MPF denuncia duas pessoas por intolerância religiosa e furto contra o Centro Cultural Castelo Alto do Xangô (BA) — Procuradoria da República na Bahia

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Criminal

11 de Junho de 2024 às 11h15

MPF denuncia duas pessoas por intolerância religiosa e furto contra o Centro Cultural Castelo Alto do Xangô (BA)

Um dos acusados é policial militar e, se for condenado, pode vir a perder o cargo

foto de mulher negra com saia vermelha e dourada e turbante na cabeça, agachada, com búzios nas mãos, num terreiro. Ao fundo aparece uma parede de pau-a-pique


Foto Ilustrativa: Joédson Alves/Agência Brasil

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou dois homens, um deles um policial militar, por ataques ao Centro Cultural do Candomblé Castelo Alto do Xangô e à Sociedade Floresta Sagrada Alto do Xangô, entidades religiosas que detém a posse e funcionam na Fazenda Santa Inês, no município de Brumado, sudoeste da Bahia. Os dois são acusados de invadir e vandalizar áreas consideras sagradas por praticantes de religiões de matrizes africanas, emitir ofensas de cunho racista e ameaçar integrantes do grupo, além de roubar objetos, depois revendidos a terceiros. Se a denúncia for aceita pela Justiça, eles vão responder pelos crimes de furto qualificado, racismo por motivo de intolerância religiosa, crime ambiental e dano qualificado.

Na denúncia, o MPF relata que, em fevereiro de 2022, os dois homens invadiram o Centro Cultural Castelo Alto do Xangô com tratores e caçambas, destruíram áreas de mata essenciais para a prática de cultos religiosos, vandalizaram objetos, emitiram ofensas de cunho racista e ameaçaram colocar veneno na caixa d’água que abastece o templo religioso. Também usaram o trator para derrubar a torre de internet do local (depois revendida a terceiros como sucata, como ficou comprovado em depoimentos) e destelhar a casa da Floresta Sagrada Alto de Xangô, com o objetivo de impedir a prática de culto religioso.

Várias testemunhas confirmam os ataques e as ofensas racistas ditas pelos denunciados. De acordo com o MPF, embora estivesse à paisana, o policial militar envolvido no episódio é bem conhecido da população local. Ele estava armado e atuava como se fosse o segurança particular do outro acusado. Assim, segundo a denúncia, ele se valeu da sua posição para conseguir objetivos ilícitos, “abusou das prerrogativas, das facilidades e do respeito do cargo para blindar o outro agressor de qualquer reação das vítimas e atemorizá-las”.

Disputa de terras e intolerância religiosa – No documento, o MPF narra que a Fazenda Santa Inês foi comprada pela União em 1927 e, ao longo de décadas, vem sendo alvo de invasões e esbulhos praticados por uma multidão de particulares. “Nesse cenário, o Alto do Xangô se destaca justamente por ser uma das poucas ocupantes que não exerce a posse de forma clandestina, precária e sem justo título”. Há mais de 15 anos, a Sociedade Floresta Sagrada Alto do Xangô professa sua fé no interior da Fazenda com autorização da União para exercer posse sobre uma parcela da área total de 366 hectares.

A partir de 2014, a entidade religiosa passou a ser alvo de ataques praticados por particulares que disputavam regiões adjacentes e que começaram a invadir áreas de culto alegando serem os verdadeiros donos do lugar. Alguns deles chegaram a instalar um loteamento clandestino na região, falsificando escrituras públicas para reivindicar lotes situados dentro do imóvel federal. O cenário motivou uma série de atuações do MPF, incluindo ação civil pública para garantir a proteção da posse das entidades religiosas e denúncia oferecida em ação penal contra o grupo que fraudou os registros imobiliários da União e instalou o loteamento clandestino. Há ainda inquérito policial que apura crimes cometidos contra o Alto do Xangô.

Apesar desse pano de fundo, o MPF destaca que o ataque objeto da denúncia não se resume a uma questão de disputa de terras. A destruição das áreas de floresta consideradas sagradas pelo grupo configura não apenas crime ambiental contra patrimônio da União, mas também um ato de intolerância à religião de matriz africana. Laudos periciais produzidos pela equipe do MPF comprovam o desmatamento e reforçam a importância das áreas de mata para a prática de cultos religiosos. “No caso concreto, a supressão de vegetação foi praticada com o objetivo de atentar contra a dignidade e o sentimento religiosos dos membros do terreiro de candomblé”.

Para o MPF, ao desmatarem a floresta no interior de imóvel da União, os dois acusados praticaram crime ambiental previsto no art. 50-A da Lei nº 9.605/98. A subtração de bens do Centro Cultural Alto de Xangô configura crime de furto qualificado (art. 155, §4º, I e IV, do Código Penal) e a destruição de instalações da entidade, crime de dano qualificado (art. 163, parágrafo único, IV, do CP). As ameaças e ofensas emitidas contra o grupo de candomblé, a destruição de objetos e árvores sagrados do culto, a invasão de locais de liturgia e a destruição de construções para impedir o exercício do culto religioso caracterizam o crime de racismo por motivo de preconceito/intolerância religioso/a, como previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/89.

Além da condenação pelos crimes apontados, o MPF pede ainda que os dois denunciados sejam condenados a pagar R$ 20 mil para a Sociedade Floresta Sagrada Alto do Xangô título de reparação pelos danos morais e materiais. Requer ainda que o policial militar seja condenado à pena de perda do cargo público em virtude do envolvimento no episódio.

Fonte MPF