MPF e parceiros estabelecem agenda de enfrentamento dos desaparecimentos forçados no RJ — Procuradoria da República no Rio de Janeiro

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Direitos do Cidadão

4 de Julho de 2025 às 17h55

MPF e parceiros estabelecem agenda de enfrentamento dos desaparecimentos forçados no RJ

Prioridades e estratégias foram discutidas em encontro no Rio de Janeiro, que contou com movimentos sociais e familiares de vítimas

MPF e parceiros estabelecem agenda de enfrentamento dos desaparecimentos Fotografia de uma reunião no auditório da sede da OAB/RJ, com autoridades sentadas à mesa e pessoas na platéia. Em duas telas na mesa do evento há a mensagem "sem advogado não há justiça"


Procurador da República Julio Araujo [centro] em evento na sede da OAB/RJ, em 30/6/2025. Foto: Comunicação/MPF.

O Ministério Público Federal (MPF) iniciou, nesta segunda-feira (30/06), a definição de uma agenda de enfrentamento dos desaparecimentos forçados no estado do Rio de Janeiro e no país. As prioridades e estratégias de ação nesta temática urgente foram discutidas em encontro realizado na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seccional do Rio de Janeiro, na capital fluminense. O MPF foi representado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) e o evento contou com a participação ativa de entidades, órgãos públicos, movimentos sociais e familiares de vítimas.

A partir do encontro, o MPF decidiu pela instauração de um procedimento, por meio da PRDC, com o objetivo de, entre outras medidas, cobrar a tipificação penal do desaparecimento forçado, a integração de dados e informações e a construção de políticas públicas para prevenir e superar danos psicossociais a familiares de vítimas. O evento foi organizado em parceria com o Observatório Fluminense da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a Comissão de Direito Internacional da OAB/RJ, o Fórum Grita Baixada e a produtora Quiprocó Filmes.

Além das instituições organizadoras, estiveram presentes Maria Júlia Miranda, defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, o deputado federal Reimont (PT-RJ), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, e Jovita Belfort. Movimentos sociais também participaram do debate, como o coletivo “Mães de Acari” e a Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense, além de outras redes de familiares de vítimas da violência de Estado.

Documentário – Durante o evento, foi realizada a exibição do documentário “Desova” (2022), produzido pelo estúdio Quiprocó Filmes e dirigido por Laís Dantas, denunciando as violações relacionadas aos inúmeros desaparecimentos não solucionados ou sequer investigados na Baixada Fluminense, e que mostra a luta de mães buscando justiça e respostas.

“A ideia aqui é não só exibir [o filme] e debater, mas tirar encaminhamentos concretos, no sentido de a gente enfrentar essa realidade”, declarou um dos diretores da Quiprocó Filmes, Fernando Sousa. “O que muitas dessas mães que têm seus filhos desaparecidos buscam é o direito de enterrar seus filhos. Isso é algo muito profundo, muito forte. E pensar que isso é uma pauta política é muito cruel, em muitos sentidos”, completou o diretor.

Enfrentamento dos desaparecimentos forçados – O procurador regional adjunto dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, Julio Araujo, enfatizou a urgência de medidas concretas. “O nosso objetivo aqui hoje é prático. Este é um tema que a maioria dos aqui presentes conhece a fundo, sabe de muitas das necessidades e de muitas das omissões do Estado brasileiro. Razão pela qual estamos aqui, tentando convergir para reforçar a urgência do tratamento desta temática, a necessidade de que a gente estabeleça, com a prioridade que merece, uma agenda preocupada com a efetivação do enfrentamento dessas violências: os desaparecimentos forçados”.

Adriano de Araújo, coordenador-executivo do Fórum Grita Baixada, também enfatizou o recorte racial, de classe e territorial dos desaparecimentos forçados. “O desaparecimento forçado é só um dos aspectos de uma violência do Estado brasileiro, que é ampla no seu alcance, mas, de uma forma geral, do ponto de vista estatístico, está dirigido a uma população específica, que é a população preta, a população parda, a população empobrecida das periferias”, reforçou o ativista.

“Quando a gente fala em desaparecimento forçado, a gente está falando especificamente sobre pessoas, e corpos, e famílias negras”, declarou Daniele Morais, da Organização Não Governamental (ONG) Criola.

Chacina de Acari  Um caminho importante já aberto para o enfrentamento a essas ilegalidades é a condenação, na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), do Estado brasileiro pelo desaparecimento de 11 jovens da favela de Acari, em 1990 – episódio conhecido por “Chacina de Acari”. Na busca por justiça, mães de desaparecidos criaram o coletivo “Mães de Acari”, e lutaram por décadas, tendo a condenação da CIDH ocorrido apenas em dezembro de 2024, 34 anos depois.

Na sentença, o Estado brasileiro foi condenado a medidas para promover reparação às famílias das vítimas, e, segundo Carlos Nicodemos, presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB/RJ, que atua no caso, a condenação dá respaldo para que sejam cobrados avanços dos órgãos competentes. “Agora a gente começa a caminhar muito fortemente na implementação de ações reparatórias que estão no escopo da própria sentença. A questão da retratação, do pedido de desculpas, a questão da indenização, do acompanhamento médico e psicológico dos familiares são medidas que estão sendo implementadas”, lembrou.

O caso de Acari completou 34 anos, no entanto, o problema é atual. Este é apenas um caso emblemático entre os milhares que ocorreram e ainda ocorrem no Rio de Janeiro e no Brasil. Renata Aguiar, integrante do coletivo Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense, viveu isso na pele e da pior forma possível. “O meu filho foi assassinado, e o corpo dele ficou desaparecido por três meses e 14 dias. E eu que precisei fazer a investigação, eu precisei subir esse morro, com uma sacola, e recolher os ossos dele, e fazer o trabalho da polícia, que foi o que eu e minha filha fizemos. Na verdade, o Estado não funciona para pobres, negros, favelados e que moram, principalmente, na Baixada Fluminense”.

O relato desta mãe – massacrada, adoecida, mas uma sobrevivente – é apenas um, entre incontáveis nas periferias da cidade do Rio de Janeiro e do país, o que mostra a urgência de ações concretas contra essas injustiças e violações.

 

Assessoria de Comunicação Social
Procuradoria da República no Rio de Janeiro
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Fonte MPF