Fiscalização de Atos Administrativos
18 de Dezembro de 2025 às 15h0
MPF constata que maioria dos recursos públicos federais para saúde em Belém (PA) se destina a particulares
Precariedade do maior pronto-socorro da Amazônia se deve à falta de aplicação mínima de recursos federais disponíveis, aponta MPF

Captura de imagem: ago de 2025 © 2025 Google
Dados levantados pela equipe de perícia do Ministério Público Federal (MPF) utilizando sistema de investigação de movimentações bancárias revelam que a maior parte das verbas federais repassadas à saúde de Belém (PA) é direcionada para entidades privadas, enquanto o Hospital Pronto-Socorro Municipal (PSM) Mário Pinotti (o PSM da travessa 14 de Março, ou PSM da 14), permanece em colapso por falta de recursos básicos. Dos dez maiores beneficiários de depósitos federais identificados pela investigação, oito são entes privados.
As informações foram apresentadas à Justiça Federal esta semana, na ação em que o MPF, a Defensoria Pública da União (DPU) e os Conselhos Regionais de Farmácia, Medicina, Odontologia e Psicologia no Pará ajuizaram contra o fechamento e a privatização do PSM.
O Hospital Beneficente Portuguesa aparece como o destino preferencial. Em apenas dez meses deste ano, a unidade privada recebeu R$ 110,8 milhões em empenhos, sendo R$ 72,3 milhões do Fundo Municipal de Saúde, R$ 32,6 milhões a mais que o destinado à própria Secretaria Municipal de Saúde (Sesma). Se o PSM for privatizado, a Beneficente Portuguesa receberá um incremento anual de mais R$ 125 milhões.
“A Sesma conseguiu destinar, em 2025, R$ 110 milhões, do Sistema Único de Saúde (SUS), notadamente em verbas federais, para hospital privado (Beneficente Portuguesa), mas não tem R$ 8 mil para craniótomo (instrumento que corta o crânio, em cirurgia), não tem R$ 14 mil para aparelho de raio-X portátil, não tem R$ 11 mil para aparelho de eletrocardiograma, não tem R$ 58 mil para autoclave (esterilização), não tem R$ 145 mil para aparelho de ultrassom, a serem colocados dentro do PSM da 14 de março”, destaca a ação.
Recursos e sucateamento – Em 2025, a Sesma recebeu, em recursos públicos federais, até 9 de novembro, um total de R$ 728,8 milhões, valor superior ao último prêmio da Mega-Sena da Virada. Se o município decidisse aplicar em saúde 15% do que arrecada, obrigatoriamente (impostos) e voluntariamente (taxas, etc), beneficiaria a população em mais R$ 840 milhões.
Esse cenário contrasta com a precariedade da situação do PSM, onde falta o básico (insumos como esparadrapo, medicamentos essenciais como morfina, aparelhos elementares como para abrir crânio, cirurgias de traumatologia paradas, etc), o que, para as instituições autoras da ação judicial, indica que o sucateamento do PSM é proposital.
Para MPF, DPU e associações de classe, há sim dinheiro público federal suficiente, que basta ser aplicado. Como exemplo, a ação cita que o Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará (CRM-PA) constatou que na Sala Vermelha do PSM, onde são atendidos pacientes graves, faltam enzimas para exame que detecta infartos. Mas, até julho, a Sesma recebeu R$ 7 milhões em recursos federais para financiamento de procedimentos de alta complexidade em cardiologia. Apenas 1% desse valor garantiria a realização de quase 9 mil desses testes.
Exemplos da disparidade – No PSM faltam insumos e equipamentos básicos, como luvas de silicone, gazes, esparadrapos, cateteres, craniótomos (equipamento para abrir o crânio), raios-X portáteis, aparelhos de eletrocardiograma e ultrassonografia, autoclave (esterilização), entre outros. Segundo estimativas, se a prefeitura aplicasse ao menos 1% do que recebeu de recursos públicos federais da média e alta complexidade (R$ 514 milhões, em dez meses de 2025), seria possível adquirir todos os seguintes itens, somados:
• 1,6 mil pares de luvas de silicone para cada funcionário da área da saúde municipal;
• gazes para cobrir uma área equivalente a 143 campos de futebol;
• 240 pontes de Mosqueiro em esparadrapos;
• o equivalente a uma pilha do tamanho de 30 prédios Manoel Pinto da Silva (um dos mais conhecidos de Belém) em máscaras descartáveis;
• cinco aparelhos de radiografia (raios-x) portáteis;
• cinco aparelhos de eletrocardiograma de 12 canais com Inteligência Artificial (IA) para laudos;
• um aparelho de ultrassonografia portátil;
• 889 cateteres venosos duplo lúmen;
• uma autoclave;
• seis craniótomos.
Mesmo comprando todos esses itens, ainda sobrariam R$ 2,6 milhões dessa parcela, equivalente a 1% do orçamento recebido para média e alta complexidade, segundo os cálculos do MPF.
Desigualdade no investimento – O valor de R$ 110,8 milhões destinado pela prefeitura ao Hospital Beneficente Portuguesa nos primeiros dez meses de 2025 equivale a 71% de um prédio novo de grande porte em saúde, calculou o MPF. Isso significa que, se a prefeitura destinasse valor equivalente ao que transferiu para a iniciativa privada e aplicasse, no mesmo ritmo mensal, em novo prédio de grande porte em saúde, juntaria valor suficiente para a obra completa em apenas um ano e dois meses.
Os R$ 110,8 milhões destinados ao Hospital Beneficente Portuguesa representam 21,5%, ou um quinto, do que deveria ser destinado a toda rede municipal com atuação na média e alta complexidade. Ou seja: a Prefeitura de Belém deixa de destinar dinheiro para precárias Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), deficientes Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Centros de Especialidades Médico-Odontológicas (neurologia, cardiologia, oftalmologia, dermatologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, odontologia) e outros, que fazem parte da média e alta complexidade, para repassar um quinto desse valor para somente um hospital privado, destaca a ação.
Também como forma de comparação, os autores da ação apontam que os R$ 110,8 milhões em verbas públicas concentradas em um único hospital privado representam uma quantia superior ao que o município aplicou, em 2025, nos distritos de Outeiro, Mosqueiro e Icoaraci, e em habitação, comunicação, esporte, cultura, e meio ambiente, investimentos que totalizaram R$ 97,4 milhões.
Comparativo do fundo municipal – Ao se analisar os dez maiores beneficiários (por volume de depósitos) de recursos públicos federais em 2025 na conta do Fundo Municipal de Saúde, as instituições autoras da ação fizeram constatações que, segundo elas, comprovam a inversão de prioridades entre o público e privado:
• oito dos maiores beneficiários são entes privados e apenas dois são entes públicos (Sesma e Município de Belém);
• o município de Belém, que ficou em quinto lugar, recebeu depósitos que totalizaram R$ 25,1 milhões. A Ordem Terceira, entidade privada, recebeu um total de R$ 32,9 milhões.
• a Beneficente Portuguesa é, de longe, a mais prestigiada entre as empresas. Recebeu R$ 72,3 milhões, enquanto a segunda colocada recebeu R$ 48,4 milhões.
• enquanto foram destinados R$ 72,3 milhões para a privada Beneficente Portuguesa, para a própria Secretaria Municipal de Saúde, órgão público, foram destinados R$ 39,6 milhões.
• enquanto a média de recebimentos, entre as demais pessoas jurídicas de direito privado, foi de R$ 1,9 milhão, a Beneficente Portuguesa recebeu, sozinha, os R$ 72,3 milhões.
‘Pejotização’ da saúde pública – Este ano, foram depositados, pela Sesma, R$ 362 milhões em recursos públicos federais para pessoas jurídicas de direito privado. Para as instituições autoras da ação, isso é incompatível com a tese de que a precariedade no setor público (onde falta até esparadrapo) se deve à escassez de recursos. MPF, DPU e conselhos profissionais destacam que o quadro representa a ‘pejotização’ da saúde pública. A Sesma atualmente investe mais dinheiro público em instituições particulares do que investe diretamente na própria secretaria, frisam.
A pessoas físicas foram direcionados, sem licitação, R$ 15 milhões, sendo R$ 14,6 milhões em recursos federais. Há depósitos que somam, para cada pessoa física, de R$ 424 mil a até R$ 1 milhão. Esse cenário contrasta com a realidade das pessoas físicas concursadas, como enfermeiros e técnicos de enfermagem (os chamados “heróis da pandemia”, lembra a ação), que possuem salário-base mensal de R$ 1 mil a R$ 1,2 mil para profissionais de nível médio e de R$ 1,5 mil para profissionais de nível superior.
Relatório de Fiscalização do CRM-PA de 2025 aponta que, no PSM da 14, a área de ortopedia e traumatologia, serviço básico em um pronto-socorro, está sem realizar cirurgias há mais de um ano, devido à falta de materiais. Entretanto, o MPF constatou que em 2025 a prefeitura destinou ao Hospital Maradei, hospital particular especializado em cirurgias de ortopedia e traumatologia, R$ 48 milhões em recursos públicos federais.
“Os dados demonstram objetivamente que o PSM da 14 está precário sim, mas por falta de aplicação mínima de recursos públicos federais disponíveis, que escoam para entes privados, e fazem falta no setor público”, reitera a ação.
“A Prefeitura, que já dá muito para a iniciativa privada, quer dar mais e mais, em intensidade tal a ponto de querer fechar, interditar totalmente a unidade pública, para justificar a transferência total para o privado. As Chamadas Públicas 02 e 03/2025 da Sesma [editais que preveem a paralisação integral das atividades e a interdição do prédio] favorecem ainda mais a Beneficente Portuguesa, garantindo-lhe um incremento de R$ 125 milhões anuais. Ou seja: não bastasse o disparado favoritismo no recebimento de verbas públicas federais pela Beneficente (R$ 110 milhões), as Chamadas Públicas intensificarão ainda mais este privilégio (R$ 125 milhões), dobrando os ganhos do particular”, apontam MPF, DPU e os Conselhos Regionais de Farmácia, Medicina, Odontologia e Psicologia no Pará.
Mercado financeiro – Enquanto no PSM da 14 faltam insumos básicos (como esparadrapo), medicamentos essenciais e aparelhos elementares, mais de R$ 5,9 milhões de recursos públicos federais para a saúde foram aplicados pela Prefeitura de Belém no mercado financeiro em 2025, em 127 operações, registra também a ação.
Ação Civil Pública nº 1066792-14.2025.4.01.3900
Ministério Público Federal no Pará
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Fonte MPF


