MPF intensifica atuação contra empreendimentos que podem alterar o regime das águas do Pantanal — Procuradoria-Geral da República

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Meio Ambiente

7 de Novembro de 2025 às 16h10

COP30: MPF intensifica atuação contra empreendimentos que podem alterar o regime das águas do Pantanal

Hidrovias e hidrelétricas ameaçam o coração hídrico do Brasil e podem afetar comunidades tradicionais

A imagem é uma vista aérea de um comboio de barcaças sendo empurrado por um rebocador em um rio largo e barrento, cercado por vegetação de várzea e paisagens planas. No canto superior esquerdo, há um grande número "3" e, no canto inferior direito, um logotipo com o texto "MPF COP 30". As margens do rio estão cobertas por grama e arbustos.


Foto: Divulgação Antaq, com adaptações

O Pantanal é um território movido por água. Cada cheia e vazante redesenha sua paisagem, dita o ritmo da vida e sustenta a maior planície alagável do planeta. Mas o equilíbrio desse bioma, reconhecido como Patrimônio Nacional e da Humanidade, está cada vez mais ameaçado por projetos que tentam impor ao território barragens, portos e canais de navegação permanente.

Com a proximidade da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que será realizada em Belém (PA), o debate sobre os impactos das grandes obras de infraestrutura nos biomas brasileiros ganha nova relevância.

No centro dessa discussão, o Ministério Público Federal (MPF) vem atuando para evitar que hidrovias e hidrelétricas alterem irreversivelmente o regime hídrico do Pantanal, uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta e peça-chave no equilíbrio climático da América do Sul.

O avanço da hidrovia Paraguai-Paraná

Imagem aérea de um rio largo e de cor azulada, cercado por planícies. Nas margens do rio, há pilares de concreto ainda em fase de construção, guindastes e canteiros de obras
Imagem: TV Brasil

Um dos projetos que mais preocupam o MPF é o da Hidrovia Paraguai-Paraná, planejada para permitir a navegação contínua de comboios de minério de ferro e soja durante todo o ano no trecho brasileiro de Cáceres (MT) a Porto Murtinho (MS).

O empreendimento prevê intervenções agressivas, como dragagens, derrocamentos (remoção de rochas com explosivos) e retificação de trechos em mais de 50 pontos críticos do Rio Paraguai, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Os afloramentos rochosos — chamados gargalos naturais — funcionam como reguladores: retardam o fluxo da água e permitem que a planície se comporte como uma “esponja”, armazenando e liberando a água gradualmente. Sua remoção, alertam os técnicos, pode antecipar as cheias e intensificar inundações em áreas a jusante, ou seja, rio abaixo, inclusive na Argentina. Essas ações, segundo especialistas e técnicos que assessoram o MPF, podem causar danos irreversíveis.

“O aumento da velocidade de escoamento da água pode acarretar uma drenagem do Pantanal com efeitos irreversíveis para as áreas úmidas ali existentes. Pode reduzir as inundações laterais e drenar a planície pantaneira, comprometendo o ciclo natural que mantém o bioma vivo”, explica o procurador da República Marco Antônio Delfino, que atua em Mato Grosso do Sul.

A avaliação foi feita durante evento promovido pelo MPF em junho, para debater os desafios de conservação do Pantanal, destacando o papel da intervenção humana e das mudanças climáticas na alteração de seu regime hidrológico crucial. Realizado na cidade de Campo Grande (MS), o seminário “Pantanal: Patrimônio, Desafios e Perspectivas” reuniu procuradores, lideranças tradicionais, pesquisadores, representantes da sociedade civil e de órgãos públicos.

Comunidades e patrimônio cultural em risco

A preocupação não é apenas ecológica. O MPF também tem chamado atenção para os impactos sociais e culturais. A dragagem ameaça comunidades ribeirinhas, pescadores profissionais e indígenas Guató, que dependem da pesca, da coleta de iscas e da sazonalidade das águas para sua subsistência.

“Podemos falar da Mata Atlântica, da Amazônia, da Caatinga ou do Pantanal, mas nenhum desses biomas existe de forma plena sem as comunidades que vivem e cuidam deles”, destacou o subprocurador-geral da República Aurélio Rios, integrante da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF.

A alteração do curso e da profundidade dos rios modifica o ciclo reprodutivo dos peixes e destrói os bancos de sedimentos que alimentam os ecossistemas aquáticos. Há ainda o risco de ressuspensão de metais tóxicos, como o mercúrio, já presente em alguns trechos do rio, devido à dragagem.

De acordo com a coordenadora técnico-científica do Instituto SOS Pantanal, Estefânia Oliveira, é fundamental considerar não apenas os impactos locais, mas compreender os rios do Pantanal como um sistema interligado.

“Quando uma variável é alterada, outras também sofrem modificações, é um efeito em cadeia. Intervenções pontuais, como uma dragagem em determinado trecho, podem provocar alterações significativas em outras partes do rio. Portanto, não estamos falando de um impacto isolado, e sim de múltiplos impactos distribuídos ao longo de diferentes setores da bacia”, alerta.

A imagem mostra um farol de sinalização náutica parcialmente submerso e inclinado na água de um rio. A base do farol está cercada por detritos e vegetação acumulada, e há aves pousadas no topo da estrutura. Ao fundo, vê-se a margem do rio com vegetação seca e algumas árvores.
Foto: Câmara Municipal de Corumbá (MS)

Além de tudo, a chegada da hidrovia pode acarretar em um dano simbólico: o Farol Balduíno, patrimônio histórico tombado em Corumbá (MS), pode ser removido pelo projeto, pois está localizado em um afloramento rochoso. Esse derrocamento está interligado com o do Canal do Tamengo, visando atender a navegação da Bolívia com comboios maiores.

Em agosto de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o licenciamento da hidrovia deve ser conduzido pelo Ibama, reconhecendo que os impactos ambientais são regionais e ultrapassam fronteiras estaduais.
A decisão representa uma vitória para o MPF, que defende uma análise ambiental unificada e rigorosa.

Mais de 100 hidrelétricas ameaçam a bacia

A imagem é um plano vertical mostrando duas pessoas em um pequeno barco a motor navegando em um corpo d'água calmo e azul. O céu é de um azul claro e sem nuvens. Ao fundo, há uma margem coberta de vegetação e, mais distante, pequenas colinas ou elevações.
Foto: Elonidares Souza

Outro vetor de pressão sobre o Pantanal vem do avanço das hidrelétricas e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) na Bacia do Alto Paraguai. Já são 58 usinas instaladas, e os planos preveem mais de 100 empreendimentos para os próximos anos, sobretudo em rios ainda livres de barramento.

Essas estruturas fragmentam os cursos d’água, retêm sedimentos e reduzem a conectividade entre o planalto e a planície, o que altera os pulsos naturais de cheia e seca. O resultado é a redução das inundações periódicas que sustentam a vida no Pantanal e a perda de nutrientes que fertilizam os ecossistemas aquáticos.

A Hidrelétrica de Manso é um exemplo emblemático: sua operação modificou os picos de cheia e aumentou o nível mínimo dos rios durante a seca, alterando profundamente a dinâmica da bacia.

Segundo a pesquisadora da Embrapa e assessora na Procuradoria da República em Corumbá, Débora Calheiros, “essa alteração interfere profundamente na hidrologia do rio, afetando toda a biodiversidade e a produção pesqueira. A presença da barragem, por exemplo, impede a migração dos peixes, comprometendo o equilíbrio ecológico”, pontuou, com base em dados de estudos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Essas construções, segundo o MPF, desrespeitam o Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai (PRH Paraguai), aprovado em 2018 pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e elaborado com base em pesquisa coordenada pela Embrapa Pantanal, envolvendo 80 cientistas e um investimento público de R$ 12 milhões. O plano estabelece mapas de áreas de restrição de uso, determinando onde é proibido construir novas hidrelétricas, mas sua implementação segue paralisada por pressões políticas e econômicas.

Desenvolvimento para a morte

“A maior ameaça é a diminuição da água, quando a água diminui, se desequilibra tudo. Não tem peixe suficiente, não tem animais suficientes, não tem água para as aves, não tem água para as plantações. As coisas vão mudando para o mal.”

Leonidares Souza, moradora do Pantanal há 58 anos

O Pantanal ainda é considerado o bioma mais conservado do Brasil, mas essa classificação precisa ser analisada com cuidado, concordam os especialistas. De acordo com a pesquisadora Débora Calheiros, a situação pode ser ainda mais grave, já que o Pantanal é reconhecido oficialmente apenas pela sua planície, sem levar em conta a bacia hidrográfica que o alimenta, justamente onde estão as nascentes.

Segundo dados do MapBiomas, o nível de desmatamento na região é extremamente elevado — entre 60% e 80% das nascentes já foram afetadas. Na planície, o desmatamento também avança, formando um verdadeiro arco de degradação.

Isso nos coloca diante de um ponto crítico: como conservar o Pantanal sem preservar suas nascentes? Outro fator preocupante é a introdução de espécies exóticas, que se somam à expansão agrícola. Os dados, de 2014, já mostravam o avanço da soja, do milho e da cana-de-açúcar no entorno da planície. Hoje, esse cenário provavelmente está pior”, destaca Débora.

As populações tradicionais, dependentes das águas dos rios para a sua sobrevivência, já sentem os impactos. Para a artesã Leonidares Souza, moradora do Pantanal há 58 anos, as ameaças se traduzem em uma palavra: desequilíbrio.

“A maior ameaça é a diminuição da água, quando a água diminui, se desequilibra tudo. Não tem peixe suficiente, não tem animais suficientes, não tem água para as aves, não tem água para as plantações. As coisas vão mudando para o mal”, diz a liderança pantaneira, segundo a qual o chamado “desenvolvimento” tem levado o bioma para a morte.

A imagem mostra uma mulher sentada, usando um chapéu e roupas leves, em primeiro plano, sobre um solo completamente rachado e seco, indicando um período de forte seca.
Foto: Elonidares Souza

Ciência, lei e articulação em defesa do bioma

A imagem mostra uma pessoa sentada em um pequeno barco colhendo plantas aquáticas (provavelmente aguapés ou similar) de um denso campo de vegetação verde que cobre a água. A pessoa usa chapéu de palha e manipula os caules e raízes das plantas, com o material já colhido visível dentro do barco.
Foto: Elonidares Souza

O Ministério Público Federal tem sido um dos atores na defesa do Pantanal em diferentes frentes. A atuação envolve ações judiciais, articulação com outros Ministérios Públicos (Estadual e do Trabalho), apoio técnico de pesquisadores da Embrapa e a mobilização pela criação de uma lei federal específica para o bioma — prevista no artigo 225, §4º, da Constituição de 1988.

Essa última frente ganhou força após ação da Procuradoria-Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF), que resultou em decisão determinando que o Congresso Nacional elabore a lei em até 18 meses. A norma deverá unificar diretrizes hoje fragmentadas entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, garantindo uma gestão integrada em nível de bacia hidrográfica.

O órgão também reforçou seu compromisso com a defesa do bioma na Carta do Pantanal, divulgada em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente. Fruto dos debates realizados no seminário “Pantanal: Patrimônio, Desafios e Perspectivas”, o documento destaca o papel do MPF como agente comprometido com a defesa do meio ambiente, da ordem jurídica e dos direitos fundamentais das populações que vivem e sustentam o Pantanal.

Ressalta, ainda, a importância da cooperação interinstitucional e da escuta multissetorial como instrumentos fundamentais para a construção de respostas eficazes, informadas e comprometidas com o interesse público. “O Pantanal é um patrimônio comum. Sua preservação depende de esforços coordenados e permanentes. Que esta carta seja, mais do que um registro, seja um chamado à continuidade, à responsabilidade e à ação”, conclui o documento.

O trabalho vai ao encontro dos anseios de quem vive na região, trazendo esperança de dias melhores. “A gente vai vivendo e sobrevivendo, porque o clima mudou muito, as coisas já são bem diferentes” diz Roberto Arruda, da Serra do Amolar, pantaneiro nascido e criado na serra. “Se o Pantanal tivesse voz hoje, ele daria um grito de socorro”, alerta.

Contagem regressiva – Até o dia 9 de novembro, véspera do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará, serão publicadas 50 matérias sobre a atuação do Ministério Público Federal na proteção do meio ambiente, das populações mais vulneráveis e dos direitos humanos. A ação de comunicação faz parte da campanha MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos.

Acompanhe a contagem regressiva diariamente, no nosso site!

Acesse o site MPF na COP30

 

*Reportagem: Comunicação/MPF/PGR

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Fonte MPF