a respeito de outros andamentos.
Segundo normativa do Instituto, o procedimento prevê, ainda, as etapas de: recepção, análise e julgamento de eventuais contestações apontadas pelos notificados; aprovação definitiva do RTID e publicação da portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola; desintrusão de ocupantes não quilombolas mediante desapropriação ou pagamento de indenização e demarcação do território; e emissão do título de propriedade coletiva às comunidades quilombolas.
O MPF considera que a atuação falha da autarquia e da União ocasiona uma situação de instabilidade, exposta pelos casos de conflitos fundiários denunciados durante a apuração feita no inquérito que embasou a ação civil. Além disso, a falta de titulação dificulta a prestação de serviços públicos, como saneamento básico, e compromete, inclusive, a integridade física, territorial e cultural das comunidades quilombolas de Ilha de Maré.
Impactos da exploração de óleo e gás – As comunidades quilombolas têm sido afetadas, ainda, pela atividade das empresas de exploração de petróleo e gás natural instaladas na região dos municípios de Candeias, São Francisco do Conde e Salvador. Em reunião realizada em 9 de junho de 2023 pelo MPF, representantes da comunidade Bananeiras informaram que o impacto dos 14 poços de extração de gás natural instalados dentro das áreas quilombolas não é sentido somente pelos moradores em que estão localizados os poços.
“A contaminação dos peixes gera prejuízos a todas as comunidades, vez que todas elas vivem primordialmente da pesca; é necessário medir os índices da contaminação da água e do ar em razão das atividades desenvolvidas não só pela 3R, mas também pela Petrobras e pela Acelem, que possui uma refinaria em Candeias”, afirmou um dos representantes. Segundo ele, por vezes é possível perceber que o sabor dos peixes (notadamente a tainha) foi alterado e tem o gosto que lembra gás.
Políticas públicas – Integrantes da comunidade quilombola de Ilha de Maré também criticam o fato de todos os serviços públicos serem oferecidos apenas para a comunidade em Praia Grande, enquanto que outras ficam desguarnecidas. “É urgente a necessidade de pavimentação das estradas e das trilhas que ligam as comunidades; atualmente esses caminhos e ruas se encontram em uma situação dramática, com muita lama”, destacaram. Segundo os representantes na reunião, quando a maré está alta os moradores não têm outra alternativa senão enfrentar a lama para se deslocar dentro da ilha e ter acesso, por exemplo, aos serviços de saúde oferecidos em Praia Grande.
Encaminhamentos extrajudiciais – Em paralelo ao andamento da ação civil para a titulação do território, o MPF segue acompanhando as comunidades e buscando soluções junto às empresas e aos entes públicos para suas necessidades. Como encaminhamentos da reunião de junho de 2023, o MPF oficiou o Município de Salvador para que informasse sobre a elaboração do Plano Urbanístico de Ilha de Maré. Também foi solicitado ao MP do Estado da Bahia cópia do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado para a regularização do licenciamento ambiental do Porto Organizado de Aratu-Candeias e para a adoção de medidas mitigadoras, reparatórias e compensatórias dos impactos ambientais, em benefício do meio ambiente, da saúde e da segurança das comunidades residentes na Ilha de Maré e no seu entorno.
O procurador da República Marcos André Silva requisitou, ainda, que a empresa 3R Petróleo prestasse esclarecimentos acerca das medidas tomadas em decorrência dos impactos listados no “Estudo do Componente Quilombola – Sistema Candeias”, e que o Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) informasse se já ocorreu a renovação da licença de operação da empresa 3R, bem como se está prevista a realização de consultas prévias às comunidades tradicionais tendo em vista os impactos listados no Estudo.
Em setembro, após nova reunião com representantes das comunidades tradicionais da Ilha de Maré, em setembro de 2023, o MPF oficiou o governador do Estado da Bahia, o presidente do Comitê de Fomento Industrial de Camaçari e o presidente da Acelen, empresa criada pelo grupo Mubadala Investment Company para a administração da Refinaria de Mataripe (antiga Refinaria Landulpho Alves), para que atendam às reivindicações das comunidades tradicionais da Ilha de Maré e garantam a implementação do Plano Geral da Ilha de Maré e Planos Locais, de forma conjunta e com total aporte de recursos materiais, financeiros e humanos.
Titulação de territórios tradicionais – O direito de remanescentes das comunidades dos quilombos à propriedade de suas terras está previsto na Constituição Federal e deve ser executado em prazo razoável à garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, e o processo de regularização fundiária deve considerar critérios de territorialidade indicados pela própria comunidade. Apesar disso, conforme dados oficiais publicados pelo próprio Incra, desde 2004, apenas 22 territórios foram titulados, enquanto existem 1.857 processos de regularização abertos, sendo 371 só na Bahia.
Ata da reunião de 9 de junho de 2023
Ação Civil Pública n.º 1054016-75.2021.4.01.3300
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Fonte MPF