Comunidades Tradicionais
18 de Novembro de 2025 às 17h10
MPF aciona União e Incra por omissão na titulação de território quilombola em Mariana (MG)
Processo de regularização do Quilombo Vila Santa Efigênia tramita há mais de 14 anos sem previsão de conclusão

Imagem: Comunicação MPF
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação, com pedido de urgência, contra a União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O objetivo é obrigar os órgãos a concluírem, em prazo determinado, o processo de regularização fundiária do território tradicional ocupado pelas Comunidades Quilombolas de Vila Santa Efigênia e Adjacências (Engenho Queimado, Embaúbas e Castro), localizadas em Mariana (MG).
A comunidade de Vila Santa Efigênia recebeu o reconhecimento da Fundação Cultural Palmares em 2010, e o processo administrativo para a titulação das terras foi instaurado no Incra em 2011. Contudo, após mais de 14 anos, o processo segue paralisado na fase inicial de identificação e delimitação, sem que o Incra tenha sequer iniciado a produção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). O RTID é o primeiro estudo técnico essencial para o reconhecimento oficial do território quilombola.
Apuração – Em 2012, o MPF instaurou um inquérito com a finalidade de acompanhar o processo de regularização fundiária do território e o atendimento às demandas por serviços e bens públicos das comunidades de Vila Santa Efigênia e Adjacências. Diante da falta de avanço, em 2014, o MPF expediu uma recomendação ao Incra exigindo o início imediato dos estudos necessários para identificação, demarcação e titulação do território. Na ocasião, o Incra apenas confirmou a existência do processo administrativo (iniciado em 2011), mas informou que a comunidade em questão ainda não estava prevista para ter os trabalhos de regularização iniciados naquele ano.
A apuração revelou que o cenário de estagnação se arrastou por anos. Em dezembro de 2020, o Incra comunicou ao MPF que ainda não havia sido possível adotar os procedimentos necessários para dar prosseguimento ao processo administrativo. Posteriormente, em 2022, a autarquia agrária justificou a falta de avanço na elaboração das peças técnicas do RTID, alegando a escassez de recursos humanos, orçamentários e financeiros, indicando que o relatório antropológico sequer havia sido iniciado após mais de 10 anos. Em setembro de 2025, o Incra novamente informou que o processo administrativo continuava em fase inicial.
Para o MPF, essa inércia por parte do Incra em conduzir o processo em um tempo adequado e razoável é inaceitável. A demora na entrega do título de propriedade agrava a vulnerabilidade dessas comunidades, dificultando ou até impedindo o acesso a políticas públicas essenciais, como saúde e saneamento. A ausência de titulação também gera insegurança jurídica e expõe as comunidades ao risco de desagregação.
Território é essencial – A ação enfatiza que a falta de ação do Estado viola o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que reconhece a propriedade definitiva aos remanescentes de quilombos que ocupam suas terras, devendo o Estado emitir os títulos respectivos. A responsabilidade pela demora recai solidariamente sobre o Incra e a União. O Incra alegou carência de recursos humanos e orçamentários como justificativa para a paralisação. A União, por sua vez, tem a obrigação de prover os meios para que o Incra cumpra seu dever.
O MPF aponta que a insuficiência de recursos orçamentários destinados à regularização fundiária quilombola é crônica. A ação cita um levantamento realizado pela ONG Terra de Direitos em 2024, que indica que, mantido o ritmo atual de titulação, o Incra levaria mais de 2.700 anos para concluir os processos de regularização das terras quilombolas em curso no país
Condenação internacional – O caso das Comunidades Quilombolas de Vila Santa Efigênia e Adjacências reflete a preocupação de organismos internacionais. O Brasil já foi responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs. Brasil, por violação dos direitos à propriedade coletiva e de circulação, devido ao descumprimento da obrigação de demarcar e titular o território. O MPF argumenta que essa decisão internacional reforça a necessidade de o Estado brasileiro garantir os direitos territoriais de outras comunidades tradicionais. O território quilombola, além de garantir a reprodução física, social, econômica e cultural dos grupos, protege aspectos culturais e contribui para a preservação do patrimônio nacional.
O procurador da República Helder Magno da Silva, responsável pela ação, enfatiza a importância de se concluir o processo rapidamente. “O reconhecimento e a titulação dos territórios quilombolas são a concretização de uma dívida histórica e um direito fundamental. A demora prolongada do Estado, que se arrasta por mais de uma década, exige a intervenção do Poder Judiciário para garantir a dignidade dessas comunidades e assegurar que o mandamento constitucional seja finalmente cumprido”.
Pedidos – Diante do quadro de omissão, o MPF requer que a Justiça Federal determine, em caráter de urgência, que a União e o Incra concluam todas as fases necessárias para a titulação em um prazo global e razoável de até 12 meses. Além da obrigação de fazer, a ação solicita que a União inclua verbas específicas e sem cortes no orçamento para a política de regularização.
A ação também pleiteia a condenação da União e do Incra ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, em valor não inferior a R$ 1 milhão, em razão da omissão do Estado em cumprir seu dever legal por mais de uma década. Se concedido, o valor deverá ser aplicado em projetos educacionais, de saúde, ambientais e sociais no território, conforme proposto pelas próprias comunidades.
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Fonte MPF


