Comunidades Tradicionais
10 de Abril de 2025 às 16h40
Justiça Federal acata pedido do MPF para assegurar representatividade quilombola na gestão escolar em MT
Decisão liminar reconhece direito de comunidade tradicional à gestão participativa e culturalmente adequada em escola estadual
Foto ilustrativa: Seduc/MT
A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal determinou, em decisão liminar assinada em 5 de abril, que o estado de Mato Grosso adote as medidas necessárias para que os cargos de gestão das escolas localizadas em territórios quilombolas sejam preenchidos por candidatos remanescentes quilombolas, conforme prevê a legislação sobre comunidades tradicionais. O atual gestor da escola estadual Maria de Arruda Muller, situada na comunidade Abolição, no município de Santo Antônio de Leverger (MT), não é quilombola, não se candidatou para a vaga na referida escola e não apresentou carta de recomendação da comunidade local.
Segundo o MPF, a decisão busca garantir a aplicação da legislação federal e internacional que assegura à população quilombola o direito à educação diferenciada e à participação ativa na condução das instituições de ensino que atendem suas comunidades. “O ensino ministrado com respeito à própria cultura representa um ato que ultrapassa os limites de uma simples concretização do direito fundamental à educação. Representa, a bem da verdade, uma forma de empoderamento do grupo etnicamente diferenciado, sobrelevando-se, portanto, sua autonomia”, afirmou o procurador da República Ricardo Pael, responsável pelo caso.
A ação foi ajuizada em 3 de abril, após denúncia apresentada por representantes da comunidade quilombola Abolição. Eles relataram que a designação do novo gestor da Escola Estadual Maria de Arruda Muller, situada no quilombo, foi realizada sem consulta prévia à comunidade e desconsiderando critérios de pertencimento étnico e cultural. O antigo diretor da escola, remanescente quilombola, foi impedido de participar do processo seletivo por conta de regra no edital da Secretaria Estadual de Educação (Seduc-MT) que veda recondução ao cargo na mesma unidade escolar, mesmo que esse seja o único candidato da comunidade.
Direito à participação – Para o MPF, a regra de não recondução, prevista em normativas da Seduc-MT, deve ser interpretada em conformidade com a Resolução n.º 8/2012 do Conselho Nacional de Educação, com o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), com a Lei Federal nº 9.394/96 e com a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O que estiver previsto nessa legislação federal e internacional deve ser aplicado com prioridade sobre as normas estaduais e garantem o direito à participação efetiva dos povos tradicionais na formulação e execução de políticas que os afetam diretamente.
Segundo Pael, apesar de sua longa trajetória de luta por território e cultura, as comunidades quilombolas ainda enfrentam extrema vulnerabilidade e a constante negação de direitos garantidos pela Constituição. “É a educação, pois, meio fundamental de acesso a conhecimentos que possibilitam o exercício da cidadania plena, constituindo, por isso, condição essencial para que os povos tradicionais possam estabelecer relações mais simétricas com toda a sociedade”, acrescentou o procurador na ação.
Determinações – A liminar determina que o estado de Mato Grosso, por meio da Seduc, interprete as normas estaduais sob a determinação das normas federais e internacionais, de forma a permitir a recondução de gestores quilombolas quando não houver outros candidatos da comunidade interessados e habilitados ao cargo. Deve, ainda, em 15 dias, reavaliar a situação da escola Maria de Arruda Muller, reconsiderando a inscrição do candidato quilombola, e, no mesmo prazo, consultar a comunidade quilombola Abolição sobre a designação do diretor da unidade escolar.
O estado do Mato Grosso deve se abster de praticar atos que contrariem a interpretação que dá preferência a candidatos quilombolas e, no caso de descumprimento da decisão, deverá pagar multa diária no valor de R$ 2 mil.
Além dos pedidos já deferidos na decisão liminar, o MPF requer, ao fim da ação, que o estado do Mato Grosso seja condenado a editar normas estaduais que assegurem a gestão escolar quilombola, conforme as normas citadas, e a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão.
Ação Civil Pública nº 1009439-43.2025.4.01.3600
Consulta processual: https://pje1g.trf1.jus.br/consultapublica/ConsultaPublica/listView.seam
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Fonte MPF