MPF manifesta-se contra a proposta de extinção de bulas impressas em medicamentos — Procuradoria-Geral da República

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Consumidor e Ordem Econômica

16 de Maio de 2024 às 13h25

MPF manifesta-se contra a proposta de extinção de bulas impressas em medicamentos

Nota técnica aponta que medida pode gerar exclusão de setores vulneráveis, impedindo amplo acesso a informações

Foto mostra diversas cartelas de comprimidos, de cores e formatos distintos.


Foto: Pixabay

O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) uma nota técnica em que se posiciona contra a proposta em trâmite na agência de substituição gradual das bulas impressas por bulas em formato digital nos medicamentos comercializados em território nacional. Segundo o documento, a disponibilização de bulas digitais deve ser implementada como recurso agregador de informação, e não substitutivo. O posicionamento leva em conta o elevado índice de automedicação e o atual letramento em saúde da população brasileira, além de estudos nacionais e internacionais que apontam a preferência pelo papel como meio de obtenção de informações sobre os medicamentos.

A proposta da Anvisa prevê a implementação das bulas digitais em duas fases. A primeira envolveria apenas remédios de amostras grátis, medicamentos de uso exclusivo hospitalar e medicamentos de embalagens múltiplas, como cartelas, em que a bula é distribuída mediante requerimento. As informações seriam disponibilizadas por QR code ou ferramenta semelhante, e poderiam conter fotos, vídeos ou outros formatos de arquivo para auxílio ao entendimento. A segunda fase prevê a expansão gradual do formato para os demais medicamentos, e seria implementada após análise dos resultados da primeira.

Para o MPF, “parece lógico que o principal formato da bula venha a ser integralmente eletrônico no futuro, mas o preparo para uma transição perpassa assegurar infraestrutura e logística adequadas a fim de não alijar localidades ou grupos sociais de informação relevante”. Com isso, o órgão chama a atenção para o fato de que a transformação digital, por mais que seja uma realidade, não ocorre de maneira igualitária no país.

A nota pontua ainda a falta de universalização do acesso à Internet para diversos setores da sociedade, especialmente em áreas rurais e regiões menos desenvolvidas, que sofrem com falta de investimentos e infraestrutura. Cita ainda a ausência de alfabetização digital, que atinge principalmente os idosos, e questões socioeconômicas, como a falta de poder de compra para aquisição de pacote de dados, computadores e celulares, como fatores que podem gerar uma exclusão social capaz de privar parte vulnerável da população de informações essenciais, caso estes só estejam disponíveis no meio virtual.

Preferência pela bula impressa – Para o órgão, a solução digital pode ser implementada em paralelo com as bulas impressas tradicionais, ampliando a experiência do consumidor com a disponibilização de novos formatos, mais claros e intuitivos, dos conteúdos ali presentes. Mas a manutenção do informativo impresso se mostra fundamental, sendo a preferência da maioria da população – de 84% das pessoas preferem ambas ou apenas a bula impressa, contra apenas 11% que optam pelo formato exclusivamente digital, segundo o Datafolha.

O documento do MPF enumera ainda uma série de estudos que revelam a importância do meio impresso na obtenção de informações. Segundo as análises, informações impressas exigem 21% menos esforço cognitivo para processamento, e a convergência dos mundos digital e físico, em experiência híbrida, resulta em aumento de 118% da taxa de resposta quando comparados ao uso isolado de apenas um suporte. “O simples ato de ser capaz de segurar um folheto na mão e virar páginas, até mesmo o peso e a sensação das páginas, as torna mais memoráveis do que suas contrapartes digitais”, sustenta a nota.

Automedicação – Outra preocupação do MPF surge quando se considera a ausência de bula impressa num contexto de elevados índices de automedicação, como mostra a realidade brasileira. Em pesquisa do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), 86% dos entrevistados admitiram tomar medicamentos sem prescrição médica.

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais da metade dos medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos de forma inadequada e que metade dos pacientes não faz o seu uso corretamente. A situação parece ser pior em relação ao uso de antibióticos e à resistência bacteriana: neste caso o Brasil passou a ocupar a 17ª posição entre 65 países pesquisados em relação ao número de doses de antibióticos consumidas.

A bula é um documento sanitário legal, direcionado tanto a profissionais da saúde como a pacientes, que contém informações técnicas sobre os medicamentos, bem como orientações sobre o seu uso racional, guarda e manuseio, e dados relevantes sobre efeitos adversos e contraindicações.

O uso de remédios de maneira incorreta pode acarretar interações medicamentosas, perigo de intoxicação e de resistência aos remédios, além de reações alérgicas, dependência química e até a morte. Nesse sentido, o MPF entende ser necessário o acesso qualificado e irrestrito à informação, além de um combate mais efetivo à automedicação, objetivos que passam ao largo, segundo o órgão, da retirada da bula impressa dos medicamentos.

A questão está em discussão na Anvisa, e foi objeto da Consulta Pública 1.224/2023, a qual registrou grande atuação de cidadãos contrários à proposta. A nota técnica do MPF foi elaborada pela Câmara de Ordem Econômica e Consumidor (3CCR) e é subscrita pelos procuradores da República Hilton Melo e Victor Nunes de Carvalho.

Íntegra da Nota Técnica n° 5/2024/GTPS/GTCON/3ªCCR.

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Fonte MPF