Direitos do Cidadão
3 de Julho de 2025 às 13h24
MPF assegura direito de mulheres concorrerem a todas as vagas no Colégio Naval, no Rio de Janeiro
Após obter liminar que garante paridade nos concursos futuros, o MPF recorreu para que a igualdade seja adotada no certame atual
Colégio Naval em Angra dos Reis (RJ). Foto: Marinha do Brasil.
O Ministério Público Federal (MPF) garantiu vitória relevante ao combater a desigualdade de tratamento no concurso para ingresso no Colégio Naval do Rio de Janeiro. A decisão liminar da Justiça Federal determina que, a partir dos próximos editais, as jovens entre 15 e 18 anos possam disputar todas as vagas do concurso em igualdade de condições com os jovens — tanto na ampla concorrência quanto nas cotas de ação afirmativa.
A decisão resulta da ação civil pública ajuizada pelo MPF, em maio de 2025, após constatar que o edital do Concurso Público de Admissão para o Colégio Naval destinava 141 vagas a candidatos do sexo masculino e apenas 12 a candidatas do sexo feminino — uma diferença que reserva cerca de 92% das vagas para homens, em clara afronta à Constituição Federal e a tratados internacionais.
Discriminação de gênero – O Colégio Naval, vinculado à Marinha do Brasil, é uma das mais prestigiadas instituições públicas de ensino médio do país, liderando rankings como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e figurando entre as melhores no desempenho do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Além da excelência acadêmica, oferece benefícios como alimentação, alojamento, uniformes, assistência médica e bolsa-auxílio, além do ingresso direto na Escola Naval ao fim do curso.
A Marinha justificou a desproporção de vagas afirmando que o Colégio é voltado à formação de militares de carreira, e que as instalações ainda não estariam totalmente adaptadas para um número maior de mulheres. No entanto, o MPF demonstrou que essas justificativas não se sustentam, especialmente diante de um acordo judicial firmado em 2019, que já previa a inclusão de mulheres no Colégio Naval a partir de 2022, com prazo de adaptação finalizado em fevereiro de 2023.
Direitos iguais – A ação do MPF está fundamentada na Constituição, em Convenção Internacional, no Estatuto da Criança e do Adolescente e em leis que regem o acesso ao ensino público. A Constituição proíbe discriminações com base no sexo e assegura igualdade plena entre homens e mulheres, sendo o Brasil signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), internalizada pelo Decreto nº 4.377/2002, que garante igualdade de acesso à educação e cargos públicos.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu pela inconstitucionalidade de restrições de gênero em concursos públicos para carreiras policiais e militares, como nas ADIs 7492 (AM) e 7481 (SC). Já a Lei nº 11.279/2006, que rege o ingresso no ensino da Marinha, não prevê qualquer distinção de gênero para a distribuição de vagas. Além disso, o Decreto nº 12.154/2024 prevê o alistamento militar feminino, indicando mudança institucional no sentido da inclusão plena.
Recurso por igualdade imediata – Embora tenha reconhecido a inconstitucionalidade da prática e determinado a mudança para concursos futuros, a primeira instância da Justiça Federal indeferiu a aplicação imediata da medida ao certame de 2025, alegando risco de “descontinuidade” e a necessidade de tempo mínimo para adaptações físicas, já que o Colégio funciona em regime de internato.
Visando assegurar a isonomia já no processo seletivo de 2025, o MPF apresentou recurso (agravo de instrumento) com pedido de antecipação da tutela recursal ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). De acordo com a ação proposta e com a decisão liminar da 32a Vara Federal do Rio de Janeiro, a Marinha do Brasil não deve estabelecer qualquer distinção de tratamento entre candidatos e candidatas.
O objetivo é garantir que a decisão tenha efeitos já no concurso de 2025, cuja prova está prevista para 26 de julho. Segundo o MPF, a manutenção da atual distribuição discriminatória de vagas causará prejuízo irreparável às candidatas e violará princípios fundamentais da legalidade, moralidade e igualdade.
O MPF destaca que, mesmo que a estrutura do Colégio precise de ajustes, qualquer adaptação só se aplicaria ao início do ano letivo, previsto para fevereiro de 2026 — ou seja, há tempo hábil para adequações.
Ao recorrer, o Ministério Público busca a retificação do edital de 2025, sua republicação e a reabertura das inscrições, permitindo que todos os candidatos — independentemente do gênero — concorram à totalidade das vagas.
Para o procurador regional dos direitos do cidadão adjunto, Jaime Mitropoulos, “a decisão liminar foi uma conquista, mas o recurso do MPF é necessário para que o tratamento isonômico seja assegurado desde já. Ate agora, a União demonstrou pouca ou nenhuma efetividade para impedir que a discriminação injustificável continue sendo reproduzida. Além disso, demonstrou-se que existem condições para que desde logo as candidatas tenham as mesmas oportunidades de acesso ao ensino público então reservadas aos candidatos do sexo masculino”.
Ação Civil Pública nº 5043308-55.2025.4.02.5101
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Fonte MPF