MPF ajuíza ação para obrigar organizadores da Stock Car, em Belo Horizonte (MG), a adequarem ruídos aos limites legais — MPF-MG de 1º grau

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Meio Ambiente

5 de Julho de 2024 às 13h35

MPF ajuíza ação para obrigar organizadores da Stock Car, em Belo Horizonte (MG), a adequarem ruídos aos limites legais

Estudos apontam que níveis de ruído ultrapassam em muito os limites de 70 decibéis para áreas comuns e 55 decibéis para regiões hospitalares

Foto de carros de corrida Stock Car de várias cores em curva de pista de asfalto; à margem da curva é possível ver parte de um gramado


Imagem editada a partir do Google Maps

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública contra a Speed Seven Participações e a DM Corporate, organizadoras do evento automobilístico Stock Car Pro Series, para que elas sejam obrigadas judicialmente a comprovar atendimento dos limites máximos de ruído definidos pela legislação municipal em Belo Horizonte (MG), que são de 70 decibéis (dB) para áreas comuns e 55 dB para a região do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

As empresas devem apresentar proposta de mitigação acústica que demonstre, além de suficiência técnica, a viabilidade de sua implantação. Na falta dessa demonstração, o MPF pede que a Justiça Federal impeça os organizadores de promoverem venda dos ingressos e de realizarem os atos de montagem da infraestrutura que sejam de sua responsabilidade.

A Stock Car foi contratada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) a realização de etapa do Campeonato Brasileiro na capital mineira pelo período de cinco anos. Segundo o contrato, o circuito será instalado na região da Pampulha, na vizinhança do estádio Mineirão e do campus da UFMG, e está em fase de implantação, com corte de árvores e execução de obras viárias. Também já foi dado início à venda dos ingressos, com previsão de público de 80 mil pessoas.

Conforme explicado na ação do MPF, o local de implantação do circuito fica às margens de estruturas biologicamente sensíveis da UFMG, como Hospital Veterinário, Biotério Central e Estação Ecológica, colocando em grave risco o patrimônio científico e natural daquela instituição federal e da sociedade.

Para o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, “a localização do circuito é incompatível com a corrida automobilística, que, por dias e períodos contínuos, causará aguda perturbação sonora, causando impacto direto à fauna local. Estudos apontam que a previsão de ruído se dará em níveis suficientes para causar estresse severo e até a morte de animais em tratamento no hospital veterinário da UFMG ou abrigados nos biotérios de pesquisas”.

Mitigação insuficiente – A primeira edição do evento está prevista para acontecer entre 15 e 18 de agosto de 2024, com traçado de pistas no entorno do Mineirão, em forma de “circuito de rua”. Conhecida como uma das modalidades mais ruidosas do automobilismo, com 30 carros transitando em velocidades que podem chegar a 260 km/h, a Stock Car é um evento de grande porte que, além das provas principais, conta com treinos livres, sessões classificatórias, corridas acessórias e outras programações que podem preencher a extensão completa dos dias, alongando-se, por vezes, do início da manhã até o fim da tarde.

Tipicamente realizada em autódromos fechados, especificamente preparados para competições automobilísticas, a Stock Car gera impactos agudos no ambiente, notadamente em razão da intensa poluição sonora e vibrações intrínsecas aos treinos e provas. No início do processo de autorização, estudo acústico foi apresentado pelos organizadores do evento à PBH, a partir de simulação que considerou a recepção de até 75,5 decibéis no Hospital Veterinário da UFMG. Segundo os requeridos, o ruído excessivo seria mitigado por meio da construção de barreiras acústicas de até cinco metros de altura no entorno da universidade, o que, segundo eles, reduziria o ruído para valores inferiores aos 70 dB.

No entanto, estudos realizados pela Aecom do Brasil, por solicitação do MPF, apontou que, para adequação à exigência relativa aos hospitais – limite máximo de 55dB –, a instalação de barreiras seria insuficiente, sendo necessária a conjugação com medidas adicionais, instaladas no interior da universidade. Apenas a construção de barreira com 25 metros de altura, de acordo com nota técnica da empresa, seria capaz de reduzir o ruído aos limites aceitáveis.

O MPF explica que, além de não ter sido consultada em nenhum momento, na fase prévia de escolha do local, a UFMG já se pronunciou totalmente contrária à realização das corridas em suas imediações. “Em medições realizadas na etapa da Stock Car que aconteceu em Cascavel (PR), nos dias 18 e 19 de maio deste ano, verificou-se a emissão de ruídos que chegaram a 100,8 dB, aferidos a 35 metros da pista. Em Curitiba, as medições apontaram a ocorrência de ruídos da ordem de 94,6 dB e ruídos de 77 dB na distância de 766 metros da pista, ou seja, a uma distância que é mais de dez vezes superior à distância da pista ao Hospital Veterinário da UFMG”, acrescentou Carlos Bruno Ferreira.

A própria Secretaria Municipal de Meio Ambiente expediu o Parecer Técnico nº 0315/20241, destacando que a realização da corrida em circuito aberto trará graves impactos à região, sendo incompatível com a legislação municipal sobre o tema.

O MPF destaca ainda que a construção das barreiras acústicas como pretendem as empresas, além de insuficiente, é inviável, pois dependeria de autorização da UFMG, que já se posicionou contrariamente; já deveria estar em andamento, em virtude da data prevista para o evento; e feriria a legislação municipal que proíbe a ocupação de passeios públicos por equipamentos ou estruturas.

Barulho “insuportável” e risco de morte – As estruturas da UFMG localizadas nas proximidades de onde se pretende realizar a prova da Stock Car concentram alta riqueza biológica, abrigando uma Estação Ecológica, além de vasta vegetação e fauna em seu campus. O Biotério central e o Hospital Veterinário da UFMG abrigam animais em tratamento de saúde e/ou aqueles que, destinados a pesquisas científicas, são criados sob parâmetros rigorosos de condições ambientais.

O MPF explica, na ação, que os altos níveis de ruídos e vibrações provavelmente emitidos no evento têm com potencial para causar severos danos à vida e integridade da fauna local, além do iminente risco à confiabilidade das pesquisas lá desenvolvidas.

O fato foi destacado pela administração da UFMG e pelos Pareceres Técnicos elaborados pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, segundo os quais “a proximidade da via a ser utilizada pelo empreendimento na Av. Presidente Carlos Luz, em frente ao Hospital Veterinário da UFMG, é provavelmente o ponto mais crítico a ser relacionado com os impactos do ruído que será causado pela corrida. Essa porção é mais sensível por se tratar de um local de tratamento médico veterinário e haver poucas árvores que permitam um mínimo de isolamento acústico, faz se necessário lembrar que os animais ali em tratamento possuem uma acuidade auditiva muito superior à dos seres humanos, sendo que os limites permitidos para pessoas não se apliquem a animais”.

A ação destaca que reclamações relacionadas ao ruído da Stock Car no Paraná, descrevendo-o como “insuportável”, foram expostas por moradores residentes a 600 metros de distância do Autódromo Internacional de Curitiba.

O impacto pode ser muito grande também no Biotério Central do ICB, que fornece animais para pesquisas relacionadas ao “desenvolvimento de vacinas, mediadores inflamatórios de doenças e investigações sobre dependência química, remédios e tratamentos para diversas doenças, como a covid, dengue, malária, leishmaniose, hanseníase, Alzheimer e vários tipos de câncer.”

Em razão da proximidade com o traçado, a exposição dos animais aos ruídos da ordem de 90 dB, durante dias e períodos seguidos, pode levá-los a níveis extremos de estresse, ocasionando alterações comportamentais e fisiológicas bruscas e até morte, podendo prejudicar a confiabilidade das pesquisas desenvolvidas.

Danos ambientais e ao consumidor – O MPF explica, na ação, que a realização da competição poderá acarretar também danos ambientais ainda não quantificados à Estação Ecológica da UFMG. O órgão alerta ainda que há risco de dano aos consumidores que estão adquirindo os ingressos e que “o evento conta com previsão de investimento público da ordem de 20 milhões de reais, por parte do Município de Belo Horizonte, ao longo dos cinco anos de sua ocorrência. Dessa forma, a falta de rigor com a qual o evento continua a ser impulsionado pelos requeridos coloca em risco, além do investimento privado e social civil, também o investimento público subjacente”.

Ação Civil Pública nº 6032071-53.2024.4.06.3800

Consulta pública

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Fonte MPF