Indígenas
8 de Outubro de 2025 às 17h30
COP30: MPF fortalece a luta pela regularização fundiária de terras indígenas no sul da Bahia
Busca por direito ao território já dura mais de cinco séculos
Foto Ilustrativa: Funai, com adaptações
Os primeiros a pisar nesta terra e os últimos a terem seus direitos reconhecidos. Há mais de 500 anos, quando os portugueses aportaram no litoral sul da Bahia, Pataxós e Tupinambás já habitavam aquelas margens, pescavam nos rios e conheciam cada pedaço da mata. Foi também ali que começou a história oficial do Brasil, e, junto dela, a história das invasões, violências e desrespeitos contra os povos originários.
Passados mais de cinco séculos, a luta pela demarcação e pela preservação de seus territórios continua. Hoje, ela ganha novos contornos, somando-se à pauta global por justiça climática. Um dos grandes aliados das lutas desses povos, o Ministério Público Federal (MPF) vem trabalhando para que o Estado brasileiro respeite e fortaleça os povos originários do sul da Bahia.
A proteção das terras indígenas é um instrumento fundamental para a conservação ambiental e um dos temas de discussão da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em novembro de 2025 em Belém (PA).
Se o governo brasileiro cumprir suas responsabilidades na COP 30, além de corrigir uma injustiça histórica no sul da Bahia, beneficiará aproximadamente 9,5 mil indígenas das etnias Pataxó e Tupinambá. Permitirá, ainda, a regularização de cerca de 109,5 mil hectares de Mata Atlântica, um bioma com grande potencial para ajudar a mitigar os impactos das mudanças climáticas.
Apesar de sua importância, os processos de demarcação de três Terras Indígenas (TI) — Barra Velha do Monte Pascoal, Tupinambá de Olivença e Tupinambá de Belmonte — estão paralisados há mais de uma década. Os respectivos Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação (RCIDs), a primeira etapa para o reconhecimento de uma terra indígena, foram publicados em 2008, 2009 e 2013, e as contestações já estão superadas. Nenhuma pendência. Porém, o governo segue sem passar para a etapa seguinte, que é declarar oficialmente essas áreas, o que tem intensificado conflitos fundiários, grilagem, desmatamento, avanço do agronegócio e outras formas de degradação ambiental.
“Não há mais qualquer impedimento jurídico ou técnico que justifique o atraso na publicação das portarias. O que se observa é um verdadeiro quadro de omissão estatal, que viola frontalmente os direitos fundamentais dos povos indígenas, garantidos constitucional e internacionalmente”, afirma o procurador da República Ramiro Rockenbach.
A situação é praticamente a mesma na Terra Indígena Comexatibá. O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) foi aprovado pela Presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2015. Em agosto deste ano, a Diretoria de Proteção Territorial (DPT) da Funai atestou a permanência das famílias indígenas pataxó no território delimitado desde antes da data de promulgação da Constituição de 1988, fato que afasta a aplicabilidade da tese do marco temporal para fins de caracterização da tradicionalidade da ocupação indígena. O território foi atacado mais uma vez no último dia 1º de outubro e dois indígenas foram feridos por disparos de arma de fogo.
O questionamento foi feito pela cacica Cátia Tupinambá de Belmonte, em audiência pública sobre a regularização de terras indígenas na Bahia, lembrando que os três territórios em questão são apenas uma pequena porção do que já lhes pertenceu e que, mesmo esse pouco, está ameaçado.
Ao lamentar a violência sofrida e a morosidade do Estado na demarcação dos territórios, Cátia Tupinambá reforçou que a luta não é apenas por terra, mas pela garantia da própria vida e dignidade dos povos originários. “Hoje mata-se um parente nosso sem nenhum receio por conta da certeza de impunidade. É uma luta desigual, uma guerra injusta, nós com bordunas e eles com pistola”, expôs.
Para cessar essas violações, o MPF tem promovido uma atuação contínua – com medidas judiciais, administrativas e articulação interinstitucional – voltada à regularização fundiária dessas terras tradicionalmente ocupadas, para a proteção dos modos de vida ancestrais e a conservação da Mata Atlântica.
Nos últimos anos, o MPF tem reforçado sua atuação em defesa das populações indígenas por meio da realização e participação em audiências públicas, marcadas pela escuta ativa das lideranças e pelo diálogo com órgãos do Estado.
Em 11 de março de 2024, em Salvador, o MPF reuniu, em audiência pública, dezenas de caciques, cacicas e representantes da sociedade civil. Os relatos destacaram não apenas os conflitos fundiários, como os que atingem a TI Barra Velha do Monte Pascoal e a TI Comexatibá, mas também a precariedade no acesso à saúde e educação.
Lideranças denunciaram ameaças constantes e cobraram transparência e celeridade na investigação de crimes, lembrando que cerca de 80% das pessoas protegidas pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas na Bahia são indígenas.
“Nem mais uma gota de sangue na terra indígena na Bahia”. O forte apelo foi feito pela cacica Tupinambá Maria Valdelice durante a audiência pública.
Maria Valdelice destacou a luta do povo Tupinambá de Olivença pela reconquista do seu território. Segundo a anciã, atualmente 8 mil indígenas ocupam 47.376 hectares, vivendo de pequenas roças e com muita dificuldade, pois, sem estradas, os governos federais, estaduais e municipais não chegam à aldeia para implementar uma infraestrutura básica.
A cacica lamentou a invasão pelos grandes negócios, como hotelaria e mineração que, sem a conclusão dos processos de demarcação, seguem se apropriando da terra indígena.
Um ano depois, em 11 de março de 2025, na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, o MPF e a Defensoria Pública da União (DPU) cobraram do governo federal explicações e prazos concretos sobre a demora na assinatura das portarias declaratórias das Terras Indígenas Barra Velha do Monte Pascoal, Tupinambá de Olivença e Tupinambá de Belmonte.
Durante a audiência, lideranças continuaram denunciando a permanência de violações de direitos e os riscos trazidos pela ausência de demarcação, como o aumento da violência, invasões e ameaças contra as comunidades.
Diante da gravidade, o MPF encaminhou ofício ao Ministério da Justiça cobrando esclarecimentos sobre entraves técnicos ou jurídicos que ainda impedem a conclusão dos procedimentos e reforçou que a regularização das terras é condição essencial para frear a violência e assegurar a sobrevivência cultural e física dos povos indígenas.
“A regularização das terras indígenas, é sabido, se arrasta indefinidamente. Sem seus territórios devidamente definidos, os povos indígenas seguem sofrendo toda espécie de afrontas e violações. É quase uma reprodução do período colonial, diante de promessas legais e constitucionais que nunca se cumprem. O governo brasileiro precisa dar exemplo na COP30 e declarar as terras indígenas onde o processo de colonização começou (e ainda não terminou). Tem que declarar as Terras Indígenas Barra Velha do Monte Pascoal, Tupinambá de Olivença, Tupinambá de Belmonte e Comexatíbá”, ressaltou o procurador da República Ramiro Rockenbach.
Como desdobramento da audiência pública em Brasília, o MPF encaminhou ao Ministério da Justiça uma nota técnica assinada pelo Grupo de Trabalho de Demarcação da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF e por procuradores da República na Bahia.
O documento reforça a obrigação constitucional do governo federal de assinar as portarias declaratórias das TIs Tupinambá de Olivença, Tupinambá de Belmonte e Barra Velha do Monte Pascoal. E, agora, também a TI Comexatibá. Segundo o MPF, a demora viola direitos constitucionais, fragiliza a proteção socioambiental e pode gerar responsabilização internacional, já que o Brasil descumpre recomendações de organismos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Enquanto aguardam uma resposta do governo brasileiro sobre o destino de suas terras, os povos assistem o patrimônio natural ser dilapidado. “Nossas águas, matas, peixes, caças, pássaros e, junto, a nossa tranquilidade… já foi tudo devastado, foi tudo levado. O que resta é um pouco do nosso povo que, não tendo mais o que fazer ou o que perder, estamos perdendo a nossa vida, os nossos parentes. É o nosso povo, o nosso direito, o nosso território, o nosso sangue se esvaindo a cada dia”, alarmou o cacique Alvair Pataxó, vice-presidente do Conselho de Caciques do Território Indígena Barra Velha do Monte Pascoal. De acordo com a liderança, as mesmas dificuldades são enfrentadas nos três territórios.
“A gente sabe que existe um grande interesse nessas terras indígenas. A força truculenta do capitalismo, do agronegócio, tudo o que é ruim e não presta, vai trazendo a violência para o nosso povo, para o nosso território. Enquanto essas portarias não forem assinadas, a situação só irá piorar”, concluiu o cacique Alvair Pataxó.
Além das ações voltadas à demarcação de terras, o MPF atua em outras frentes para garantir os direitos dos povos e comunidades tradicionais. Em agosto de 2022, criou o Fórum em Defesa das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, resultado de reuniões com mais de 40 povos, órgãos públicos e entidades parceiras. O espaço, de caráter permanente, promove debates periódicos e organiza grupos de trabalho sobre temas como acesso à água, saúde, educação e a regularização de territórios.
Do Fórum também surgiu uma carta ao presidente da República, assinada por mais de 125 entidades, que reúne propostas e diagnósticos sobre a situação de indígenas, quilombolas, ciganos e povos de terreiro na Bahia. O documento denuncia o histórico de violência e conflitos e aponta que quase 94% das comunidades quilombolas certificadas no estado ainda não têm relatório técnico para titulação. Entre as medidas propostas, estão um plano de atuação com metas e prazos, a criação de força de segurança especializada para áreas de conflito, o mapeamento de terras públicas e a garantia do direito à consulta prévia, livre e informada.
Além das medidas administrativas, o MPF atua no campo judicial para assegurar a participação efetiva dos povos indígenas em decisões que impactam seus territórios. Um exemplo é o pedido de suspensão das licenças ambientais concedidas à Usina Hidrelétrica (UHE) de Itapebi, localizada no extremo sul da Bahia, por ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas afetadas.
O objetivo é evitar a perpetuação dos impactos socioeconômicos prejudiciais causados pelo empreendimento, que alterou negativamente as condições ambientais necessárias à reprodução física e cultural dos povos das TIs Tupinambá de Belmonte e Encanto da Patioba, segundo seus usos, costumes e tradições. O MPF solicita a anulação de todas as licenças ambientais concedidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no licenciamento da UHE Itapebi e requer que a União, o Ibama, a Itapebi Geração de Energia e a Neoenergia sejam condenados a pagar indenização por danos morais coletivos de pelo menos R$ 5 milhões, valor que deverá ser revertido em políticas públicas voltadas às duas comunidades indígenas afetadas.
Em segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o MPF e os povos tiveram importantes vitórias. Este ano, o Tribunal extinguiu duas ações propostas por particulares que exigiam a posse de duas fazendas na Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Já em maio, o TRF1 revisou decisão de primeira instância e reconheceu o direito do povo Pataxó à posse da área da Fazenda Araponga, que integra a TI Barra Velha do Monte Pascoal,
A regularização formal dos territórios é apenas uma etapa no amplo processo de reconhecimento dos direitos desses povos. “Mais que declarar a posse dos indígenas sobre seus territórios tradicionais, é também fundamental a adoção de medidas planejadas para proteger as áreas e para reparar os danos socioambientais. É preciso assegurar as mais diversas políticas públicas do governo federal em favor dos povos originários para que possam viver e se desenvolver, com a adequada preservação ambiental, de forma a contribuir (como sempre contribuíram) com o equilíbrio ecológico na Bahia, no Brasil e no Planeta Terra”, conclui o procurador da República Marcos André Carneiro Silva.
Contagem regressiva – Até o dia 9 de novembro, véspera do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará, serão publicadas 50 matérias sobre a atuação do Ministério Público Federal na proteção do meio ambiente, das populações mais vulneráveis e dos direitos humanos. A ação de comunicação faz parte da campanha MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos.
Acompanhe a contagem regressiva diariamente, no nosso site!
*Reportagem: Comunicação/MPF/BA
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Fonte MPF