Meio Ambiente
14 de Outubro de 2025 às 17h55
COP30: MPF cobra fiscalização sobre venda de combustível para aviões como estratégia para estrangular garimpo ilegal no território Yanomami
Ação busca maior eficácia na atuação da Agência Nacional do Petróleo contra a mineração ilegal em áreas protegidas
Foto: Agência Brasil
A Terra Indígena Yanomami é o maior território tradicional demarcado do Brasil, com 9,6 milhões de hectares. Situada no coração da Floresta Amazônica, entre os estados do Amazonas e de Roraima, é lar de mais de 30 mil indígenas. A imponente área abriga uma imensa biodiversidade e riquezas como ouro e cassiterita, que atraem a cobiça de garimpeiros e criminosos.
De acordo com o relatório Yanomami sob Ataque, produzido por associações indígenas em parceria com a organização não-governamental Instituto Socioambiental (ISA) em 2022, a mineração irregular cresceu 3.350% entre 2016 e 2021 no território, impactando uma área total de 3.272 hectares e mais de 16 mil habitantes de 273 comunidades.
Os efeitos devastadores da atividade incluem não apenas a destruição de rios e matas, mas também a explosão de casos de malária e outras doenças evitáveis entre indígenas, violência, roubo de terras, fome e violações de direitos humanos. O garimpo ilegal foi uma das causas da crise humanitária sem precedentes enfrentada pelo povo Yanomami em 2022, que gerou fome e morte, em imagens chocantes que correram o mundo.
Além dos impactos humanos e ambientais, a extração irregular de minérios vem sendo cada vez mais usada para alimentar o crime organizado.
Nesse cenário, saem de cena os pequenos garimpos, operados de forma quase artesanal, e surgem maquinários caros e sofisticados, armamento pesado e danos incalculáveis ao meio ambiente e às populações tradicionais. “Uma única embarcação com draga acoplada para extração de ouro do leito de rios pode custar R$ 5 milhões”, exemplifica Porreca, para demonstrar o poder econômico dos atores envolvidos.
Não há estimativas oficiais sobre os valores movimentados pelo garimpo ilegal no Brasil, mas as cifras chegam a R$ 2 bilhões por ano apenas em minérios apreendidos pelas autoridades.
Um contexto tão complexo exige estratégias múltiplas de enfrentamento. Com o objetivo de combater o problema de forma estrutural em Roraima, o MPF traçou uma estratégia complementar à atuação criminal: investigar, em profundidade, a cadeia logística do garimpo e coibir a venda irregular de combustível para aviões de pequeno porte, cobrando maior fiscalização por parte da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“A ideia foi atuar não apenas de forma reativa, repressiva, mas buscar um trabalho estrutural de prevenção, para evitar que o combustível, que é essencial para a mineração ilegal, chegue até os garimpos”, explica o procurador.
- Aeronaves apreendidas por envolvimento crimes ambientais e garimpo ilegal em terra indígena Yanomami no pátio da Polícia Federal em Boa Vista Foto: Agência Brasil
Os aviões de pequeno porte levam suprimentos, combustível e equipamentos para enclaves no meio da floresta e são usados também para escoar a produção ilegal. Inquérito civil instaurado pelo MPF em 2023 mostrou que a quantidade de combustível de aviação vendido em Roraima era incompatível com a demanda lícita, representada por aeronaves e empresas de táxi aéreo autorizadas a operar no estado.
A investigação revelou também que as falhas de fiscalização da ANP contribuíam de forma significativa para o funcionamento do garimpo ilegal. Mais do que mera negligência, a situação se configurou como verdadeira omissão estatal.
O MPF descobriu, por exemplo, que uma das empresas autorizadas a comercializar combustível de aviação em Roraima vendeu quase metade do total (mais de 860 mil litros) para compradores não identificados, o que contraria as instruções da agência.
Foram encontrados 13 postos de abastecimento de aviões operando sem autorização. A fiscalização deficiente permitia que esses locais seguissem em funcionamento e, quando as bombas eram interditadas, os lacres eram rompidos logo depois.
Empresas que já haviam sido autuadas por irregularidades continuavam operando, outras eram geridas por laranjas e adquiriam grandes quantidades de combustível. Em um caso, vistoria realizada in loco em posto de abastecimento não autorizado encontrou pista de pouso clandestina e aeronaves com prefixo adulterado.
Todas as empresas flagradas em irregularidades no curso da investigação e seus responsáveis já respondem a processos criminais conduzidos pelo MPF, por delitos como transporte e armazenamento ilegal de combustível, apoio logístico à extração irregular de minério, entre outros.
Ao examinar os procedimentos da ANP, o MPF constatou que a agência não tinha um plano de fiscalizações permanentes e constantes, para analisar a documentação dos postos de venda de combustível e dos compradores do material. Assim, era impossível saber quais medidas estavam sendo adotadas pelos revendedores para evitar que o combustível chegasse ao garimpo ilegal.
O Mapa de Movimentação de Combustíveis de Aviação (MMCA) – instrumento criado pela agência para que revendedores registrem, diariamente, os volumes de aquisição e de venda dos combustíveis de aviação – era preenchido de forma manual, em cadernos, o que facilita fraudes e dificulta a fiscalização, estava incompleto ou era simplesmente ignorado.
As ações de fiscalização da ANP, quando ocorriam, eram reativas, após provocação de outros órgãos, e se limitavam à revogação de registros ou aplicação de autos de infração, sem penalidades mais graves nem medidas concretas para impedir a reincidência.
“A agência, que deveria agir preventivamente e com rigor na imposição de sanções, permitiu a perpetuação de um ciclo de impunidade, ignorando a extensão e a gravidade das infrações cometidas”, registra o MPF, em ação civil pública.
Ajuizada em fevereiro deste ano, a ação pede que a Justiça obrigue a ANP a adotar uma série de medidas estruturantes para melhorar a fiscalização da venda de combustível para avião em Roraima. O MPF quer, por exemplo, que o MMCA seja desenvolvido em formato digital, no intuito de permitir a alimentação do sistema de forma simultânea às vendas, o cruzamento e a análise dos registros em tempo real, inclusive com uso de ferramentas tecnológicas de inteligência artificial.
O software deverá identificar, de forma automática, aeronaves sem autorização da Agência Nacional de Aviação (Anac), postos de abastecimento sem permissão de funcionamento e pessoas físicas ou jurídicas impedidas de comprar combustível de aviação por ordem administrativa da própria ANP.
O MPF quer que a Justiça obrigue a ANP a fiscalizar, de forma efetiva, as operações de venda, revenda e abastecimento de combustível de aviação e a usar seu poder de polícia de forma eficaz, sem necessidade de futuras ordens judiciais, com aplicação de sanções que possam desestimular de fato as infrações.
A ação requer ainda a condenação da agência ao pagamento de R$ 100 mil de indenização a título de dano moral coletivo.
Os pedidos formulados em caráter urgente (liminar) já foram concedidos. Em abril deste ano, a Justiça determinou que a ANP elabore cronograma de fiscalização de revendedores e postos de abastecimento em Roraima e suspenda as autorizações das empresas em situação irregular ou vinculadas ao garimpo ilegal.
A medida impôs limites imediatos à logística do abastecimento clandestino de combustível de aviação, com impacto direto na cadeia de apoio ao garimpo na Terra Indígena Yanomami.
O cronograma de fiscalizações já foi compartilhado com o MPF. Agora, o órgão aguarda o julgamento de mérito da ação, para assegurar a maior eficiência estatal no combate ao garimpo ilegal.
- Rios contaminados têm coloração e margem afetados pela atuação de garimpo ilegal na região do Surucucu, dentro da Terra Indígena Yanomami, Oeste de Roraima Foto: Agência Brasil
“Na região Norte, existe uma falha estrutural muito grande, que é a ausência do Estado. Faltam servidores, dinheiro, equipamentos. Falta planejamento consistente. A quantidade de agentes públicos é muito reduzida para uma área geográfica muito grande, que ainda apresenta problemas de infraestrutura e dificuldades de acesso”, explica André Porreca. “A ação se insere nesse escopo e busca incentivar a estruturação adequada da ANP, para que ela possa contribuir de fato para o combate ao garimpo ilegal”, conclui.
O objetivo final do MPF é fortalecer a fiscalização ambiental, a proteção de direitos fundamentais dos povos indígenas e a mitigação da degradação em área de elevada sensibilidade ecológica, garantindo avanço institucional no enfrentamento de uma atividade criminosa responsável por severos danos à população Yanomami e à floresta amazônica.
Contagem regressiva – Até o dia 9 de novembro, véspera do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará, serão publicadas 50 matérias sobre a atuação do Ministério Público Federal na proteção do meio ambiente, das populações mais vulneráveis e dos direitos humanos. A ação de comunicação faz parte da campanha MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos.
Acompanhe a contagem regressiva diariamente, no nosso site!
*Reportagem: Comunicação/MPF/RR
Ação civil pública 1001829-67.2025.4.01.4200
Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República
(61) 3105-6404 / 3105-6408
pgr-imprensa@mpf.mp.br
facebook.com/MPFederal
x.com/mpf_pgr
instagram.com/mpf_oficial
www.youtube.com/canalmpf
Fonte MPF