Comunidades Tradicionais
19 de Novembro de 2025 às 17h55
MPF/MS solicita Anistia Política para a Comunidade Quilombola Família Jarcem
Reparação das violações históricas sofridas por populações negras rurais

Foto: Arquivo PR/MS
O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS) protocolou, nesta quarta-feira (19/11), um significativo pedido junto à Comissão de Anistia, solicitando o reconhecimento da Anistia Política em favor da Comunidade Quilombola Família Jarcem, originária da antiga região da Barra Mansa, em Rio Brilhante (MS).
A iniciativa representa um dos mais importantes movimentos do Estado Brasileiro no sentido de reconhecer e reparar as violações históricas sofridas por populações negras rurais. O processo reúne uma vasta documentação, incluindo relatos e análises técnicas que detalham mais de um século de perseguições, expulsões violentas e outras violências sistemáticas contra a comunidade.
A trajetória da Família Jarcem, descendente do casal Joaquim Cândido Jarcem e Belisária da Conceição Jarcem, é um caso emblemático do impacto do racismo estrutural e das políticas fundiárias excludentes vigentes desde o final do século XIX. Estudos antropológicos confirmam que, na Barra Mansa, a comunidade estabeleceu um território tradicional quilombola consolidado, baseado na autonomia e organização familiar, que antecedeu as estruturas burocráticas rurais modernas.
Contudo, a expansão da lógica de concentração de terras gerou pressões e ameaças, culminando em expulsões forçadas, executadas com a participação de fazendeiros e agentes públicos da época, como delegados de polícia e oficiais de justiça. O MPF/MS classifica essa articulação como graves violações de direitos humanos e atos análogos a crimes contra a humanidade.
As ações de violência detalhadas no documento do MPF/MS incluem a destruição de moradias, o abandono de bens e o lançamento de moradores em regiões inóspitas, gerando a dispersão forçada e a perda da base produtiva e dos saberes tradicionais.
Em sua manifestação, Lucas Jarcem, Presidente da Comunidade Quilombola Família Jarcem, enfatizou a natureza da agressão sofrida: “Fomos arrancados da Barra Mansa — nosso território ancestral — por meio de violência, perseguição e injustiças cometidas em conluio entre agentes públicos e interesses privados. O que ocorreu com nossos antepassados não foi apenas uma disputa por terra. Foi uma tentativa de destruir nosso modo de vida, nossa autonomia, nossa cultura e nossas famílias”.
O requerimento de anistia destaca que as violações sofridas são imprescritíveis, por se tratarem de graves violações a direitos humanos. O MPF/MS argumenta que houve motivação política nas perseguições e que o Estado, por ação e omissão, contribuiu para a desterritorialização prolongada da comunidade. Lucas Jarcem complementou o significado do pedido, afirmando que a anistia: “Representa a reafirmação de nossa dignidade, a validação de nossas memórias e a reparação de dores que atravessaram gerações. […] A anistia que buscamos não é para apagar o passado, mas para iluminá-lo. Para que o Brasil reconheça, de forma clara e inequívoca, que o que vivemos foram graves violações de direitos humanos”.
Especialistas no tema concordam que a concessão da anistia à Família Jarcem pode se tornar um marco nacional de reparação, pois corrige um século de injustiças, fortalece o processo de regularização fundiária do território da Barra Mansa e reforça a preservação cultural da comunidade. O próprio Lucas Jarcem ressaltou o impacto dessa reparação: “A anistia política da Família Jarcem é um passo fundamental para a reconstrução do que nos foi tirado à força: o direito de existir plenamente em nosso território, de viver com autonomia”.
A luta da Comunidade Quilombola Família Jarcem, que se organiza desde 2007, busca a reconstrução de seu território e o fortalecimento de sua identidade. A decisão da Comissão de Anistia é, portanto, aguardada como um momento crucial que pode corrigir uma dívida histórica e inaugurar um novo ciclo de justiça, reconhecimento e reconstrução para a comunidade e para todas as populações tradicionais do Brasil. O Presidente da Comunidade concluiu com uma mensagem de união e determinação: “Este pedido não é apenas da Família Jarcem. É de todas as comunidades quilombolas que há séculos lutam para que o Estado reconheça o que sempre foi nosso por direito. […] A Barra Mansa vive em nós. A memória dos nossos nunca será apagada. E nossa luta só termina quando a justiça for plena”.
O Presidente da Comunidade Quilombola Família Jarcem, Lucas Mizael Jarcem Gomes, e a Presidenta do Instituto Sócio Cultural Dandara e Coordenadora da CONAQ/MS, Adriane da Silva Soares, assinam conjuntamente o documento.
Fonte MPF


