MPF e ESMPU promovem roda de conversa sobre letramento antirracista e decolonialidade — Procuradoria da República no Rio de Janeiro

0
33

Comunidades Tradicionais e Geral

11 de Dezembro de 2024 às 16h41

MPF e ESMPU promovem roda de conversa sobre letramento antirracista e decolonialidade

Flávia Carvalho, Lilia Schwarcz e Deborah Duprat analisaram elementos coloniais e racistas na nossa sociedade, cultura e estruturas de poder

Foto de Deborah Duprat, Fabiana Schneider, Lilia Schawarcz e Flávia Carvalho. Elas estão de pé no espaço do Memorial da PR/RJ


Deborah Duprat, Fabiana Schneider, Lilia Schawarcz e Flávia Carvalho (Foto: Ascom PR/RJ)

O Ministério Público Federal (MPF) e a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) promoveram, na última quinta-feira (5), a roda de conversa “Letramento antirracista e decolonialidade”. O debate foi realizado no Memorial da Procuradoria da República no Rio de Janeiro (PR/RJ) e contou com a participação da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, da subprocuradora-geral da República aposentada Deborah Duprat e da juíza-ouvidora do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávia Martins de Carvalho.

O evento, que também foi transmitido pelo Youtube, propôs uma reflexão sobre a relação entre o letramento antirracista, processo que busca desenvolver uma consciência crítica sobre o racismo e seus efeitos na sociedade, e a decolonialidade, um conceito que busca questionar e superar as ideias e estruturas de poder que surgiram com a colonização.

Na abertura, o procurador-chefe da PR/RJ, Sérgio Pinel, lembrou que o Memorial da unidade é mais do que um espaço de exposição. “O Memorial da PR/RJ é um espaço para múltiplas finalidades e uma delas é exatamente essa que vamos fazer aqui hoje: uma roda de conversa acadêmica, científica, e também muito prática”, afirmou.

Mediadora da roda de conversa, a procuradora da República Fabiana Schneider agradeceu às participantes: “É uma alegria estar na presença dessas três mulheres que, literalmente, transformam a vida de pessoas, e a gente fala pessoas no plural mesmo, porque muitas vezes são comunidades inteiras.”

No início da roda, Flávia lembrou suas origens, em Nova Iguaçu (RJ). “Sou essa menina, preta e pobre que, pelos caminhos da vida, hoje é juíza-ouvidora do Supremo Tribunal Federal, e nesse lugar eu trago um olhar que vem daí, da Baixada Fluminense, da periferia, um olhar que não está muito dentro desses espaços de poder, de privilégio, de colonialidade ainda que a gente frequenta”, contou.

Lilia propôs uma reflexão em torno do conceito de branquitude, que classificou como “um sistema, que se baseia no passado mas se prescreve no presente, de produção de privilégios históricos e recentes, privilégios esses que são simbólicos, mas que são também materiais”.

A partir da análise de imagens de época, discorreu sobre a presença da ausência, ou seja, sobre o que elas revelam e sobre o que elas escondem. “Essas são imagens do nosso passado do presente ou do nosso presente futuro, que a gente tem que interpelar e refletir para pensar que imagens carregam estruturas de subordinação e de poder, estruturas que são simbólicas e também estruturas de privilégios materiais.”

Déborah Duprat lembrou que a América foi um laboratório da construção do conceito de racialidade ao reproduzir a relação geográfica de centro e periferia. “A primeira questão do letramento racial e decolonial é essa: a América foi invisível aos olhos da produção acadêmica do mundo ocidental. E isso, para nós do direito, é reforçado, porque um local em que, quem produz lei e documento, é o poder. E como é um poder que trabalhou com a noção de centro e periferia, ele foi apagando as histórias da periferia.”

Flávia de Carvalho trouxe o conceito de jurisvivência, criado por ela em sua tese de doutorado a partir do conceito de escrevivência desenvolvido pela escritora Conceição Evaristo. “A escrevivência e a jurisvivência possibilitam um diálogo a partir de uma outra tática, que não é dizer para as pessoas que elas não sabem, porque elas se ofendem muito com isso, mas é de dar a elas o contato com um outro conhecimento. Quando a gente fala da luta antirracista para nós, pessoas negras, nós não somos detentores do poder suficiente para fazer a transformação, então a gente age nas brechas que nos são possibilitadas para poder modificar. E eu acho que a literatura escrevivente, a literatura das narrativas produzidas pelas pessoas negras e, sobretudo, por mulheres negras, nos dá essa chave de leitura, que talvez possa abrir algumas outras possibilidades dentro da nossa sociedade.”

Para as palestrantes, o caminho para a decolonização passa pela tomada de consciência do quanto a nossa cultura e a nossa sociedade são permeadas por conceitos oriundos de uma visão eurocentrista de poder.

Lilia lembrou que a população autodeclarada preta e parda no Brasil é de 56,1%, por isso não se pode falar em minoria, mas em maioria minorizada na representação social. Ela sustentou que o fardo da branquitude é colonizar e conquistar, e que as representações iconográficas retratam a América como se estivesse sempre aguardando ser colonizada.

Duprat fez uma analogia com os “monstros”, que são todos aqueles diferentes do arquétipo do colonizador. “O monstruoso é caracterizado, para o colonizador, como o anômalo, o feio, o horroso. Só que o monstro também tem potência, então ao mesmo tempo em que ele é constituído pelo colonizador, ele também constitui o colonizador a partir do seu olhar”, explicou. Em sua análise, foi a potência desses “monstros” marginalizados que trouxe avanços e garantiu o reconhecimento de direitos como a tipificação do crime de racismo e a demarcação de territórios indígenas e quilombolas.

Flávia alertou para o fato de que até a imaginação é permeada por uma visão colonizada, racista e patriarcal, o que limita as soluções que encontramos para problemas sociais. Por isso, a fabulação crítica foi defendida como um caminho. Ao imaginar de maneira decolonial as histórias que não estão contadas, seria possível “construir uma nova imagem a partir de outras possibilidades”.

Na mesma linha, Lilia defendeu uma leitura contraintuitiva, buscando novos elementos a partir da reflexão sobre os mitos que constituem as narrativas que formam a nossa identidade. “O mito da democracia racial está na nossa literatura, está em Gilberto Freire, no Casa Grande e Senzala, e está também em nossa arquitetura de casa grande, que tem essa instituição social chamada elevador de serviço e quarto de empregada. E esse mito da democracia racial, como os mitos vivem em espiral, vai dar no mito da meritocracia”, analisou.

Exposição – A roda de conversa foi parte das atividades relacionadas à exposição “Quilombo da Marambaia: do ‘ficar bom’ ao ‘ficar bem’”, em exibição no Memorial da PR/RJ até 19 de dezembro. Com a curadoria de Fabiana Schneider, Emanuel Castro, e as quilombolas da Marambaia Jaqueline Alves e Vania Guerra, a mostra conta a história de luta e resistência do quilombo fluminense pelo reconhecimento de seu território. A partir de uma narrativa crítica, por meio de obras de arte, propõe reflexões sobre as adversidades enfrentadas pelos povos tradicionais no Brasil e sobre as tentativas de apagamento dessas comunidades na formação cultural do país.

Assista ao vídeo da roda de conversa no Youtube

Assessoria de Comunicação Social
Procuradoria da República no Rio de Janeiro
Atendimento à imprensa: (21) 3971-9570 
 

 

Fonte MPF