MPF mira plataformas digitais para frear garimpo ilegal de ouro na Amazônia — Procuradoria-Geral da República

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Meio Ambiente

10 de Outubro de 2025 às 12h15

COP30: MPF mira plataformas digitais para frear garimpo ilegal de ouro na Amazônia

Projeto Rede Sem Mercúrio já resultou na retirada de milhares de anúncios ilegais das plataformas

Foto aérea de leito de rio com dragas de garimpo ilegal incendiadas


Foto: Polícia Federal, com adaptações

A guerra contra o garimpo ilegal na Amazônia ganhou um novo e estratégico campo de batalha: o ambiente digital. O Ministério Público Federal (MPF), por meio do projeto Rede sem Mercúrio, está desarticulando uma das importantes vias de abastecimento dos garimpos clandestinos: a venda do mercúrio líquido em plataformas de e-commerce. 

Lançado em fevereiro de 2024, o projeto já apresenta resultados concretos, como a remoção de milhares de anúncios ilegais, a interrupção de ofertas recorrentes e a revisão de políticas internas das empresas. A atuação do MPF também resultou na expedição de recomendações e na celebração de termos de ajustamento de conduta (TACs) com as maiores empresas de comércio eletrônico atuantes no país, como Mercado Livre, OLX, Facebook/Instagram, B2Brazil, Alibaba.com e YouTube/Google Brasil. O órgão acompanha o cumprimento das obrigações por meio de verificações periódicas.

O projeto nasceu a partir de uma investigação do 2º Ofício Socioambiental da Amazônia Ocidental do MPF, especializado no enfrentamento da mineração ilegal nos estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia. Foram identificados milhares de anúncios ativos de venda de mercúrio em diversos ambientes digitais. Esses anúncios eram amplamente acessados por usuários que compravam o produto e o destinavam a regiões da Amazônia com intensa atividade de garimpo ilegal.

Rastro de destruição

Dados de inteligência do MPF confirmaram que o mercúrio utilizado nessas operações entra no Brasil principalmente por contrabando, com a China como principal país de origem. As plataformas digitais funcionam como facilitadoras desse comércio ilegal que alimenta uma cadeia de crimes ambientais e sociais, incluindo o desmatamento, a contaminação de rios e as ameaças diretas à saúde de populações indígenas e de comunidades tradicionais.

O impacto dessa atividade no território amazônico é expressivo. De acordo com análise da cobertura e do uso da terra no Brasil realizada pelo Projeto MapBiomas – Coleção 8, o país registrou, em 2022, cerca de 263 mil hectares ocupados por garimpos, sendo 92% concentrados na Amazônia. Mais alarmante ainda: 77% dessas áreas estão localizadas próximas a corpos d’água, o que aumenta significativamente os riscos de poluição por mercúrio e de danos irreversíveis aos ecossistemas aquáticos da floresta.

Foto aérea de área da floresta amazônica destruída pelo garimpoO procurador da República André Porreca, titular do 2º Ofício Socioambiental da Amazônia Ocidental e responsável pelo projeto Rede Sem Mercúrio, explica que “a atuação do MPF tem sido estratégica e se baseia na responsabilização dos agentes da cadeia ilícita, na indução de mudanças nos padrões de governança das plataformas e na efetiva implementação da Convenção de Minamata, um tratado internacional que impõe a eliminação progressiva do uso de mercúrio em atividades extrativistas”. 

Essa estratégia está alinhada com a intensificação da presença do órgão na Região Norte nos últimos anos. Em 2022, o MPF criou 30 ofícios especializados para atuar na questão socioambiental da Amazônia, sendo dez deles com atribuição exclusiva, como é o caso do ofício que desenvolve o projeto Rede Sem Mercúrio.

Investigações criminais

Além da atuação cível, o projeto Rede Sem Mercúrio resultou na instauração de procedimentos criminais para investigar a responsabilidade penal dos usuários envolvidos na compra e na venda de mercúrio, além de anunciantes e compradores de mercúrio nas plataformas OLX, Instagram e Facebook. Já foram autorizados pela Justiça pedidos de busca e apreensão e de afastamento de sigilos telefônico e telemático para a obtenção de provas.

Combater o garimpo ilegal é proteger o clima, a saúde das populações expostas ao mercúrio, a biodiversidade e os direitos coletivos das comunidades tradicionais. Trata-se de uma resposta do Estado brasileiro à altura da gravidade dos desafios ambientais globais”.

André Porreca, procurador da República

Também está em andamento uma investigação preliminar que apura a ocorrência de comércio de mercúrio na plataforma Shopee, supostamente para fins religiosos, mas com indícios de desvio para garimpos ilegais.

Porreca avalia que a coordenação entre os instrumentos cíveis extrajudiciais e a repressão penal demonstra que o ambiente virtual não é ‘terra de ninguém’. Ele ressalta que a atuação do MPF tem sido primordial para proteger o meio ambiente, a saúde pública e o patrimônio da União, pautas centrais para as discussões globais da COP30.

Acordos celebrados no Projeto Rede Sem Mercúrio
Mercado Livre: Celebrou um TAC com vigência de três anos e disponibilizou uma ferramenta própria para denúncias de anúncios, que devem ser removidos em até 24 horas. A empresa se comprometeu a atuar de forma proativa, usando inteligência artificial para identificar e remover anúncios semelhantes. Não há mais anúncios ativos.
OLX: Assinou um TAC com vigência de três anos para proibir a comercialização de mercúrio. A empresa se comprometeu a usar filtros automatizados e análise humana para identificar e remover anúncios com termos específicos em até 72 horas. Não há mais anúncios ativos.
Facebook (incluindo Instagram): Acatou integralmente a recomendação do MPF, e não há mais anúncios ativos. A investigação constatou o uso do Marketplace e de grupos da rede social para abastecer garimpos ilegais.
Alibaba.com: Acatou integralmente a recomendação e não possui mais anúncios ativos. Atualmente, um TAC está em negociação para formalizar compromissos semelhantes aos pactuados com outras plataformas.
B2Brazil: Firmou um TAC com vigência de cinco anos, comprometendo-se a usar todos os meios técnicos para prevenir a inserção de anúncios de mercúrio. A empresa tem cumprido regularmente o acordo.
YouTube/Google Brasil: Após recomendação expedida pelo MPF, o Google realizou, em agosto deste ano, a remoção de 12 vídeos que veiculavam o comércio de mercúrio metálico na plataforma YouTube, que deve adotar comportamento atento e proativo, por meio de mecanismos de controle eficazes, para identificar e coibir a disseminação de conteúdos ilícitos que podem violar os direitos fundamentais.  
 (em andamento) Global Sources, Focus Technology (Made-in-China): A recomendação do MPF foi integralmente acatada e não há mais anúncios ativos. A plataforma se comprometeu a remover os anúncios, caso novamente inseridos. Além disso, os sistemas de verificação de conteúdo foram aprimorados.

“A experiência dessa atuação pode ser replicada para combater outras ilicitudes digitais, como o tráfico de animais silvestres e a venda de medicamentos proibidos. A iniciativa consolida um novo modelo de atuação ministerial diante da criminalidade digital, focado em ações proativas, controle de legalidade, responsabilização objetiva e cooperação institucional”.

André Porreca, procurador da República titular do 2º Ofício Socioambiental da Amazônia Ocidental 

MPF atua para fortalecer legislação contra o mercúrio

Em paralelo à sua atuação contra o comércio online de mercúrio, o MPF também tem se mobilizado para fortalecer a legislação ambiental em outras frentes. O órgão recomendou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão que controla o comércio de mercúrio no Brasil, a modificação da Instrução Normativa nº 26/2024 para proibir integralmente a importação, comercialização e revenda de mercúrio metálico para qualquer atividade minerária na Amazônia.

Imagem aérea de uma draga de garimpo no leito de um rio cercado por floresta
Foto: Gemini

A instrução atual, embora proíba o comércio de minérios, ainda abre exceção para pessoas físicas com licença ambiental, o que o MPF considera um “verdadeiro retrocesso ambiental”. O órgão defende que a vedação deve ser aplicada a qualquer pessoa, física ou jurídica, independentemente de possuir licença ou permissão.

Além disso, o MPF também expediu uma recomendação ao governo do Amazonas para que revogue as leis estaduais que ainda permitem, de forma limitada, o uso de mercúrio no garimpo. Segundo o MPF, essas normas estaduais contradizem a Convenção de Minamata, além de violar a Constituição Federal e os princípios do Direito Ambiental.

O governo estadual atendeu à recomendação e revogou as normas, após decisão unânime do Conselho Estadual do Meio Ambiente no Amazonas (Cemaam), que recomendou a criação de uma Câmara Técnica Temporária para a elaborar uma nova resolução mais adequada, com parâmetros tecnológicos que contemplem a legislação vigente e busquem a substituição do mercúrio.

A investigação que motivou esta atuação do MPF revelou uma contaminação expressiva de mercúrio no meio ambiente e em seres humanos nos estados da Amazônia Ocidental. Relatórios e estudos científicos indicam níveis alarmantes da substância na água, no solo e em peixes, com concentrações acima do limite aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esses dados mostram que a contaminação atinge populações indígenas e ribeirinhas e se propaga para além das áreas de garimpo, comprometendo toda a cadeia alimentar. O mercúrio é uma das dez substâncias químicas mais perigosas para o ser humano, afetando principalmente o sistema neurológico.

O MPF destaca que o acatamento da recomendação é algo inédito e um precedente extrajudicial muito importante, que pode servir de modelo para outros estados em que ainda há legislações lenientes com o uso de mercúrio em garimpos. “Com a revogação das normas, o estado compatibiliza seu ordenamento jurídico às normas federais, especialmente com a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, que veda a utilização da substância na atividade garimpeira, sempre que houver alternativa ao seu uso”, explicou o procurador.

Convenção de Minamata – Desde 2013, o Brasil é um dos 128 países signatários da Convenção de Minamata, tratado que estabeleceu uma série de regras e restrições para a produção e o comércio de mercúrio. A imposição de limites e diretrizes rígidas para a circulação do mercúrio se deve a seus efeitos nocivos à saúde humana, com consequências irreparáveis no desenvolvimento de crianças e a geração de distúrbios nos sistemas nervoso, respiratório e digestivo de pessoas expostas ao contato prolongado com a substância, entre outros prejuízos.

Licenças só devem ser concedidas quando não há uso de mercúrio

A concessão de licenças para extração de ouro sem exigências técnicas e ambientais também foi alvo de atuação do MPF. O órgão recomendou à ANM e aos órgãos estaduais ambientais do Amazonas, do Acre, de Rondônia e de Roraima que declarem a nulidade de todas as licenças ambientais já concedidas sem as devidas exigências. 

A AMN também não deve conceder novos títulos minerários e licenças ambientais para a extração de ouro sem a exigência prévia de especificação da técnica de beneficiamento adotada e a comprovação documental da tecnologia empregada.

A recomendação reforça que o uso de mercúrio constitui, por si só, causa de nulidade do título ou licença, a não ser que haja comprovação da origem do produto e autorização expressa do Ibama, o que, segundo os dados apurados, não existe no país. 

O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima (Femarh) já informaram ao MPF o acatamento da recomendação.

Danos ambientais milionários

Cada quilograma de ouro extraído ilegalmente na Amazônia produz, minimamente, R$ 1,7 milhão de danos ambientais.

A informação é do parecer produzido pelo setor pericial do MPF para quantificar danos ambientais decorrentes de atividades de exploração mineral de ouro no bioma amazônico. 

A fórmula foi desenvolvida por peritos da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (Sppea) e auxilia procuradores da República a identificar a grandeza, em valores pecuniários, da destruição causada pela extração ilegal de ouro em solo amazônico, viabilizando o ajuizamento de ações civis públicas e a adoção de outras medidas judiciais para a reparação dos prejuízos causados à floresta.

O prejuízo ambiental decorrente da mineração ilegal de ouro em garimpos pode atingir R$ 3 milhões por quilograma de ouro extraído, considerado o período de 42 anos necessário para a recuperação da área degradada.

Contagem regressiva – Até o dia 9 de novembro, véspera do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará, serão publicadas 50 matérias sobre a atuação do Ministério Público Federal na proteção do meio ambiente, das populações mais vulneráveis e dos direitos humanos. A ação de comunicação faz parte da campanha MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos.

Acompanhe a contagem regressiva diariamente, no nosso site!

 

*Reportagem: Comunicação/MPF/AM

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Fonte MPF