Comunidades Tradicionais
25 de Abril de 2025 às 12h5
MPF defende que comunidade tradicional seja reconhecida e ouvida sobre projeto de mineração no Pampa gaúcho
Também são apontadas deficiências no licenciamento ambiental; caso será analisado pelo TRF4

Pampa em Bagé (RS). Crédito: Marcos Nagelstein/MTur Destinos
A demora do Estado em reconhecer povos e comunidades tradicionais não pode impedir a proteção de seus direitos. Esse é um dos argumentos do Ministério Público Federal (MPF) em parecer que pediu a anulação de etapas do licenciamento ambiental do Projeto Fosfato Três Estradas, empreendimento de mineração na zona sul do Rio Grande do Sul. A manifestação foi enviada ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Além de apontar deficiências nos estudos e relatórios de impactos no meio ambiente, o MPF defende que agropecuaristas familiares que seriam afetados pela atividade sejam ouvidos como prevê a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo a norma, do qual o Brasil é signatário, os povos indígenas e comunidades tradicionais têm o direito de ser consultados sempre que medidas legislativas ou administrativas possam afetá-los diretamente.
Em 2021, o MPF já havia recomendado à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler (Fepam) a anulação da licença prévia concedida para o projeto justamente pelas inconsistências apontadas em laudos produzidos por peritos do MPF.
Tratando-se de atividade de alto potencial poluidor, os documentos atestaram que diretrizes e requisitos mínimos exigidos pela legislação ambiental não foram atendidos. Entre eles, a área afetada direta ou indiretamente nas etapas do projeto não estava devidamente delimitada, faltavam objetividade e clareza sobre as alternativas tecnológicas para a disposição do rejeito, bem como haviam lacunas sobre alterações das taxas de recarga dos aquíferos e da vazão de base e supressão de nascentes, entre outros pontos.
Como a recomendação não foi seguida, o MPF abriu um inquérito civil e, no ano seguinte, entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal de Bagé pedindo que a comunidade de agropecuaristas fosse reconhecida e incluída no processo.
Ao analisar o caso, a Justiça atendeu apenas ao pedido para realizar estudos complementares sobre os pontos técnicos relacionados ao meio ambiente. Acerca dos agropecuaristas, considerou que não era possível concluir que se tratava de comunidade tradicional e que a discussão deveria ser travada no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais – órgão colegiado do Ministério do Meio Ambiente responsável pelo reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais.
Parecer ao TRF4 – No parecer enviado à 3ª Turma do TRF4, que julgará o recurso do caso, o procurador regional da República Vitor Hugo Gomes da Cunha afirmou que o autorreconhecimento — ou seja, o entendimento do próprio grupo de que é diferente dos demais — é o principal critério para definir se uma comunidade é tradicional. Por isso, a Convenção 169 da OIT e os Decretos nº 6.040/2007 e nº 8.750/2016 não exigem reconhecimento oficial do Estado.
O MPF lembrou ainda que, mesmo que a sentença diga não existirem “aspectos que demonstrem uma relação com a propriedade que desborde dos limites estritos da exploração individual do patrimônio”, já há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em caso parecido. Ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5783, a Corte considerou inconstitucional uma lei da Bahia que impunha prazo final para as comunidades de fundo de pasto pedirem a regularização de seus territórios, reconhecendo-as como povo tradicional.
Segundo o parecer do MPF, “o comprometimento da vida no território por ameaças externas (como a mineração) leva ao adoecimento dessas comunidades e coloca em risco a continuação da reprodução desse modo de saber, fazer e viver, colocando em risco (…) também o patrimônio cultural imaterial da lida campeira”.
O procurador ainda registra que outras instâncias do governo do Rio Grande do Sul já reconheceram os agropecuaristas familiares de Três Estradas como comunidade tradicional: a Secretaria de Meio Ambiente, por meio de nota técnica, e o Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado. Isso reforça que os agropecuaristas deveriam ser previamente ouvidos, como as normas estipulam, já que poderão ser atingidos pelas consequências ambientais decorrentes da instalação minerária.
Ainda não há data definida para o julgamento.
Apelação Cível nº 5002523-26.2021.4.04.7109
Fonte MPF