Meio Ambiente
23 de Outubro de 2025 às 10h0
COP30: MPF garante maior transparência sobre a qualidade do ar em Santarém (PA)
Medida é resultado de recomendação do órgão após a cidade registrar um dos piores índices de poluição do ar do planeta em 2024

Cidade coberta pela fumaça Foto: Agência Santarém
No ano passado, a cidade de Santarém, no Pará, foi encoberta por uma densa nuvem de fumaça vinda de queimadas na Amazônia. A situação atingiu um ponto crítico em 24 de novembro, quando a poluição no município chegou a ser quase 43 vezes superior à diretriz anual de qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde (OMS). Naquele dia, Santarém foi a cidade com o pior índice do planeta.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em novembro em 2024, o Pará também liderou o ranking nacional de incêndios, concentrando 43,3% das queimadas registradas no mês em todo país. Durante todo o ano, o estado registrou mais de 50 mil focos de queimada, e foi o estado brasileiro com mais focos de incêndio, com um número maior que outros 14 estados juntos.

Os números se traduziram na piora da saúde da população. Como resultado da inalação de poluentes advindos
das queimadas, entre setembro e novembro de 2024, Santarém registrou mais de seis mil atendimentos relacionados a problemas respiratórios. Os principais sintomas incluíram tosse, febre, congestão nasal, dor de cabeça e falta de ar. Diante do aumento dos casos, a prefeitura decretou situação de emergência ambiental em 25 de novembro.
A densa nuvem de fumaça não afetou apenas a saúde da população, mas o dia a dia na cidade. Um exemplo foi a procissão em homenagem à padroeira do município, Nossa Senhora da Conceição, durante o Círio 106, exatamente no dia 24 de novembro. Apesar do evento tranquilo, as fotos mostram como a cidade foi afetada pela nuvem de fumaça.

A situação se agravou diante da ausência de informações claras e acessíveis à população, o que levou o Ministério Público Federal (MPF) a expedir uma recomendação em busca de soluções para problema. O objetivo era garantir o direito constitucional a um meio ambiente equilibrado e o direito à informação e à saúde, forçando os órgãos públicos a agirem com transparência ativa.
A recomendação, assinada pelo procurador da República Vítor Vieira Alves, determinava a divulgação diária da qualidade do ar nos sites e redes sociais dos órgãos públicos, com alertas extraordinários em casos críticos. Foi recomendada, inclusive, a publicação de dados como o índice de poluição, a previsão para as horas seguintes, a origem da fumaça e as ações concretas que estivessem sendo tomadas para conter os focos de incêndio.
O documento do MPF também apontava a necessidade da distribuição de máscaras N95 para as populações mais vulneráveis. O equipamento de proteção foi o mesmo indicado durante a pandemia de covid-19 para evitar a transmissão do vírus.
A recomendação garantiu que o governo do estado do Pará, a prefeitura de Santarém e a Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) adotassem medidas de transparência sobre a qualidade do ar e as ações de combate a incêndios na região.
A Sesai informou que já acompanhava as ações da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) em estados estratégicos afetados por queimadas e que os territórios indígenas do município de Santarém foram elencados como prioritários para receber ações de saúde integradas, articuladas com o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Guamá-Tocantins.

A densa fumaça que cobriu Santarém no final do ano passado, causando uma grave crise de saúde pública, não foi um evento isolado, mas sim o resultado direto de um modelo de desenvolvimento predatório na região. A análise é de Edilson Figueira, vice-presidente e secretário de políticas Agrícola, Agrária e Meio Ambiente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém e diretor do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), que detalha uma cascata de impactos ambientais e sociais ligados às queimadas.
Segundo Figueira, a poluição atmosférica está diretamente ligada à expansão de atividades econômicas em larga escala. “Esse impacto ele surge da monocultura da soja, da grande retirada de madeira ilegal nos territórios, nas matas, e da grande devastação para pastagem de gado”, afirma. Ele explica que as queimadas são utilizadas como ferramenta para consolidar esses “crimes ambientais” e tomar posse de terras, como os mais de mil hectares desmatados com “correntão” que ele testemunhou na região do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande.
“Se no contexto urbano a realidade já é complexa, os problemas nos territórios das águas, campos e florestas, aprofundam-se ainda mais”, concorda o educador popular Pedro Martins, da organização não governamental Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase). De acordo com ele, isso acontece porque, além dos desafios estruturais e históricos de acesso a políticas básicas, “os comunitários estão impedidos de manter suas práticas comuns de pesca, caça, na feitura dos seus roçados, ao passo que são sufocados pelas queimadas das florestas advindas do cenário de seca extrema extrema”.
A seca severa, intensificada pelo desmatamento, levou ao assoreamento e desaparecimento de igarapés, impactou o transporte fluvial e causou uma mortandade massiva de peixes, botos e peixes-boi. Para os agricultores familiares, o cenário foi de colapso. Famílias chegaram a plantar até quatro vezes sem conseguir que as sementes germinassem, levando à escassez de alimentos básicos como mandioca, milho e feijão.
A devastação da floresta também gerou um desequilíbrio ecológico, forçando a fauna a buscar alimento nas plantações. “Os animais, eles vêm da floresta comer as nossas plantações porque não tem mais alimento na floresta. Não tem mais floresta”, lamenta Figueira, citando macacos que comem milho e pássaros que atacam as roças de arroz. Ele diferencia a prática ancestral e de menor impacto do agricultor familiar – que permite a regeneração da terra – da ação de grandes empreendimentos que cultivam dezenas até centenas de hectares de terra.

As queimadas na Amazônia têm gerado impactos severos sobre a biodiversidade, ameaçando espécies emblemáticas e ecossistemas inteiros. Esse bioma, que abriga cerca de 10% da diversidade global, é o lar de organismos altamente especializados que dependem de condições ambientais específicas. O fogo, em sua maioria resultado de ações como desmatamento e manejo
agropecuário, rompe esses equilíbrios ecológicos, levando à fragmentação de habitats, perdas populacionais e até extinções locais.
Além disso, a fumaça das queimadas não apenas agravam problemas respiratórios, como também afetam o clima, aumentando a temperatura, reduzindo as chuvas e, consequentemente, degradando ainda mais a qualidade do ar.
Nesse sentido, o procurador da República Vítor Vieira Alves, autor da recomendação, aponta que a iniciativa para garantir mais transparência sobre a qualidade do ar em Santarém é um avanço fundamental na governança climática e ambiental. Ele ainda destaca a proximidade da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em Belém (PA).
“Essa é uma vitória concreta para a cidadania ambiental. Em um estado que se prepara para sediar o maior evento de discussões climáticas do mundo, é inadmissível que a população local permaneça respirando fumaça e sem acesso a informações básicas para proteger sua saúde”, avalia.
Contagem regressiva – Até o dia 9 de novembro, véspera do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará, serão publicadas 50 matérias sobre a atuação do Ministério Público Federal na proteção do meio ambiente, das populações mais vulneráveis e dos direitos humanos. A ação de comunicação faz parte da campanha MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos.
Acompanhe a contagem regressiva diariamente, no nosso site!
*Reportagem: Comunicação/MPF/PA
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Fonte MPF



