Patrimônio Cultural
10 de Julho de 2025 às 17h4
MPF obtém decisão liminar para proteger toca escavada por animais pré-históricos gigantes em Minas Gerais
Liminar determina que Iphan reavalie tombamento de paleotoca ameaçada por projeto de mineração, afastando critério de “apropriação humana”
Foto: Divulgação MPF
O Ministério Público Federal (MPF) obteve decisão liminar na Justiça Federal para garantir a proteção da paleotoca AP-38, considerada a maior cavidade pré-histórica de Minas Gerais, localizada no município de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A determinação, concedida no âmbito de ação civil pública ajuizada pelo MPF em 2024, obriga o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a instaurar procedimento administrativo para avaliar o valor natural, histórico e cultural da cavidade.
As paleotocas são estruturas subterrâneas, como tocas ou cavernas, escavadas por animais pré-históricos da megafauna, incluindo preguiças gigantes e tatus, por exemplo. A AP-38 está sob grave ameaça de deterioração ou completo desaparecimento devido à proximidade com as cavas do Projeto Apolo, da mineradora Vale, em processo de licenciamento pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad). O projeto prevê, inclusive, o uso de explosivos em rochas e terrenos, o que representa um risco potencialmente irreversível à integridade da cavidade.
O MPF ajuizou a ACP após o Iphan negar pedidos de tombamento da paleotoca AP-38, justificando a negativa com base em sua Portaria nº 375/2018. Essa portaria restringe o tombamento de sítios paleontológicos à identificação de “apropriação humana”. Para o MPF, tal restrição é de “manifesta inconstitucionalidade e ilegalidade”, pois limita indevidamente a proteção dada ao patrimônio cultural pelo artigo 216 da Constituição Federal e pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 25/1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
O MPF argumenta que o patrimônio paleontológico é um bem cultural “mesmo que identificada apenas a ação da natureza em sua formação”, e que a “apropriação humana” deve ser entendida como a pesquisa, o estudo e a descoberta que tais objetos proporcionam à humanidade. O MPF também demonstrou que o próprio Iphan já tombou outros sítios paleontológicos e históricos estritamente naturais, sem sinais de “apropriação humana”, como a Floresta Fóssil do Rio Poti (PI), a Ilha do Campeche (SC) e o Parque Nacional da Serra da Capivara (PI). Em 2023, o MPF já havia recomendado ao Iphan a revisão dos processos de tombamento da cavidade AP-38, solicitando que o critério de apropriação humana fosse afastado.
A decisão liminar reconheceu a existência do perigo de dano à estrutura em decorrência do projeto minerário. A decisão afirma que o posicionamento do Iphan de negar a avaliação da paleotoca com base na apropriação humana não se sustenta e “limita, de forma indevida, o dispositivo protetivo contido no art. 216 da Constituição Federal”.
O Iphan fica obrigado a instaurar, no prazo de 10 dias, um procedimento administrativo destinado a avaliar o valor natural, histórico e cultural da paleotoca AP-38. O resultado dessa avaliação, seja pelo tombamento ou pela adoção de outras medidas protetivas, deverá ser apresentado em até 180 dias.
Patrimônio ímpar – Com 340 metros de comprimento, a paleotoca AP-38 é um registro raro e de valor científico e histórico inestimável. Trata-se da única cavidade de sua categoria conhecida em Minas Gerais a apresentar sinais de ter sido escavada por uma preguiça gigante de dois dedos, que podia medir até seis metros de comprimento. O estudo dessas paleotocas é uma fonte importante de informação sobre a megafauna extinta, contendo fósseis, marcas de garras e impressões de carapaças, chamadas icnofósseis, que podem remeter a 12 milhões de anos. A classificação da cavidade como paleotoca foi tecnicamente confirmada por estudos das Universidades Federais de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul.
Entenda o critério de apropriação humana – O critério de apropriação humana é uma condição estabelecida na Portaria nº 375/2018 do Iphan. Segundo essa portaria, o tombamento de sítios paleontológicos somente deve ocorrer se, e quando, for identificada a ocorrência de “apropriação humana” do espaço. Na prática, o Iphan interpreta essa condição como a necessidade de sinais de interação ou uso humano para conceder a proteção federal a esses bens.
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Fonte MPF