Direitos do Cidadão
24 de Abril de 2024 às 13h59
MPF defende soluções consensuais para conflitos fundiários em jornada de direitos humanos do TRF2
Comissão sobre conflitos fundiários aprovou 12 enunciados durante a I Jornada de Direitos Humanos e Fundamentais
Foto: TRF2
O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, contribuiu para a elaboração de enunciados sobre o tema “proteção contra o despejo forçado nos conflitos fundiários”, durante a I Jornada de Direitos Humanos e Fundamentais do Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF2), que ocorreu entre 10 e 12 de abril. Foram aprovados 12 enunciados pela comissão de trabalho, que ressaltou o status constitucional do direito à moradia e a necessidade de que os juízes, ao analisarem situações de conflitos fundiários, não pressuponham a superioridade em abstrato do direito de propriedade, devendo verificar a concreta função social do imóvel no caso específico.
A comissão ainda aprovou enunciados sobre os procedimentos em conflitos possessórios, como a possibilidade de caracterização de conflito coletivo mesmo com a existência apenas de ações individuais, a necessidade de escuta e diálogo participativo com os entes federativos e os movimentos sociais, a obrigatoriedade de intimação da Defensoria Pública e a importância do papel da Comissão de Soluções Fundiárias.
As diretrizes têm como objetivo a proteção dos direitos fundamentais e a prevenção de medidas que possam agravar a situação de pessoas em condição de vulnerabilidade social. Busca, ainda, o estímulo à mediação e a soluções consensuais nas demandas de natureza coletiva envolvendo a posse ou a propriedade de imóvel urbano ou rural.
Grupo de trabalho – A comissão temática sobre conflitos fundiários foi presidida pelo desembargador federal Ricardo Perlingeiro, responsável pela coordenação acadêmica da jornada. Além do MPF, integraram o grupo juízes federais e estaduais, defensores públicos federais e do estado do Rio de Janeiro, membros da Advocacia-Geral da União e representantes do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio (Iterj), Universidade Federal Fluminense e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Para o procurador da República Julio José Araujo Junior, a Jornada de Direitos Humanos do TRF2 é muito importante para ampliar o debate e consolidar a necessidade de que as ações e conflitos possessórios coletivos sejam analisados à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828 e da Resolução 510/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Ao ressaltar a necessidade de que vários aspectos sejam analisados, e não apenas a propriedade pública dos entes envolvidos, reforçando o direto à moradia e a obrigatoriedade de justificativa da Administração sobre o interesse público na utilização dos imóveis, a Justiça mostra como é possível construir soluções diferenciadas nesses casos”, ponderou o membro do MPF.
Além do grupo de trabalho que debateu formas para assegurar a proteção contra o despejo forçado nos conflitos fundiários, outras seis comissões foram formadas durante o evento. Entre os temas discutidos estão o combate ao assédio e à discriminação por gênero ou orientação sexual; justiça restaurativa e direitos humanos das vítimas e pessoas encarceradas; acessibilidade, inclusão e equidade; direito digital, acesso à informação e proteção de dados; justiça itinerante e proteção de vulneráveis; e direito à saúde.
Confira os doze enunciados aprovados pela comissão de conflitos fundiários:
Enunciado 1: Nos casos de remoção forçada de uma coletividade de pessoas, poderá o juiz exigir a apresentação do plano de remoção de que trata a Resolução 10/2018 CNDH.
Enunciado 2: A existência de ações individuais não invalida o caráter coletivo para a admissibilidade do incidente de mediação. Os incidentes devem contemplar conflitos fundiários coletivos e que envolvam grupos em situação de vulnerabilidade social.
Enunciado 3: O direito fundamental à moradia possui o mesmo status constitucional do direito de propriedade, de modo que a análise de conflitos fundiários pressupõe a não hierarquização em abstrato de bens jurídicos e a verificação concreta da função social do imóvel.
Enunciado 4: Antes de determinar o cumprimento de mandado de desocupação de imóvel residencial, caso constatada situação de vulnerabilidade dos ocupantes, deverá o magistrado intimar o município para que esclareça se eles se enquadram em alguma política assistencial ou habitacional e informe as medidas adotadas para prevenir que sejam colocados em situação de rua.
Enunciado 5: Após a visita técnica, sempre que possível, deve ser agendada audiência de mediação de conflito pelo juiz relator do Incidente de Soluções Fundiárias com a garantia da participação ativa das famílias, lideranças das ocupações, associações e movimentos sociais, com a prévia intimação das famílias.
Enunciado 6: Recomenda- se a intimação de ofício da Defensoria Pública para atuação na qualidade de custos vulnerabilis nos feitos que envolvam conflitos possessórios (artigo 554, §1º do CPC e art.4º, XI da LC 80/94), interpretando-se a situação de hipossuficiência de forma ampla.
Enunciado 7: É possível a prorrogação sucessiva do prazo de que trata o artigo 6º da Resolução 510 do CNJ, justificadamente, sempre que a Comissão Regional identificar possibilidade concreta de resolução do conflito.
Enunciado 8: Nas ações de reintegração de posse movidas pela União com base no art. 71 do Decreto Lei 9760 de 1946 visando a desocupação de bens públicos dominiais funcionalizados pela moradia de população vulnerável, cabe ao ente público justificar qual a destinação que pretende dar ao bem e esta motivação deve superar a situação atual, sob a visão de atendimento a princípios fundamentais.
Enunciado 9: Nas execuções de ordens de reintegração de posse ou despejo de imóveis envolvendo potencialmente pessoas ou grupos socioeconômicos vulneráveis, recomenda- se que os órgãos de assistência social e habitação competentes sejam previamente instados para interlocução tendente à apresentação de eventuais alternativas e participação na data das respectivas diligências judiciais.
Enunciado 10: Nos litígios possessórios coletivos com potencial de remover população em situação de vulnerabilidade, ainda que o esbulho ou a turbação afirmado na inicial tenha ocorrido há menos de ano e dia, o juiz poderá designar audiência de mediação antes de apreciar o pedido liminar, intimando-se a Defensoria Pública, na qualidade de custos vulnerabilis, o Ministério Público, os órgãos responsáveis pela implementação de políticas públicas dos entes federativos nos quais se situe a área objeto do conflito, representantes de movimentos sociais envolvidos na ocupação, e demais órgãos que atuem nas esferas correlatas ao litígio (art. 565, §§ 2º e 4º, CPC).
Enunciado 11: Nas reintegrações de posse pertinentes à ocupação de faixa de domínio e área não edificável das rodovias (art. 4º, III, Lei 6.766/79), com potencial de atingir coletividades vulneráveis, é recomendável que, no âmbito da prova pericial, sejam avaliadas todas as possibilidades de evitar ou minimizar as consequências danosas da medida demolitória. Recomenda- se, igualmente, que o magistrado oportunize a construção de soluções consensuais, porquanto o diálogo interinstitucional pode viabilizar inclusive providências alternativas ao plano de realocação.
Enunciado 12: A Comissão Regional de Soluções Fundiárias tem atribuição defnida e centrada em atuar como estrutura de apoio à solução pacífca das ações possessórias e petitórias coletivas, em auxílio na garantia de direitos fundamentais das partes envolvidas em caso de reintegração de posse (Resolução CNJ nº 510/2023). Não é instância revisora do Juízo de Origem, tampouco trata de incidentes processuais, para além de medidas que visem à construção de soluções consensuais para conflitos fundiários coletivos.
*Com informações da Ascom do TRF2
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Fonte MPF