Indígenas e Comunidades Tradicionais
22 de Maio de 2025 às 20h50
MPF debate desafios que ameaçam os modos de vida das populações tradicionais em evento no Pará
Segundo dia do encontro abordou temas estratégicos relacionados à crise climática e seus impactos nos territórios tradicionais
Arte: Comunicação/MPF
A análise de temas estratégicos que afetam diretamente o modo de vida e a cultura dos povos e comunidades tradicionais foi o foco do segundo dia do Encontro Nacional da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), nesta quinta-feira (22), em Belém (PA). Os efeitos e desafios da sobreposição de terras tradicionais, do mercado de crédito de carbono e os impactos socioambientais das energias renováveis e dos combustíveis fósseis foram debatidos por representantes de comunidades, procuradores do MPF, pesquisadores e especialistas, que destacaram a necessidade de uma atuação sensível às realidades locais.
Apesar de serem distintos, os temas convergem na disputa por território e no avanço de políticas e empreendimentos que desrespeitam direitos coletivos, provocando impactos sociais e ambientais significativos. Os participantes alertaram para a invisibilização de povos e ausência de consulta prévia, livre e informada nos processos de demarcação, compensação ambiental e instalação de grandes projetos energéticos. O debate evidenciou que não há justiça climática sem justiça territorial, e que a proteção dos modos de vida tradicionais deve estar no centro das soluções para a crise ambiental.
A iniciativa faz parte da série de ações preparatórias para a participação do MPF na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30).
Conflitos evitáveis
O primeiro painel do dia abordou a sobreposição de territórios tradicionais, situação que ocorre quando diferentes povos ou comunidades — como indígenas, quilombolas e extrativistas — têm reconhecidos ou reivindicam direitos sobre a mesma área geográfica. Conduzindo a mesa, o procurador da República Paulo de Tarso Oliveira esclareceu que esse fenômeno é, muitas vezes, uma consequência da ação descoordenada do Estado na demarcação de terras, ao ignorar relações históricas e socioculturais dos diferentes povos. “Temos uma série de povos na Amazônia que, de certa forma, se veem invisibilizados pelo Estado porque não têm um aparato que trate das suas especificidades. Essa falta de sensibilidade do Estado, que vai a campo lidar com comunidades propondo essa forma de demarcação territorial, faz com que os conflitos eclodam”, pontuou.
O procurador da República Luís de Camões acrescentou que os chamados “conflitos fictícios” surgem não das comunidades envolvidas, mas da maneira como o Estado impõe soluções jurídicas hierarquizadas, sem garantir autonomia e protagonismo aos povos tradicionais. Para ele, a interpretação sistêmica da Constituição e o diagnóstico dos conflitos a partir de uma visão não colonialista são caminhos para resolver os impasses. Ambos alertaram que a aplicação totalizante da lei, sem considerar a vida social e as dinâmicas próprias de cada território, pode aprofundar exclusões e injustiças. Por isso, é necessário construir de forma coletiva soluções que “respeitem o bem viver das comunidades e evitem intensificar tensões já existentes”.
Crédito de carbono: solução ou problema?
O sistema que permite a compensação de emissões de gases de efeito estufa por meio da preservação ambiental, conhecido como mercado de crédito de carbono, foi tema de debate no segundo painel. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO₂ que deixou de ser emitida ou foi retirada da atmosfera. Governos e empresas podem comprar esses créditos para compensar suas próprias emissões. Apesar de ter sido criado com o objetivo de contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas, esse sistema tem gerado conflitos em territórios tradicionais e preocupado o MPF, diante da desigualdade entre aqueles que mais emitem e aqueles que menos emitem.
Dados do Observatório do Clima apontam que, no Brasil, as mudanças de uso da terra responderam por 49% das emissões brutas de gases de efeito estufa do país em 2021. Em seguida vêm a agropecuária, com 25%, energia e processos industriais, com 22%, e resíduos, com 4%. “Os grandes poluidores precisam pagar, sim. Mas o que não há é consenso sobre como isso vai acontecer”, disse o procurador da República Fernando Merloto, lembrando que a compensação de carbono pode se tornar uma distração climática, sem atacar diretamente as causas do problema.
O procurador-chefe do MPF no Pará, Felipe Palha, apresentou o Roteiro de Atuação do MPF sobre Mercado de Créditos de Carbono, elaborado com base em experiências da Amazônia e voltado a orientar a atuação institucional frente aos projetos que impactam povos e comunidades tradicionais. Cnstruído coletivamente, a partir de uma demanda da 6ª Câmara, o documento reforça a necessidade de garantir consulta prévia, livre e informada, transparência nos contratos e repartição justa dos benefícios, especialmente em projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+) em áreas coletivas como reservas extrativistas.
“Nós sempre vivemos de forma coletiva e mostramos que é possível proteger a floresta trabalhando nela com respeito e dignidade. Mas o Estado nem reconhece os dois milhões de pessoas que vivem em reservas extrativistas”, desabafou o líder extrativista e ex-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) Atanagildo de Deus Matos. O painel reforçou a urgência de assegurar que os projetos ambientais respeitem os direitos e modos de vida dos povos que há séculos preservam os biomas brasileiros.
Transição energética justa e social
No terceiro painel do dia, os participantes debateram sobre os desafios da transição energética. Embora o Brasil tenha assumido compromissos internacionais para ampliar o uso de fontes renováveis até 2040, representantes do MPF e lideranças comunitárias alertaram para os impactos diretos desses empreendimentos sobre os territórios tradicionais. O procurador da República José Godoy destacou que a instalação de parques eólicos e solares tem afetado comunidades no semiárido, agravado a degradação ambiental da caatinga e exposto famílias a contratos de arrendamento injustos, sem a devida consulta prévia, livre e informada. “O dilema da energia renovável está entre o potencial econômico e a desterritorialização que ela causa”, afirmou.
A presidente da Comunidade Quilombola Pitombeira, da Paraíba, Francisca Zuíla dos Santos, deu um depoimento emocionado sobre os impactos sentidos por sua comunidade na Paraíba. Ela relatou a pressão constante para legalização de empreendimentos no território, o êxodo de pequenos agricultores e a ausência de apoio institucional diante das violações. Para os participantes do painel, é urgente repensar o modelo de desenvolvimento energético adotado no país e garantir uma transição energética justa e popular, que respeite os direitos humanos e os modos de vida das comunidades tradicionais.
Olhares jovens sobre a Amazônia
O encontro terminou com a apresentação de possíveis soluções para problemas contemporâneos que afetam as comunidades tradicionais e a população como um todo, como a estiagem que atingiu o Amazonas em 2023 e 2024. O estado sofreu uma seca extrema, registrando mais de 25 mil queimadas.
Moderado pelo procurador regional da República Felício Pontes, o painel “Confluências Institucionais na Atuação com Povos e Comunidades Tradicionais” contou com a participação das procuradoras Carolina Helpa, Thaís Medeiros e Janaína Mascarenhas, empossadas no último concurso de procuradores da República em 2023. Elas trataram de temas como a atuação do MPF sobre os impactos da escassez e degradação hídrica do rio Tapajós e a importância hídrica da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, localizada em Rondônia.
“Há 20 anos atrás seria impossível pensar que um dia procuradores teriam que se preocupar com a estiagem na Amazônia, em levar água para comunidades tradicionais. É muito importante essa adaptação do MPF a essa nova realidade e a gente se preparar para isso”, ressaltou Pontes, que fez votos de esperança na atuação sensível e cuidadosa da nova geração de membros do MPF.
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Fonte MPF