Meio Ambiente, Indígenas e Comunidades Tradicionais
28 de Fevereiro de 2025 às 19h31
MPF defende manutenção da vazão no Rio Xingu (PA) para proteger piracemas e povos e comunidades tradicionais
Recurso aponta choque entre interesses econômicos de Belo Monte e a necessidade de proteger reprodução de peixes, já em andamento
Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real CC BY 2.0
O Ministério Público Federal (MPF) pediu, nesta quinta-feira (27), a suspensão imediata de decisão da Justiça Federal favorável à empresa Norte Energia (Nesa), dona da hidrelétrica de Belo Monte (PA), em processo em que a empresa requer autorização para reduzir drasticamente o fluxo de água liberada para o curso natural do rio Xingu.
O fluxo de água foi aumentado após a vazão da usina hidrelétrica ter sido reduzida, em 22 de janeiro, devido à queda de cinco torres de transmissão de energia. A redução da vazão ocasionou inundação inesperada, dando origem a centenas de berçários com ovas de milhares de peixes. Caso a decisão judicial seja mantida, a reprodução dos peixes será afetada, assim como o sustento de indígenas e comunidades tradicionais da área.
Para o MPF, há uma contradição na decisão, que afirma querer manter a integridade do meio ambiente ao mesmo tempo em que autoriza a redução do fluxo de água pela hidrelétrica. Além disso, a Justiça invalidou a determinação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), emitida em 14 de fevereiro, para que a Nesa mantivesse os níveis altos de fluxo de água até o final do período de defeso, que se encerra em 15 de março, o que garantiria a reprodução dos peixes.
A decisão considerou que o Ibama teria tentado fazer uma revisão do hidrograma, o plano que define o quanto de água vai para a usina e o quanto sobra para o Trecho de Vazão Reduzida (TVR) da Volta Grande do Xingu. Entretanto, a vazão não foi reduzida e segue aumentando até hoje, de forma que, no último dia 23, a Nesa emitiu comunicado informando que o nível do rio subirá aos poucos e diariamente pelas próximas duas semanas, relata o MPF no recurso.
O MPF também destaca que, tendo em vista que o aumento da vazão foi causado por um fato inesperado, a decisão do Ibama, de determinar a manutenção dos níveis da vazão para o Xingu, foi uma medida excepcional, não prevista na outorga. “A medida de precaução adotada pelo Ibama manifesta exercício de seu regular poder de política ambiental, enquanto licenciador, e teve como único objetivo evitar grave dano socioambiental, o que virá a se consumar caso a Nesa retome as vazões previstas no hidrograma de Belo Monte”, alerta o MPF.
A Nesa entrou na Justiça, em 17 de fevereiro, com pedido de suspensão da determinação do Ibama. Dois dias depois, a Justiça Federal concedeu à empresa uma decisão favorável, que agora está sendo contestada pelo MPF. “No presente momento, a única forma de garantir a proteção ao meio ambiente, em total consonância com o princípio da precaução – como propõe a decisão judicial – é reconhecer o fato atual, determinando a manutenção da vazão do TVR, mantendo-se os efeitos do ato administrativo do Ibama”, frisam os membros do MPF no recurso.
Vida ou morte – Em sua manifestação à Justiça Federal, o MPF cita nota técnica em que especialistas aprofundam a análise acerca do risco de dano ambiental a ecossistema já fragilizado e analisam os argumentos econômico-energéticos da Nesa.
A nota ressalta que a vazão extra deste ano no rio Xingu já possibilitou o alagamento de áreas importantes para a reprodução dos peixes, que são chamadas de piracemas, e que uma redução abrupta, neste momento, comprometeria o desenvolvimento de ovas e embriões, com efeitos nocivos para a fauna, a pesca e a segurança alimentar das comunidades ribeirinhas e indígenas da Volta Grande.
Sobre as alegações da Nesa de que a manutenção de maior vazão para a TVR significaria a necessidade de acionamento de termelétricas, as pesquisadoras e pesquisadores lembram que o Sistema Interligado Nacional (SIN) tem outras opções de fontes e que cabe ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) decidir qual será usada, e não à Nesa.
E, mesmo que fosse necessário o acionamento de termelétrica, os dados sobre emissões de gases de efeito estufa, apresentados pela empresa, correspondem a apenas 0,2% das emissões brasileiras anuais. Isso não justifica as perdas dos ecossistemas aquáticos, que podem ser evitadas pela alteração excepcional no hidrograma, com duração de apenas dois meses e meio, observam os autores do estudo.
“Corroboramos a preocupação do órgão ambiental com o impacto imensurável que a descida abrupta do nível da água e o rebaixamento do nível pode continuar causando nas áreas de reprodução da ictiofauna na região da Volta Grande, e que podem gerar reflexos negativos de médio prazo (nos próximos três anos ou mais) na pesca e na segurança e soberania alimentar das populações tradicionais da Volta Grande do Xingu”, concluem especialistas da Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Amazonas (Ufam), do MPF e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Processo 1000963-77.2025.4.01.3903
Ministério Público Federal no Pará
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Fonte MPF